A Aplicação da Mediação na Tutela de Falência e na Recuperação de Empresas

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  1. Introdução 

Entrou em vigor no Brasil logo após o Natal a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015), que regulamenta o uso de método alternativo de solução de conflitos como uma ferramenta à disposição do Poder Judiciário e da sociedade para reduzir o número de processos judiciais.

A questão que se coloca é a seguinte: a referida lei deve ser aplicada aos processos de falência e de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005)?

O objetivo do texto é realizar um estudo do tema propostos, com a finalidade de colaborar na análise conjunta das duas normas apontadas.

O texto comporta a seguinte divisão: a Mediação na perspectiva legal: o seu esboço; a amplitude da configuração da falência e da recuperação de empresas; a aplicação ou não da Lei de Mediação nos institutos da falência e da recuperação de empresas e; a conclusão.

 

  1. A Mediação na perspectiva legal: o seu esboço

A mediação poderá ser extrajudicial ou judicial, em centros mantidos pelos próprios tribunais. As partes podem recorrer a esta forma de solução de conflito, mesmo já havendo processo em andamento na Justiça ou em âmbito arbitral, caso em que será suspensa a tramitação do processo, por prazo suficiente para a resolução consensual.

A Lei nº 13.140/2015 dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Assim, a norma permite o uso da mediação para solucionar conflitos entre órgãos da administração pública ou entre a administração pública e particulares ou mesmo entre particulares.

São três os tipos de mediação: a facilitadora, a avaliadora e a transformadora.

mediadorNa primeira, uma pessoa neutra é chamada para aproximar as duas partes do conflito até que estas cheguem a um acordo. O mediador não pode manifestar opinião, influência ou ordem.

Na mediação avaliadora, o terceiro expressa suas opiniões sobre o caso. Estas podem ou não ser acatadas pelas partes. Apesar de levar o nome de mediação esta forma nada mais é do que uma forma de conciliação. Fazendo uso de sua experiência, um mediador especializado é capaz de oferecer uma solução pacífica e amigável às partes. Para tanto, procura mostrar a elas os pontos da questão deixados de lado, seja pela carga emotiva característica de situações de conflitos, seja por desatenção. Esse processo pode ser o suficiente para solucionar o problema entre as partes, descartando, então, os transtornos provocados pela via judicial.

A mediação transformadora é compreendida por Luís Alberto Warat como:

“Uma forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos; uma forma na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. A mediação é uma forma alternativa (com o outro) de resolução de conflitos jurídicos, sem que exista a preocupação de dividir a justiça ou de ajustar o acordo às disposições do direito positivo.” (WARAT, 1998, p. 05)

Conforme o modelo de mediação transformadora, as decisões tomadas sobre situações litigiosas não devem decorrer da intervenção de terceiros que decidem em nome dos que são afetados pelo conflito e nem mesmo devem implicar uma decisão jurídica, nos moldes tradicionais, mas constituir uma possibilidade de equacionamento da controvérsia oriunda da elaboração por parte dos próprios envolvidos na pendência.

Segundo Rosamaria Giatti Carn (apud AQUINO, 2007):

“A mediação transformadora se apresenta, então, como um processo psíquico de reconstrução simbólica do conflito, no qual é reconstruído simbolicamente pelos envolvidos e é essa reconstrução que permitir o seu equacionamento e, também, a construção da autonomia daqueles que o reconstroem”.

É claro que os ditames normativos vigentes são observados, mas não de forma primordial e reducionista, posto que o mais importante é a participação dos envolvidos no equacionamento da pendência. Logo, quando se resolve um conflito

“É porque os interessados envolvidos puderam reconstruí-lo simbolicamente, conseguiram transformá-lo por tê-lo interpretado na reconstrução.” (WARAT, 1998, p. 10)

Lei de mediação

Mas, a Lei de Mediação para evitar qualquer questionamento, disciplinou a mediação como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder
decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”, sendo de caráter facultativo para as partes participar, mas de postulação obrigatória por parte do Advogado, em caso de demanda judicial.

Isto ocorre porque o Código de Ética do Advogado determina como dever de “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, VI – Resolução nº. 02/2015 do Conselho da Ordem dos Advogados).

Da mesma forma, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2005) no art. 319 combinado com o art. 334, §§4º estimula que seja efetuado o pedido de mediação na própria inicial, caso haja omissão na petição inicial quanto ao pedido de mediação, o juiz deve determinar a sua ocorrência, visto que se o autor foi omisso nesse pedido, acabou por consentir a sua realização, “quem cala consente”.

Sendo a mediação uma atividade técnica, exercida por terceiro imparcial, indaga-se qual seria o objeto da norma? Segundo o art. 3º da Lei de Mediação pode ser objeto de composição pela mediação “o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”.

 

  1. A amplitude da configuração da falência e da recuperação de empresas

Na Lei nº 11.101/2005 existem normas de fundo e de forma, destinadas a protegerem não só o interesse particular, mas também o interesse público.

Na falência as regras de fundo são aquelas que estabelecem os efeitos da falência quanto aos bens do devedor, direitos dos credores, situação jurídica do falido, resolução dos contratos, indicação dos atos ineficazes da falência, os privilégios creditórios entre outros, e

“São estas normas que presidem ao nascimento de direitos e obrigações, que o estado jurídico da falência provoca.” (VALVERDE, 2000, p. 15)

É importante, ressaltar ainda que a falência oferece aos “credores valiosa defesa coletiva no desastre econômico  do devedor comum, impedindo preferências injustas, abusos e fraudes, proporciona o expediente honesto para o devedor demonstrar a sua lisura no infortuito, observando a par conditio creditorium, e promover a sua liberação” (MENDONÇA, 2002, p. 24).

Compreendendo a falência dentro de um prisma moderno pode se afirmar que pelo prisma da sentença que determina a falência do sujeito empresário, se pode afirmar que se trata de uma tutela judicial sincrética coletiva, pois inicialmente há uma tutela de conhecimento e depois da decisão há automaticamente a liquidação do ativo do empresário para o pagamento de todos os seus credores. Assim, antes da decisão que determina a falência estamos perante a tutela cognitiva e só depois virá automaticamente a tutela executiva.

recuperação de empresas

No caso da recuperação de empresas há dúvidas quanto a sua natureza, visto que para alguns se trata de um contrato e para outros uma ação, mas independentemente da sua natureza, a finalidade é a remoção das causas da crise econômica-financeira da empresa, para que possa resolver satisfatoriamente seus débitos, sem liquidar-se (FAZZIO JUNIOR, 2012, p. 627). A recuperação de empresas corresponde a um somatório de providências de ordens econômicas, financeiras, organizacionais, produtivas e jurídicas,

“Por meio das quais a capacidade produtiva de empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade auto-sustentável, superando com isso, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra seu titular – o empresário -, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a compensação dos interesses dos credores”. (CAMPINHO, 2009, p. 10)

Desta forma, a recuperação de empresa tem como finalidade profícua a aprovação por parte do devedor e seus credores de uma proposta destinada a viabilizar a empresa por aquele até então realizada, que poderá ocorrer de forma judicial ou extrajudicial. Na judicial o devedor requer ao juízo o pedido de recuperação, se deferido abre-se o prazo para apresentação do plano de recuperação que deverá ser aprovado pelos credores e deferimento do juízo e na extrajudicial o devedor em conjunto com os credores apresentam o plano já formalizado ao juízo para apenas ocorrer a sua homologação.

De Grosso modo, o plano de recuperação das empresas, está previsto na referida Lei, trazendo enormes vantagens aos empresários, na medida em que preserva o nome e a imagem das empresas e oferece maior garantia aos credores. Isso porque, a apresentação de proposta de plano de recuperação não caracteriza ato de falência e pode ser autorizado judicialmente (AQUINO, 2012).

 

  1. A aplicação ou não da Lei de Mediação nos Institutos da Falência e da Recuperação de Empresas

A questão que hora se aponta é a seguinte: a Lei de Mediação deve ter aplicação nos processo de falência e de recuperação de empresas?

Os direitos existentes na Lei de Falência e de Recuperação de Empresas inicialmente são disponíveis e transacionáveis.

Tanto é verdade que a Lei exclui de forma clara os sujeitos que não estão subordinados a referida legislação afirmando no art. 2º que a referida lei não se aplica aos seguintes sujeitos:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Da mesma forma que exclui a competência do juízo falimentar acerca dos seguintes direitos em relação ao processo de falência:

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo.

falência

O juízo da recuperação judicial e da falência é uno, indivisível e universal e sendo assim, é competente para o exercício da jurisdição sobre todas as demandas relacionadas a bens, aos interesses e aos negócios do devedor, com exceção das reclamações trabalhistas e fiscais, das ações propostas contra o devedor que demandarem quantia ilíquida, assim como das que contarem com o devedor no polo ativo da demanda.

Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º  do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial (art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005).

Fabio Ulhoa Coelho

Fábio Ulhoa Coelho

Fábio Ulhoa Coelho, ao apresentar que o juízo da falência é universal, afirmar “que todas as ações referentes aos bens, interesses e negócios da massa falida serão processadas e julgadas pelo juízo perante o qual tramita o processo de execução concursal por falência”. É o referido princídio da vis atrattivis do juízo falimentar, ao qual conferiu à lei a competência para conhecer e julgar todas as medidas judiciais de conteúdo patrimonial referentes ao falido ou à massa falida, exceto as referidas pela Lei (2014, p. 201).

O Projeto de Lei Projeto de Lei do Senado nº 517, de 2011 não estabelecia qualquer vedação a aplicação da mediação nos processos de recuperação de empresas e falência, no entanto, Emenda nº 1 – CCJ (Substitutivo) propôs a inclusão da proibição expressa da mediação nos processos de recuperação de empresas e falência, em seu art. 3º, § 3º, mas a proibição expressa não foi admitida pelo Senado em seu texto final.

 

  1. As questões incidentais na Lei de Recuperação de Empresas e de Falência

É certo que os procedimentos de habilitação retardatária e a ação de revogatória em boa parte deles são demorados e lentos, pois envolvem produção de provas, fora a possibilidade de recursos e, não rara as vezes, o processo de falência e de recuperação terminam, mas ainda, estão pendentes tais ações.

Em ambas as situações estamos perante questões de direitos creditórios, de origem diversas, mas em boa parte transacionáveis.

 

  1. Considerações Finais

A Lei de Mediação por ser Lei especial e posterior a Lei de Falência e Recuperação de Empresas é perfeitamente aplicável ao caso, visto que ambas tem a finalidade social. É claro que a finalidade social da Mediação é a composição interparte do litígio enquanto na Lei nº 11.101/05 é manutenção da empresa, de forma a preservar a fonte produtora, o emprego e a compensação dos interesses dos credores.

Mas, ainda, há questões que pondero importantes e abro para no futuro respondê-las:

Uma vez admitida a Mediação no processo de recuperação de empresas em que momento ela deve ocorrer? Quem deve participar: todos os credores?

 

Referências:

AQUINO, Leonardo Gomes de. A possibilidade do uso da arbitragem na recuperação extrajudicial. In: ÂmbitoJurídico, Rio Grande, XV, n. 105, out 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12336&revista_caderno=8>. Acesso em jan 2016.

Aquino, Leonardo Gomes de. O procedimento das soluções de conflito através da mediação. Revista do Curso de Direito. Faculdade Projeção, ano 2, nº. 3º, agosto/dezembro, 2007, p. 9-18.

CAMPINHO, Sergio. Falência e Recuepração de Empresa.O novo regime da insolvência empresarial.Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas.São Paulo: Saraiva, 2014.

FAZZIO JUNIOR. Waldo. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Atlas, 2012.

MENDONÇA, J. X. Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Atualizado por Ricardo Negrão. Campinas: Bookseller, 2002. V. VI.

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências: Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. Imprenta: Rio de Janeiro, Revista Forense, 2000.

WARAT, Luis Alberto. Em Nome do Acordo.A mediação no Direito. Buenos Aires: Angra Impresiones, 1998.

 

Leonardo Gomes de AquinoLeonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do
Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.
Email: LGOMESA@IG.COM.BR

 

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