Muito antes do Direito por muitos séculos existiu o direito. Antes do Direito ser Positivo, o Direito foi apenas positivo. Só muito recentemente o Direito é Positivismo Jurídico.
Em uma linha do tempo, alguns “humanos” – não todos! – foram da distributividade à propriedade, da reciprocidade ao Estado, da convivência à biopolítica. conforme o tempo cronológico, nossas sociedades experimentaram o empoderamento de uns em função de outros, e assim, como na maldição de “Dorian Grey”, o direito foi ficando velho enquanto o Direito aparentemente se mostrou como novo.
Desde que os humanos pretenderam a sobrevivência, a fuga da indigência pela vida coletiva, estabeleceram um conjunto de regras de convivência, uma determinada organização social, formas específicas de produzir os bens e víveres necessários à sua existência, não necessariamente em uma sequência ou relação específica. tais relações são de produção, são sociais, são distributivas, são políticas e são jurídicas. assim nasceu o direito. nas sociedades tecnologicamente elementares – e isto não é desmérito algum! – já existem, portanto, formas de regramento, conduta desejável, controle educacional, vigilância social, julgamentos e sanções variadas. o que não existe é o soberano, o “único”, o Poder.
Nas civilizações mais antigas fortaleceu-se o Poder. em algum momento o equilíbrio entre o prestígio dos indivíduos importantes ou linhagens, e o sistema de compensações e redistributividade deixou de exercer o domínio da coletividade sobre os mais proeminentes e/ou os mais fortes: feiticeiros, guerreiros, anciãos, talvez os mais altruístas, estavam sob controle. seja como for, a luta pelo Poder subverteu então o poder da família, a sabedoria dos mais velhos, a autorregulação comunitária e aprofundou a propriedade privada. a vigilância espontânea e a educação social cederam à luta de classes. desde então, o Poder mudou de endereço, ora do templo para o palácio, ora do palácio para o templo. raramente parou no meio do caminho… assim nasceu o Direito. fato preterido no túnel da história: o povo de Atenas instituíra o ostracismo como recurso para evitar que o mais inteligente, o mais astuto, o mais ardiloso, o mais letrado, o mais retórico viesse a ser um ditador e submete-se a todos pela tirania.
Os primeiros reis e os primeiros sacerdotes ou profetas precisaram escrever a lei. a lei virou Lei. com exceção de alguns raros momentos em que a filosofia emprestou maior sensatez e lógica ao Direito – talvez na Grécia de Sólon e Péricles, na Súmula Teológica de Sto. Tomás de Aquino ou na Doutrina do Direito de Immanuel Kant -, a Lei emprestou sua virtude do Poder. o poder foi esquecido no meio do caminho, a comunidade no meio da floresta espessa e a resolução espontânea de conflitos esquecida no Positivismo contratual. com eles a educação, a boa-fé, a moral e os conflitos se positivaram no Direito. logo o positivo se transvalorou em Positivo. agora o Poder se une ao Direito Positivo. e vice-versa. por exemplo, a reforma que vai da vingança privada à punição pública é a mesma que vai do empoderamento da comunidade ao Poder do Estado de Direito. morrem os homens nasce o Estado.
Se a vigilância era coercitiva a Prevenção é hedionda. na base da vigilância ainda estava o grupo social, a cultura, os valores, a lide mediada, a autocomposição na retributividade punitiva. na base da Prevenção está o Estado mal disfarçado de sociedade. ordem e segurança, Propriedade e Direito. depois do século XIX a ordem e a segurança encontraram-se no jurídico sob os auspícios do Estado. eis a “responsabilidade” pública – políticas públicas, “afirmativas” na gestão dos corpos, na produção dos entes, no consumo das coisas, na logística da “vida” -, a razão de ser do Direito. chegamos ao Positivismo jurídico. forma biopolítica de fato da função do Estado, em função dele mesmo.
Como seria a vida sem os auspícios do “D” e do “P”?
Autor – Professor José Manuel de Sacadura Rocha