O dissabor dos mais sensíveis

A proposta do texto dessa semana é fazer uma rápida abordagem das questões trazidas à análise do Poder Judiciário, sob o pretexto de descortinarem dano moral e que, ao final do processo, se constata não passar de mero aborrecimento do postulante.

O tema guarda relação com a responsabilidade civil já tão conhecida do estudante. Seria cansá-lo em demasia ter que repetir que uma conduta que traga um liame causal com um dano ocorrido, material ou moral, é taxada de ilícita e demanda indenização com o fim de restabelecimento ao estado anterior das coisas ou, ao menos, tentar mitigar os efeitos do dano não passível de retorno ao status quo.

A indenização pelo dano moral sofrido já ocupou seu espaço e se fortalece cada dia mais nas barras dos tribunais, deixando claro que não apenas com o prejuízo material se ocupam os julgadores. É esse dano que normalmente não admite consertos, não permite retorno ao estado anterior e cujo bálsamo é apenas uma indenização em dinheiro ao prejudicado para que ao menos se minore os efeito do ato ilícito praticado.

Causar a morte de um ente querido, omitir-se na entrega de um tratamento médico que deveria ser prestado, causar a amputação de um membro da vítima, dentre outros fatos humanos, são facilmente identificados como passíveis de causar danos morais severos ao prejudicado, indicando a necessidade imediata de fixação de quantia indenizatória para que a dor, o abalo moral, o choque emocional que houve um dia seja mitigado pelo valor do dinheiro.

Todavia, há situações intermediárias que trazem alguma dificuldade para o julgador, porquanto o resultado naturalístico da conduta não salte aos olhos como dano moral propriamente dito. Um bom exemplo a ser citado é o caso do atraso na entrega de um apartamento comprado ainda antes de construir; os chamados imóveis comprados na planta. Em casos deste tipo, a jurisprudência oscila entre o reconhecimento do dano moral do comprador e a diretriz contrária de que tal demora não chega a abalar subjetivamente o consumidor a ponto de galgar o posto de dano moral. Diz-se, pois, que o dano moral sofrido é situação especial que não se pode confundir com qualquer dissabor ou mero aborrecimento do indivíduo mais sensível.

O Direito reconhece que qualquer pessoa deve ter uma margem de tolerância para as adversidades da vida, como que explicando que o indivíduo vai mesmo sofrer algumas intempéries no seu dia a dia, as quais não chegam a alcançar o patamar de fato jurídico e, por consequência, não geram qualquer efeito relevante. Como os tribunais devem reverberar o comportamento do homem médio, que nem sempre dirige os pleitos dos cidadãos, compreende-se que ao magistrado sejam entregues casos que ficam na fronteira nebulosa entre o dano moral e o mero dissabor.

Baliza relativamente segura para melhor analisar um caso concreto é a doutrina que explica que o dano moral é apenas (…) a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo(CAVALIERI, Sérgio in Programa de responsabilidade civil, 2ª ed., SP: Malheiros, 1998, p. 78, apud Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, 8ª ed., SP: Saraiva, 2003, p. 549/550).

A jurisprudência também ajuda vaticinando que “(…) o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos suportados no dia a dia, sob pena de se colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil e da justiça. Destarte, não basta o simples percalço, de menor proporção, ainda que dele se possa extrair ofensa aos sentimentos ou ao espírito do homem.” (TJSP, Apelação nº 0005038-13.2012.8.26.0506 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. PAULO ALCIDES)

As cores fortes de alguns exemplos pertinem neste final de texto para mostrar que da mesma forma que existem casos que evidentemente geram danos morais e não trazem maiores dificuldades ao julgador, há aqueles que evidentemente não passam de mero dissabor que só acometem os mais sensíveis. Não se atribui a natureza de dano moral ao consumidor que encontra uma peça de carne no mercado com um fio de cabelo na embalagem ou por uma reação alérgica da consumidora ao produto de beleza usado na cabeça. Essas são situações de evidente desconforto, mas que não passam disso e não tem a importância necessária para ganhar o mundo jurídico (vide TJSP, Apelação nº 0343034-40.2009.8.26.0000 e Apelação n° 295.175.4/0-00)

Eis porque o Direito não se ocupa com os mais sensíveis.

 

Leonardo Grecco

Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Especialista em Bioética pela USP e em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Magistratura. Professor de Direito em Santos.

Picture of Ondaweb Criação de sites

Ondaweb Criação de sites

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat. Duis aute irure dolor in reprehenderit in voluptate velit esse cillum dolore eu fugiat nulla pariatur. Excepteur sint occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui officia deserunt mollit anim id est laborum.

Notícias + lidas

Cadastra-se para
receber nossa newsletter