Mulheres Policiais e Violência Psicológica: Reflexos para a Segurança Pública

Coluna Assédio Moral no Trabalho

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

“Palavras de um superior hierárquico: ‘Mulher policial, ou é piranha ou é sapatão’”. (Inspetora de Polícia, RJ)

Pode-se afirmar que, os Assédios Moral e Sexual fazem parte da rotina das policiais femininas nas instituições de Segurança Pública, espaço público predominantemente hierarquizado e masculinizado, desprovido de uma Política Pública reservada aos Direitos Humanos das Mulheres Policiais.

Em primeiro, recorde-se a definição de Assédio Moral de Heinz Leymann, pioneiro nestes estudos na década de oitenta, mais especificamente o termo Mobbing, que pode ser conceituado resumidamente como um terror psicológico na vida profissional dirigido de forma sistemática por uma pessoa em face da vítima, acarretando miséria psíquica, psicossomática e social.

Já no que tange ao Assédio Sexual consiste a figura num violento comportamento para obtenção de propósitos sexuais, ainda que inserido no contexto de relação laboral, aliás, única forma a ser tipificada penalmente, provocando na vítima uma situação gravemente intimidatória e humilhante, restando evidenciado futuro mal nas expectativas trabalhistas em caso de recusa (art. 216-A do CP). Aliás, o Assédio Sexual traduzir-se-ia como uma das formas do Assédio Moral, compondo e agravando o problema.

In casu, a percepção deste complexo fenômeno – o Assédio Moral e Sexual cujas vítimas sejam mulheres policiais – perpassa por um histórico estudo institucional.

O ingresso de mulheres nas Instituições de Segurança Pública no Brasil é recente. Tem-se como marco a criação de um Corpo Feminino na Guarda Civil do Estado de São Paulo, em 1955. Após, nos anos 1970, esse grupo foi integrado à recém-formada Polícia Militar do Estado de São Paulo. Na mesma época, Polícias Militares de outras unidades da federação principiaram a incorporar mulheres aos seus quadros de pessoal, de maneira unificada aos quadros masculinos ou não. A ampliação dar-se-á principalmente com a promulgação da Constituição Federal, em face da introdução dos princípios de respeito aos direitos humanos em um modelo de segurança cidadã. Os cargos mais altos de instituições de segurança pública em diversos estados brasileiros, contudo, somente principiaram a ser acessados pelas mulheres, a partir da primeira década do século XXI.

Interessante que, esse ingresso põe-se sob um prisma biológico, segundo o qual as mulheres são menos violentas por “natureza”.

Destarte, como conciliar o impelido ingresso destas mulheres nas instituições de Segurança Pública em razão de suas qualidades inatas se o que se busca é exatamente um perfil viril?

E, que repercussões isto acarreta no trato destas mulheres no interior nas instituições de Segurança Pública, universo eminentemente masculino?

Por final, como a Segurança Pública pode ser dignamente prestada por uma policial que tem seus próprios direitos da personalidade aviltados? Quais as repercussões deste tratamento humilhante no dia-a-dia da atividade policial?

Em realidade, não houve concomitante política institucional a proceder o reconhecimento da contribuição profissional destas. A ausência de uma transversalização de gênero é notada desde uma perspectiva material, que despreza a aquisição de equipamentos de proteção individual ergonomicamente adaptado, que desatende a importância de creches e áreas para amamentação ou instalações adaptadas para o uso feminino – como alojamentos e banheiros até a tolerância às piadinhas, ao costumeiro exercício de função secretarial, culminando com o assédio.

Caminhando, o cenário que envolve mulheres policiais é distinto – policiais civis, peritas, militares e bombeiras militares: quando as relações hierárquicas são mais densas, maiores as experiências de assédio, tendo maior incidência pois, entre as policiais militares.

Ademais, há interessante preponderância do Assédio Moral em relação ao Sexual, dado que corroboraria a conexão entre poder/dominação e assédio, que inclusive supera as relações de gênero.

A pressão do adestramento é tal que, muitas vezes, as próprias mulheres introjetam os preconceitos e assumem características masculinas, esquecendo-se que se cuida de um padrão institucional refratário aos Direitos Humanos.

E, a inexistência de políticas institucionais agrava a quadra das vítimas que buscam por soluções individuais, tendo os danos à saúde ou mesmo suicídios, vistos como questões particulares.

Como solução, indispensável promover-se a transversalização de gênero nas políticas institucionais, isto é, pensar e formular e desenvolver políticas públicas de gênero.

Também, o debate sobre a criminalização do Assédio Moral, mormente em sede militar é cogente.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Conclusão

A literatura voltada às policiais femininas é incipiente, não se volvendo para nada além de uma quantificação do segmento no interior das instituições de Segurança Pública. E, certamente, tal insuficiência acadêmica reflete nos contornos da ação policial em sociedade, nas respostas da Segurança Pública e inda, da Justiça Criminal.

A conscientização figura como instrumento poderoso proibitivo de comportamentos humilhantes que adoecem não apenas a vítima como igualmente a comunidade. Cogente é compreender a cultura organizacional da Polícia, desde as cerradas relações hierárquicas até as características masculinas. As relações de poder, inclusive de gênero, influenciarão sobremaneira a tolerância ou não ao Assédio. Estas instituições resistem às mulheres em seus quadros. E, pois, não se preocupam em unificar uma política pública de inserção.

Corajoso debate inclusive com o fim de recomposição das relações de poder é inelutável, perpassando obviamente pela questão da estrutura da Segurança Pública. (1) (2)

Referências

(1) Excertos de palestra proferida no I Congresso de Pesquisa em Ciências Criminais promovido pelo IBCCRIM em São Paulo, no Hotel Tivoli São Paulo Mofarrej, no último dia 01 de setembro de 2017: “Políticas públicas de combate ao assédio moral e ao assédio sexual das policiais femininas nas instituições de segurança pública”. Conferir ainda, pauta do Jornal da USP de 29 de agosto de 2017. Disponível em: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/mulheres-policiais-convivem-com-estresse-e-assedio/. Acesso em: 01 set 2017.

(2) BRASIL. Ministério da Justiça e Cidadania. Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Mulheres nas instituições de segurança pública: estudo técnico nacional/Secretaria Nacional de Segurança Pública. – Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), 2013.

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

Comentários

  • (will not be published)