A conjuntura atual, em relação à manutenção e a possibilidade de exercício dos direitos trabalhistas, é assustadora. Projetos de lei que alteram a CLT, flexibilização de direitos trabalhistas sendo alçadas à condição de temas com repercussão geral e, agora, a negação prática do direito fundamental de greve.
Escrevi semana passada sobre a impossibilidade de garantir direito de greve sem pagamento de salários. Negar salário ao trabalhador em greve é o mesmo que impedi-lo de exercer esse direito fundamental. É simples o raciocínio: na medida em que o salário constitui, como regra, fonte necessária para a sobrevivência física, do trabalhador e de seus familiares, suprimi-lo compromete a própria possibilidade de sobreviver. Quem não tem condições de pagar aluguel, comprar comida, honrar a conta do cartão de crédito, manter em dia o pagamento da faculdade, comprar medicamentos…ou seja, quem trabalha mediante remuneração e não a recebe, não consegue sequer manter o nível mínimo de existência digna. Esse sujeito certamente não terá condição alguma de exercer a resistência através da greve. Pois bem, o que parece simples confronta-se com recente decisão do CNJ, determinando o corte de ponto dos servidores da Justiça Federal em greve (Pedido de Providências – 0003835-98.2015.2.00.000).
Ora, a mobilização coletiva, reconhecida como direito fundamental dos trabalhadores, não constitui hipótese de suspensão do “contrato”. Ao contrário, trata-se de caso de interrupção da prestação do trabalho em favor da defesa de um tipo específico de sociedade. Esse é um aspecto de extrema relevância: os direitos discutidos em uma greve dizem diretamente com os interesses sociais, pois fixam limites de atuação do capital em relação à classe trabalhadora, e, portanto, em favor da melhoria das condições de vida de todos os trabalhadores. Quando a greve é deflagrada por servidores públicos, é ainda mais nítido o efeito e a importância social do movimento. De nada adianta a cobrança de metas pelo CNJ, na busca de um Poder Judiciário mais célere e eficaz, se não pudermos contar com servidores cujos direitos sejam respeitados. É importante perceber que a lei de greve, embora refira o termo suspensão, não deixa dúvidas: greve, enquanto fato social absorvido pelo direito é a “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. E o artigo 6 refere expressamente que “em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”. Retirar a remuneração do trabalhador é constranger a categoria a encerrar o movimento paredista e, sem dúvida, suprimir o direito fundamental ao salário. O corte de ponto e, portanto, dos salários dos trabalhadores grevistas, vai de encontro também ao que preceitua a Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil, quando menciona expressamente que é vedado às empresas “adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”. Esse é o caso do corte dos salários, que concretamente impede o exercício da atividade sindical.
Nesse contexto, melhor a transparência da ditadura ao véu da falsa democracia: vedar o direito de greve é ao menos uma postura mais clara e coerente, do que considerar esse direito como algo fundamental e impedi-lo de ser exercido.
Valdete Souto Severo.