Não é apenas por 1,5%

Por Ramiro Furquim/Sul21Emenda 1 ao Plano Municipal de Cultura

Não tem explicação a manutenção pelos vereadores da Câmara Municipal do veto do Prefeito Municipal de Porto Alegre, José Fortunati, à Emenda 1 ao Plano Municipal de Cultura. Mesmo que fosse inconstitucional, Fortunati tinha o dever moral de aprovar a Emenda,e os vereadores, de derrubar o veto, por se tratar de uma reivindicação histórica da comunidade cultural. Não o fizeram e com isso, Fortunati e os vereadores da base revelam sua visão de politica cultural para a cidade que não deve ser esquecida pelos atores da área nas próximas eleições.  Porque não se tratava do Legislador invadir prerrogativas do Prefeito, argumento que dissimula a defesa da política real de redução de recursos da área cultural reproduzida mais uma vez pelo governos, se tratava de fazer justiça. A área é importante, recebe uma míseria e precisa de recursos. Que dizia a Emenda 1? Que o Prefeito se comprometia no prazo de cinco anos a ampliar os recursos para a cultura em até 1,5% do orçamento e no prazo de 10 anos para 3%. O Prefeito vetou . Sério. Vetou uma miséria de recursos para a área cultural. Não tem explicação. Ou tem?

A área cultural não é uma das áreas menos privilegiadas em recursos – é a área menos privilegiada. Governantes acham que cultura é um supérfluo investimento de estado. Desde a época que Pilla Vares foi Secretário Municipal de Cultura, a área vem recebendo os menores valores do orçamento da cidade. E desde aquela época, as demandas culturais, o número de atores deste campo e a necessidade de investimento só se fez aumentar.

A Emenda foi proposta pela vereadora Sofia Cavedon, do Partido dos Trabalhadores, uma dos raros quadros que ainda mantém o DNA do partido. Professora, sua atuação no magistério não tardou a leva-la também para o campo cultural. Quando foi Presidente do Legislativo, dinamizou o uso do Teatro Glênio Peres, profissionalizando sua ocupação, com equipe própria e programação renovada. Sem contar os grandes seminários internacionais com Slavoj Zizek e David Havey que mostraram que o legislativo pode ser a Casa dos Grandes Debates, como é a Assembleia Legislativa.Gestão que ficou na memória.  Hoje, o atual Presidente do Legislativo, Mauro Pinheiro , também do PT, sequer dá uma atenção especial a cultura.  Sua gestão é responsável pela  interrupção do Edital de Ocupação do Teatro Glênio Peres. Sofia e alguns vereadores  ligam para a cultura, já Fortunati e sua base, defendem a mesma mentalidade: cultura para quê?

Eu respondo. Políticas culturais são responsáveis pela preservação da memória de um lugar, pela formação de novas gerações e pela possibilidade de transformar a cultura local em valor. Porto Alegre detém a maior malha de instituições culturais do Estado e inúmeras são municipais: são museus, arquivos , instituições de arte, teatros e outros espaços que dão vitalidade a criatividade do lugar.Elas oferecem uma contribuição inestimável a rede de ensino e são uma motivação para os cidadãos.

margsPolíticas culturais

A cultura faz o elo dos cidadãos a cidade. O país sabe que Porto Alegre é uma cidade cultural porque aqui nasceu Elis, Lupicinio e hoje tem  Nei Lisboa, Terreira da Tribo e tantos outros artistas, pintores, escultores e músicos responsáveis por expressarem nossa cultura local. E a cultura é o elo, o cimento de seus cidadãos. Pois a vitalidade de uma cidade passa por seus museus, por seus teatros, por seus bares, lugares de expressão de nossa sociabilidade de base e criação de sentidos de ser e pertencer à capital. É por isso que para os portoalegrenses que vivem em outras cidades, a principal reclamação é a saudade. É na capital que sentem mais vivos, mais criativos.

Criatividade, como se sabe, é artigo de luxo. Grupos de teatro, músicos, artistas de rua, pintores, escultores, fotógrafos e todos os atores da cultura produzem e garantem identidade do lugar graças as politicas culturais. E elas precisam de investimento público para manutenção dos espaços culturais, incentivos a novos grupos, pagamentos de projetos populares de cultura e remuneração de serviços prestados, como nas politicas de descentralização responsáveis pelo  incremento de políticas culturais nos bairros, principalmente quando ligadas à escola. Faze-se hoje muito com quase nada: faria-se muito mais com 1,5%.Imagina com 3%, poderia-se transformar Porto Alegre na Capital da Cultura. Mas o Prefeito não pensa grande, pensa pequeno e como diria o vice-prefeito Sebastião Melo “quem pensa pequeno fica pequeno”. Fortunati deveria dar mais ouvidos a seu vice.

Mas observemos com atenção: estamos brigando e perdendo uma luta por 1,5% do orçamento público para a área cultural. Um-e-meio-porcento?.O que isto significa? Em realidade, não é apenas 1,5%, mas o que sua recusa representa.  Em primeiro lugar, significa o atraso político das políticas do Prefeito José Fortunati em relação à própria história administrativa do município.  Por diversas administrações, sempre foi o consenso dos Secretários Municipais de Cultura a necessidade de ampliar os recursos da área cultural. Quando os governantes assumem a Prefeitura, já sabem da reivindicação do setor. Portanto, tem tempo hábil para considerar como necessidade orçamentária a ampliação dos recursos.  Se não o fazem é porque não querem fazer, quer dizer, tem uma visão da cultural. O contraditório é que enquanto no campo do discurso os governantes dizem valorizar a área cultural, na prática, continuam com o mesmo conceito conservador que diz que para a cultura, nada.

teatro-1Trabalho imaterial

Mas há um notável equivoco nesta posição que leva diretamente ao segundo ponto.  A cultura e suas manifestações é  o ponto central daquilo que autores como André Gorz denominaram de “trabalho imaterial”. Hoje, a base do trabalho não  é mais a produção de mercadorias, mas a produção de ideias. Softwares, mas também  outras inúmeras formas de trabalho usam o trabalho intelectual para produzir capital. É o caso dos trabalhadores da cultura. Produzir arte, produzir teatro, produzir sensibilidades, também fazem parte do trabalho imaterial da cidade. Ora, esquecem os governantes  que uma das áreas de grande projeção para produção de riqueza para uma cidade é o turismo. E ele é basicamente cultural. Sem teatros, exposições, mostras, atividades diversas, uma cidade perde sua alma. E perde dinheiro com isso – para usar o único argumento que parece ser sedutor para nossos go vernantes –  isto não é o mais importante, mas os governantes pensam que é  – e perde capacidade de gerar riqueza. Então, a posição de Fortunati vai na contramão das novas interpretações de valorização do trabalho e criação de riqueza. Prefeitos deveriam estimular  o crescimento econômico. Fortunati faz o contrário.

A vitória de Fortunati em manter seus vetos significou que o Prefeito retomou o poder sobre sua base de governo. Disciplinada e orientada, cada vereador que votou pela manutenção do veto afirmou sua submissão a vontade do prefeito e passou para a sociedade a mensagem de que não é mais capaz de guiar seu voto por suas convicções pessoais ou pelas demandas populares.È chegada a geração de “vereadores-dóceis” como eram os chamados “corpos dóceis” definidos por Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir, totalmente sem vontade, submetidos ao poder maior – no caso, do Prefeito e sem nenhuma capacidade de orientação pela própria vontade – como se fossem presos. E de fato estão. É o caso dos votos com o governo de vereadores como Tarcisio Flecha Negra, conhecido pela defesa do Museu do Negro de Porto Alegre, e portanto, um ativista da cultura. Sua submissão a vontade do Prefeito contrasta com a atitude de vereadores como Sofia Cavedon e outros, que mantiveram a coerência, votando pela derrubada. Sofia Cavedon perde a emenda mas destaca-se como liderança na área cultural e José Fortunati, de agora para frente, terá de responder a comunidade cultural porque não foi capaz de destinar um mínimo de recursos para uma área tão importante. Ao  Secretario Municipal da Cultura, resta a responsabilidade de, em 2016, retomar a iniciativa e propor no orçamento de sua secretaria o aumento de recursos do setor negado pelo Prefeito. E a comunidade cultural, em 2016, pressionar junto à Secretaria competente, a construção de um orçamento para a cultura em novos patamares. A luta dos atores do campo da cultura continua.

downloadJorge Barcellos  é Articulista do Estado de Direito – Historiador, Mestre e Doutor em Educação, autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014).
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