Nem Amélias, nem Genis

Artigo publicado na 45ª edição do Jornal Estado de Direito – http://issuu.com/estadodedireito/docs/ed_45_jed.

 

 

Maria Berenice Dias

Advogada

Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB

Vice-Presidenta do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito das Famílias

A prostituição – chamada de “a mais antiga profissão do mundo” – é constantemente ligada a expressões desqualificativas: degradação, infelicidade, submundo, miséria, arrependimento, decadência.

Trata-se de uma visão puritana e preconceituosa, pois sempre existiu – e ainda existe – enorme dificuldade em visualizar a sexualidade feminina. A única aceitação da prática sexual da mulher é a gravidez.  E até parece que a procriação esgota o cumprimento do chamado “débito conjugal”.

Persiste uma influência muito grande da religião, que tem uma visão dicotômica da mulher: ou santa ou prostituta. Ou Maria ou Madalena. A santificação da mulher era de tal grau que a gravidez da chamada Virgem Maria aconteceu por revelação. Ela e o marido fizeram voto de castidade. Nada mais do que rejeição à vida sexual.

Historicamente há uma ideia beatificada da mulher.  Vista somente como esposa ou mãe  é decantada sua pureza, recato, castidade, integridade. Todos conceitos ligados à sexualidade, ou melhor, à abstinência sexual. Basta atentar à forma como as mulheres foram educadas: para ter medo, se manterem submissas, com o estigma de pertencerem ao sexo frágil,  precisando  ser protegidas e cuidadas.

Jamais podiam tomar qualquer iniciativa para não parecerem “oferecidas”. Nem manifestar desejo sexual ou ceder às investidas de namorados ou noivos. Precisavam casar virgens. Tanto que, até o advento do atual Código Civil, que data do ano de 2002, o marido podia pedir a anulação do casamento por vício, erro essencial sobre a pessoa, se desconhecia o desvirginamento da esposa.

As mulheres aprenderam a ser recatadas e comedidas à espera do príncipe encantado. E, no dia do casamento, na chamada noite de núpcias, estas resistências desaparecem e deve ela cumprir com o seu dever de esposa.

Com o casamento as mulheres tornavam-se rainhas do lar, devendo se satisfazer somente com a criação dos filhos, o sucesso do marido e a organização da casa. Afinal, foram adestradas com bonecas e casinhas para as atividades domésticas. Estes eram o seu único ponto de gratificação.

Os tempos mudaram, é verdade, mas,  até hoje, a virtude da mulher ainda está ligada à ausência do exercício da sexualidade.  O prazer é banido e condenado. Sexo somente para fins procriativos. Daí a proibição do uso de métodos contraceptivos e a rejeição exacerbada à homossexualidade.

As mulheres são reféns da visão sacrossanta da maternidade, considerada como uma verdadeira missão. Até se fala de “instinto maternal”, o que lhes subtrai a condição de pessoas capazes de tomar decisões acerca da própria vida.

Diante disso, nada mais justificável do que banir da sociedade aquela que acaba sendo a encarnação do prazer. As prostitutas sempre foram castigadas por serem alvos do desejo, e invejadas pelas mulheres para as quais sexualidade significa transgressão.

As mulheres sempre serviram para serem admiradas e as prostitutas para serem usadas. Nos dois casos, o homem nunca precisou dar prazer a nenhuma delas.

O papel das prostitutas sempre foi servir para os meninos comprovarem virilidade; para os velhos testarem a sua potência sexual; para os homens casados dar asas às fantasias que “não podiam” realizar com as mulheres que escolheram para serem mães de seus filhos. Afinal, a boca que beija os filhos não pode ser profanada.

A realidade da prostituição continua ignorada, mas não pode ser vista por um viés moralista e ingênuo. Há toda uma existência além de sua atividade profissional, que é só uma faceta de suas vidas. Elas têm família, parentes, namorado, marido, filhos, mas são percebidas somente sob a ótica policial ou médica. Não se sai do dualismo de saúde pública ou da ordem pública. Ou são lembradas na hora de estabelecer programas contra doenças sexualmente transmissíveis, ou são alvo da repressão policial que, para preservar a moral, as afastam das famílias “de bem” e as confinando em bairros específicos.

Por ser uma profissão tão estigmatizada, o ingresso sempre foi justificado como “necessidade econômica”. Mas, seu exercício não significa falta de retidão moral, impossibilidade de mantença de vínculos afetivos e nem impede a mulher de ter uma vida respeitável.

O fato é que elas não podem ser vitimizadas por exerceram uma profissão voltada ao prazer. Precisam de organização e ativismo, apesar da animosidade das especificações profissionais (call girls, prostitutas em boates, acompanhantes, casas de massagens, nas ruas) e seus motivos (algumas trabalham para sobreviver, criar filhos, outras, para melhorar a condição de vida e viajar, ter casa própria, carro, joias etc).

As mulheres, todas elas, precisam ser autoras do seu destino, senhoras da sua história. Nem Amélias, nem Genis: nem mulheres de verdade e nem boas de cuspir.

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