Notas sobre a efetividade processual: uma abordagem a partir de uma alegoria

Coluna Instante Jurídico

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Créditos: CNJ

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Código de Processo Civil

Foi no ano de 2007 que ouvi pela primeira vez um professor de Direito Processual Civil dizer que o Brasil necessitava de um Código que pudesse resolver por completo as falhas existentes no sistema processual que se encontrava em vigor desde o início da década de setenta.

O discurso era pertinente, afinal, se a sociedade evolui, é esperado que o Direito evolua proporcionalmente. Entretanto, não é bem isso que acontece na prática – haja vista a morosidade envolvendo o processo de elaboração e aceitação das leis –, o que torna a expectativa em torno da efetividade de alguns dispositivos algo decepcionante.

No que tange, especificadamente, o atual Código de Processo Civil, é possível observar o seguinte: passado mais de um ano da data de sua publicação, poucos têm sido os esforços para concretizar a nova quantidade de garantias por ele previstas, em especial, aquelas de caráter fundamental. A esse respeito, lembro-me que o anteprojeto, quando veio a público, trouxe em seu bojo um dispositivo que me surpreendeu positivamente. Refiro-me, aqui, ao atual art.12, que, em linhas gerais, positivou o princípio constitucional da isonomia, no intuito de evitar tratamentos diferenciados entre processos que tramitem no mesmo juízo. Sobre esse artigo, aliás, existe na internet robusta literatura, entretanto, para fins do que se pretende com a presente coluna, limitar-nos-emos a uma análise mais sutil do parágrafo único do referido dispositivo.

Quem já estudou o Novo Código de Processo Civil, provavelmente já entendeu a referência. A fim de verificar se os atuais processos estão sendo julgados na ordem cronológica (excluídas é, claro, as exceções previstas em lei), o legislador referiu-se a uma lista que deve estar permanentemente disponível para consulta, seja nos cartórios das serventias judiciárias ou através da rede mundial de computadores.

Imagem: Pixabay

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Falta de efetividade

Ao realizar uma pesquisa no google coma tag lista de processos aptos a julgamento”, pude perceber que alguns Tribunais Estaduais já se adequaram a esse novo regramento, tanto, que disponibilizaram em seus sítios virtuais um link específico para essa finalidade. E no dia a dia forense, como ocorreu essa adequabilidade?

– Peço a você, leitor (operador do Direito ou parte interessada), que se imagine andando pelos corredores do foro onde o seu processo tramita. Agora leia a pergunta acima novamente e me responda de forma objetiva: qual foi a solução adotada em sua Comarca? Bastou você se dirigir ao cartório competente e a referida lista já se encontrava disponível para consulta ou você precisou peticionar nesse mesmo sentido? –

Embora essa não seja uma regra geral, tenho observado que, em alguns casos, ainda existe uma certa inércia no tocante ao cumprimento do referido dispositivo. Digo isso porque ao tempo em que a nova lei processual nos ajuda a tornar o modus operandi da atividade jurisdicional mais previsível, por um lado, não sabemos exatamente como devemos proceder, por outro. A estranheza dessa afirmação acaba por evidenciar uma circunstância sem igual, notadamente, a percepção de uma eventual falta de efetividade da normal processual.

Efetividade para quem, cara pálida? Ora, para qualquer um que deseje combater a aleatoriedade e a imprevisibilidade sobre o tempo de demora de um processo. A segurança jurídica, como se sabe, não pode contar com o silêncio daqueles que primam pela aplicação da lei num regime democrático, sob pena de se admitir a institucionalização da arbitrariedade.

Como é possível perceber, essa é uma questão, deveras, preocupante, pois, se a lei coloca em nossas mãos os mecanismos necessários para controlar eventuais aleatoriedades e, ainda sim, ignoramos (conscientemente ou não) o que deve ser feito para impedi-las, significa que vivemos um verdadeiro retrocesso haja vista a repristinação de alguns dos elementos do antigo Estado Moderno em plena vigência do Estado Democrático de Direito.

Foto: Gustavo Lacerda Falluh /Assessoria de Imprensa do TJSC

Foto: Gustavo Lacerda Falluh /Assessoria de Imprensa do TJSC

Inovações legislativas, prejuízos comuns

A esse respeito, penso que a alegoria abaixo (devidamente adaptada[1]) pode ajudar a explicar algumas das percepções mencionadas alhures: Alisson, um advogado sonhador, realizava determinada audiência quando percebeu que todos se comportavam de modo diferente. Ao final do ato, refletiu e perguntou a si mesmo:

Meu Deus, meu Deus! Como tudo é esquisito hoje! E ontem tudo era exatamente como de costume. Será que foi a lei que mudou durante a noite? Deixe-me pensar: a lei era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase achando que posso me lembrar de senti-la um pouco diferente. Mas se ela não é a mesma, a próxima pergunta é: qual lei ela seria?

Através de uma rápida pesquisa na internet, Alisson descobriu que um novo Código havia entrado em vigor. Nele, constava um novo artigo que dizia que os processos deveriam ser julgados por ordem cronológica. Ao se lembrar do andamento de um processo que estava concluso para julgamento há mais de um ano, Alisson compareceu rapidamente ao cartório da Vara onde o mesmo fora distribuído.

Quem é você?”, inquiriu um servidor.

Não era um começo de conversa muito estimulante.

Alisson respondeu um pouco tímido: “Eu… eu… sou um advogado, meu senhor. Descobri hoje cedo que a lei mudou então gostaria de saber como faço para verificar a ordem prevista para o julgamento do meu processo.

Não entendo”, disse o funcionário da justiça.

Receio não poder me expressar mais claramente”, respondeu Alisson muito polido, “pois, para começo de conversa, isso é uma grande novidade para mim. Tenho muitas conferências a fazer e não sei, exatamente, por onde começar. Hoje é um dia muito confuso. Poderia me dizer, por favor, o procedimento a ser adotado depois que eu sair daqui? Pois ainda necessito falar com o juiz.”

Isso depende bastante sobre o que você quer tratar”, disse o servidor.

O assunto é que o referido processo está na lista de prioridades...”, disse Alisson.

Então não sei se importa falar com o juiz”, disse o atendente.

Por que, não?”, perguntou Alisson curioso.

O servidor, por sua vez, respondeu: “Aparentemente o senhor ainda não percebeu Doutor, depois que o novo Código entrou em vigor, tudo por aqui passou a ser prioridade.”

“Mas como é que você sabe?”, retorquiu Alisson.

Deve ser”, disse o atendente, “caso contrário o senhor não teria vindo pra cá, assim como fizeram todos os outros advogados.

Moral da história: inovações legislativas, prejuízos comuns.

Uma palavra final: a coluna de hoje não destina a criticar servidores ou magistrados. Entretanto, devo dizer que sou defensor da aplicabilidade das leis, por isso rogo por uma maior efetividade processual.

Notas e referências bibliográficas:

[1] CARROL. Lewis. As aventuras de Alice no País das Maravilhas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2002.
Raphael de Souza Almeida Santos é Articulista do Estado de Direito. Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras – Unidade Divinópolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Araras (UNAR/SP). Mestre em Direito Raphael AlmeidaPúblico pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito e Literatura, do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Palestrante. Autor e colaborador de artigos e livros. Advogado inscrito na OAB/BA e OAB/MG.

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