Efetividade da Lei nº 8.906/94: necessidade para além do que se vê nos livros

 Coluna Instante Jurídico

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Encontro Nacional dos Advogados do Sertão

Fonte: OAB

Segundo Encontro Nacional dos Advogados do Sertão

Nos últimos dias, a seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil noticiou em seu site que durante a conferência de abertura do Segundo Encontro Nacional dos Advogados do Sertão, o então presidente da categoria, Luiz Viana Queiroz, criticou o atual estado das condições para a advocacia brasileira.

Em complemento, a reportagem dizia que o presidente da OAB-BA, ao fazer uma ligação entre as atuais condições de trabalho impostas aos advogados com as recentes posturas adotadas pelo Estado brasileiro diante dessas circunstâncias, chegou à conclusão de que advogar no Brasil está ficando cada vez mais difícil, cotejando a situação ao próprio inferno.[1]

Como é possível perceber, tal afirmação reacende uma discussão, deveras, preocupante, notadamente, o contínuo desrespeito às prerrogativas estabelecidas pela Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Como é cediço, o referido dispositivo refere-se a uma lei ordinária federal oponível erga omnes, aprovada com o fim de dar eficácia a várias das disposições previstas na Constituição. Entretanto, passados vinte e dois anos do ingresso do Estatuto da Advocacia no ordenamento jurídico, ainda é possível deparar-se com notícias sobre violações dos direitos dos advogados (tome-se como exemplo aquelas situações em que o profissional é impedido de ingressar livremente em secretarias, salas e dependências de audiências dentro do horário de expediente ou mesmo deixar de ser atendido por servidores ou magistrados nos respectivos locais de trabalho, também nesses horários).

Diante dessas considerações, a pergunta que ora se decanta é: afinal, por que essas situações continuam a acontecer?

De início, é preciso registrar que o caminho para essa resposta não se encontra nos livros ou nos manuais jurídicos a que muitos já estão acostumados. Em verdade, a explicação pode ser extraída a partir de uma outra vertente, especificadamente, de um rol exemplificativo de hipóteses, como as descritas a seguir:

 

 a)    Deslembrança das prerrogativas por parte dos próprios advogados

Pode até parecer difícil de crer, mas, eventualmente, até os advogados mais experientes acabam se esquecendo de algumas das prerrogativas previstas nos artigos 6º e 7º da Lei 8.906/94. A esse respeito, é preciso dizer que essa é umaocorrência rara – sobretudo porque o bacharel demonstrou ter conhecimento das mesmas quando da aprovação no exame da OAB – que surge, fortuitamente, em situações conflituosas associadas à profissão (uma acalorada discussão durante a realização de uma audiência, por exemplo).

 Mas não é apenas isso…

exame da OAB

Fonte: OAB CE

 b)    Receio de represálias no exercício da profissão

Em verdade, essa não deveria ser uma preocupação em países de cariz democrático como o Brasil. Entretanto, a realidade que permeia o imaginário de alguns profissionais assume um caráter dessemelhante, sobretudo para aqueles que atuam em comarcas pequenas ou muito distantes.

Essa, aliás, talvez seja a prova de que ainda vivemos num tipo de modernidade tardia. Digo isso porque apesar dos avanços ocorridos no campo jurídico-político a partir da segunda metade do século XIX, continuamos reféns de uma cultura proveniente de uma estrutura cujos resquícios já deveriam ter sido plenamente erradicados do país (Estado de modelo patrimonialista no conteúdo e estamental na forma)[2].

Raymundo Faoro, inclusive, retratou essa contingência em seu Os Donos do Poder[3], ao explicar como as “novas categorias foram utilizadas para a compreensão do velho modelo de dominação política que havia se estabelecido no Brasil.”[4]

Os efeitos dessa ocorrência, na militância da advocacia, por exemplo, fez com que alguns profissionais passassem a se relacionar com os demais colaboradores processuais com certa subserviência, dada a preocupação com represálias ou reprimendas durante o exercício profissional.

Eis, então, o busílis da questão.

c)     Resistência quanto ao reconhecimento da normatividade da Lei nº 8.906/94 por parte de algumas Instituições       

Se nos permitíssemos fazer um paralelo entre a ordem jurídica atual e uma outra vivenciada num passado não muito distante, conseguiríamos observar algumas circunstâncias bastante semelhantes, dentre elas, o problema envolvendo o isolamento entre a realidade e a norma jurídica.

Isso se justifica porque, desde eras priscas, algumas Instituições acabam sendo expostas à fatores que condicionam suas atividades, o que resulta numa diminuição da força ativa prevista na lei e dos efeitos decorrentes de sua aplicabilidade.

Nessa trilha, podemos deduzir que o problema envolvendo as contínuas violações aos direitos dos advogados não está necessariamente associada a uma questão de Direito, mas na dificuldade que se tem em reconhecer a normatividade em favor da realidade por eles vivida.

Essa, aliás, é uma situação lamentável, pois se as leis são criadas pensando no ser, não há nada que justifique comportamentos aquém ou além do que de fato é determinado pelo direito positivado. Nesses termos, é possível perceber que o imaginário jurídico contemporâneo ainda é influenciado por alguns dos paradigmas filosóficos do passado (Metafísica Clássica e Filosofia da Consciência), e isso representa riscos não só aos advogados, como também, ao atual contexto democrático.

Uma palavra final…

Por tudo que foi visto, é extremamente recomendável que os advogados, ao defenderem os interesses de seus clientes, saibam agir com serenidade, a fim de evitar excessos por parte do interlocutor ou qualquer outro descuido no cumprimento de dever previsto na legislação.

STF

Fonte: commons wikimedia

Aos que têm receio de represálias quando do exercício da profissão, um recado: O artigo 133 da atual Constituição diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”[5]

Não bastasse isso, o artigo 6º do Estatuto da Advocacia preleciona que não existe “hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”[6]

Diante do que aqui foi dito, é possível perceber que “a advocacia não é simplesmente uma profissão, é um Múnus Publicum (sic) com relevante função social e, embora o advogado não seja um agente estatal, compõe um dos elementos da administração democrática do poder judiciário”.[7]

Nesse sentido, tem-se que a preservação dos direitos conferidos aos advogados deve ser utilizada como ponta de lança na batalha contra a herança estamental por nós assumida. E é importante que as pessoas compreendam a dimensão dessa afirmação, sejam elas pertencentes aos quadros da OAB ou não, pois, só assim será possível dar eficácia às demais disposições previstas na Constituição.

Pensar em sentido contrário seria admitir que a Lei nº 8.906/94 teria apenas um caráter simbólico, como se fosse um amontoado de palavras escritas numa mera folha de papel[8].

Eu mesmo não estou disposto a reconhecer isso.

Você está?

Notas e referências bibliográficas:

[1] Para maiores detalhes conferir: <http://www.oab-ba.org.br/single-noticias/noticia/advogar-no-brasil-esta-cada-vez-mais-dificil-diz-presidente-da-oab-ba-na-abertura-de-encontro-do-sertao/?cHash=50ca3e6ab9aa6fab423155ad960a5638&utm_source=e-goi&utm_medium=email&utm_term=%22Advogar+no+Brasil+esta+cada+vez+mais+dificil%22%2C+diz+presidente+da+OAB-BA+na+abertura+de+encontro+do+Sertao&utm_campaign=OAB+Bahia>. Acesso em: 03 Jul. 2016.
[2] STRECK, Lenio Luiz. Senso incomum – Para além do jeitinho brasileiro de ser “doutor”. Revista digital consultor jurídico. Brasília, 14 jun. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jun-14/senso-incomum-alem-jeitinho-brasileiro-doutor>. Acesso em: Acesso em: 03 Jul. 2016.
[3] FAORO, Raymundo. Os donos do poder – Formação do Patronato Político Brasileiro. 5ª Ed. São Paulo: Globo Editora. 2012.
[4] STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., idem.
[5] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 03 Jul. 2016.
[6] BRASIL. Congresso Nacional. Estatuto da OAB. Lei n.º 8906 de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 jul. 1994.<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm>. Acesso em: 03 Jul. 2016.
[7] Cf., <http://oab-pi.jusbrasil.com.br/noticias/100573158/artigo-o-desrespeito-as-prerrogativas-legais-dos-advogados>. Acesso em: 03 Jul. 2016.
[8] LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

 

Raphael AlmeidaRaphael de Souza Almeida Santos é Articulista do Estado de Direito. Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras – Unidade Divinópolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Araras (UNAR/SP). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito e Literatura, do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Palestrante. Autor e colaborador de artigos e livros. Advogado inscrito na OAB/BA e OAB/MG.

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe