A MP 680 institui o que denomina “Programa de Proteção ao Emprego”, mas em realidade reproduz uma tática extremamente antiga do capital, traduzida por Marx no seguinte trecho de seus Manuscritos: “se a riqueza da sociedade estiver em declínio, então o trabalhador sofre ao máximo, pois: ainda que a classe trabalhadora não possa ganhar tanto quanto a classe dos proprietários na situação próspera da sociedade, nenhuma sofre tão cruelmente com o seu declínio como a classe dos trabalhadores”.
Em reportagem televisiva recente, empregados foram entrevistados para dizer o quanto sentiam-se felizes por estarem em “lay off”, pois pelo menos não haviam sido “desligados”. A perversão do capital atinge requintes de crueldade neste triste ano de 2015. Imputa-se ao explorado a responsabilidade por sua própria exploração, exigindo-lhe sacrifícios que permitam prosseguir em sua condição de sujeição. Ao mesmo tempo, exalta-se a sua capacidade de adaptação e o trabalhador, em verdadeiro surto semelhante à chamada Síndrome de Estocolmo, agradece comovido ao Estado e ao empregador, que lhe garantem, como agentes simbióticos de reprodução dessa lógica perversa, a possibilidade de continuar sendo (cada vez mais) usurpado em seus direitos básicos.
E o que é pior: tudo isso, sob a pretensa justificativa de proteger o emprego. Em realidade, a MP 680 autoriza redução de jornada com redução de salário e repassa ao Estado (esse Estado sem dinheiro para pagar seus servidores, sem dinheiro para a saúde, sem dinheiro para a educação) a conta dos empresários. Os trabalhadores, cuja jornada e o salário forem reduzidos em razão da crise (que, diga-se de passagem, é estrutural e, portanto, insuscetível de ser eliminada), receberão uma complementação de renda versada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador. A realidade, portanto, é que a MP 680 não protege o emprego, nem tampouco o empregado. Protege o empregador. Daí a verdade que se expressa, em meio a tantas mentiras, no item II do artigo 1º dessa odiosa MP: “favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas”. Esse é o verdadeiro objetivo da medida, como se já não houvesse saídas mais do que suficientes e abusivas para favorecer a recuperação das empresas e, como brinde, o descumprimento dos direitos fundamentais trabalhistas. Basta ver o que se tem feito com a lei de recuperação judicial, autorizando-se a prorrogação do prazo (improrrogável) de 180 dias para a execução do plano de recuperação, permitindo com isso – nas hipóteses de inércia do judiciário trabalhista – que demandas cobrando salários não pagos sejam arrastadas por meses ou anos, sem qualquer solução.
Na linha do que afirma Souto Maior em artigo publicado ontem, é urgente dizer não à naturalização da precarização imposta por medidas flexibilizadoras como essa traduzida na MP 680, retomando os (esquecidos) parâmetros constitucionais e exigindo do Estado e dos empresários o respeito aos direitos fundamentais trabalhistas.
Valdete Souto Severo – Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia de Roma – UER (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai. Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC do RS. Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.