Limitação temporal do direito e das pretensões: segurança jurídica

Coluna Descortinando o Direito Empresarial

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“Homem algum é uma ilha completa em si mesma;

todo homem é um fragmento do continente, uma parte do oceano.

A morte de cada homem me enfraquece porque sou parte da humanidade;

assim, nunca perguntes por quem o sino dobra;

ele dobra por ti”.

(John Donne – século XVII, Meditação 17).

 

A importância da disciplina

A pacificação social é maior objetivo do direito e para ser alcançado o ordenamento jurídico deve procurar, na medida do possível, a disciplina das relações sociais, para que todos saibam ou tenham a expectativa de saber, como devem se portar para o atendimento das finalidades (negociais ou não) que pretendem atingir. Neste aspecto Ávila (2012:68) afirma que “pela ausência de inteligibilidade do ordenamento jurídico, não sabe o que é válido hoje (insegurança com relação ao direito presente); ele, pela falta de previsibilidade do ordenamento jurídico, igualmente não sabe o que será válido ou vinculante amanhã (insegurança com relação ao direito futuro), ele, pela carência de estabilidade do ordenamento jurídico continuará valendo hoje (insegurança com relação ao direito pretérito)”.

E esta insegurança jurídica decorre muitas das vezes das causas sociais que dizem respeito às características da sociedade atual, isto porque a sociedade é plural e de risco e onde o fator preponderante é a quantidade de informação e a existência de uma enorme diversidade de interesses (ÁVILA, 2012:47) e dentro desta concepção o Estado passou a regular as relações privadas, seja na forma horizontal (cooperação) e vertical (restrições). Dentro desta perspectiva o legislador procurar criar limites para a própria segurança jurídica, mas acaba por exceder na criação de normas, gerando uma insegurança legislativa. Esse excesso ocorre por causa da criação de inúmeras normas jurídicas, em razão da competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios, definida no art. 24, I Constituição Federal (regras e princípios), no aspecto quantitativo ou qualitativamente complexo, pois há normas gerais e permanentes, excepcionais, transitórias e de transição.

Aspectos qualitativo e quantitativo

No aspecto qualitativo há politeísmo (variedade) de valores com o fulcro de solucionar problemas técnicos e empíricos, refletindo nas “leis ônibus”, ou seja, uma única lei modifica diversos diplomas legais (ÁVILA, 2012:49).

Já o aspecto quantitativo decorre da necessidade do Estado Intervir nas relações sociais, motivado pela proteção individual nos casos em que os interesses sociais são assimétricos, como é no caso das relações trabalhistas, ambientais e consumeristas, ocasionando uma maior cooperação e coordenação com o Poder Estatal. O excesso de leis gera, na visão do autor, a fuga para o direito privado tornando o direito ainda mais fragmentado no seu estudo acarretando dois paradoxos. O primeiro torna o Estado o senhor de todo o poder, pois há necessidade de proteger o indivíduo e se eliminar os riscos para a sua segurança, tanto jurídica, quanto fiscal e social. Mas o exagero na formatação de regras e princípios (normas jurídicas) causando a liquidação da própria autonomia privada do individuo. Mas, por outro lado a falta de regulamentação ou o excesso de normas abertas (conceitos indeterminados) ocasiona incertezas e complexidades nas relações jurídicas. Desta forma, para agrupar o maior número de sujeitos protegidos o Estado tem usado a fórmula de legislar de maneira abstrata, ou seja, cria cláusulas abertas (normas gerais e abstratas) para aumentar a incidência de situações protegidas, mas ao mesmo tempo tem gerado uma maior vagueza e obscuridade (insegurança jurídica). Em suma, a busca pela segurança leva a insegurança, pois “quanto mais segurança por meio do direito se pretende garantir, menos segurança do Direito se pode conquistar” (ÁVILA, 2012:53). Podemos afirmar que a segurança deve ser protegida da própria segurança, visto que o excesso de segurança gera mais insegurança física (no tocante às pessoas), material (em relação aos bens) e jurídica (legislativa, regulatória ou judiciária). A ideia do excesso pode ocorrer por causas sociais, econômicas e/ou jurídicas, isto por que quanto maior os interesses envolvidos maiores o número de normas editadas.

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Excesso de informação

Por outro lado, o doutrinador, na tentativa de alcançar a segurança jurídica, passa a interpretar a norma, criando diversas doutrinas, o que acaba por gerar excesso de informação diversificada causada pela heterogeneidade de interesses e ponto de partida para a análise da segurança jurídica. Ocasionando novas teorias como a da Essencialidade (criação de regras mais detalhadas), teoria da proibição de insuficiência (o dever de criar normas mínimas para proteção dos direitos fundamentais), teoria da igualdade (o essencialmente diferente de possuir normas especificas) e a teoria do Estado social (o Estado é o garantidor da ordem social) (ÁVILA, 2012:65).

Diante da insegurança jurídica o judiciário é acionado para reconduzir a lide ao estado de segurança jurídica, mas a interpretação normativa envolve valoração e ponderações do julgador, e isto ocorre porque as normas jurídicas são compostas de regras (baixo grau de generalidade) e de princípios (possui alto grau de generalidade relativa) (ALEXY, 2011:88).

Nas palavras de Derzi (2009:213) a certeza relativa do sistema jurídico se presta a fornecer equilíbrio em um mundo instável, “tornando suportáveis horizontes temporais mais amplos, por meio de criação de uma previsibilidade que reduza e torne suportável o alto grau de insegurança, ínsito às sociedades diferenciadas”. E neste aspecto afirma (ÁVILA, 2012:79) “a segurança é a síntese dos estados ideais de cognoscibilidade, de confiabilidade de calculabilidade normativas, alcançadas por meio de instrumentos garantidores de acessibilidade, de abrangência, de inteligibilidade, de estabilidade, de continuidade, de anterioridade e de vinculatividade do ordenamento jurídico”.

Segundo Torres (2012:308) “a estabilidade, a calculabilidade ou a previsibilidade do direito integram a segurança jurídica na ordem temporal, pela previsão expressa das garantias de não surpresa e de vedação de regulação ex post facto; além do respeito aos direitos adquiridos, à autoridade da coisa julgada, enquanto da preservação da regra patere legem quam ipse fecisti, segundo a qual a autoridade deve suportar e respeitar a regra editada, ademais de determinação clara e objetiva sobre os prazos de prescrição e decadência”.

Estabilidade temporal

O exercício de direitos seja no campo material, seja no campo processual, deve ser uma consequência e garantia de uma consciência de cidadania, e não uma ameaça eterna contra sujeitos obrigados, que não devem estar submetidos indefinidamente a insegurança jurídica de direitos que não se extinguem com o passar do tempo. Mas isto não significa que o tempo seja o único fator para a extinção do direito, exemplo disto é o direito de propriedade, onde o transcorrer do tempo apenas não acarreta a destruição do direito, visto que neste caso pode se perder a propriedade pela usucapião (posse qualificada mais transcorre do tempo).

Ademais, a existência de prazo para o exercício de direito e pretensões é uma forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles titulares que se mantêm inertes, pois o direito não socorre quem dorme (dormientibus non sucurrit jus). Afinal, quem não tem a dignidade de lutar por seus direitos dentro de uma temporalidade legal não deve sequer merecer a sua tutela.

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A função da estabilidade temporal sistêmica é fazer com que a segurança jurídica proteja as situações que se consolidam no tempo, ao gerar nos titulares a confiança de garantir a irretroatividade das leis e impedir que seus efeitos atinjam a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Esta função de proteção equivale “à garantia constitucional que preserva os cidadãos contra a retroatividdade de leis para modificar situações já constituídas, consolidadas ou julgas no passado” (TORRES, 2012:334). A proteção constitucional a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido “visa dar concreção e efetividade à necessidade de preservação da segurança das relações jurídicas instituídas e estabelecidas sob a égide do próprio ordenamento positivo” (STF, ADI 493/0/DF).

Novamente, a proteção de instituições sociais estáveis, como a família e a sucessão, pressupõe a criação de um estado de estabilidade institucional que mar, precisamente, um dos elementos do princípio da segurança jurídica: confiabilidade pela permanência. E como afirmar Ávila (2012: 229) “ao proteger a família, a CF/88 está protegendo a segurança jurídica como segurança do direito e dos direitos”.

Amaral (2006:565) “com fim de proteger a segurança e a certeza, valores fundamentais do direito moderno, limitam-se no tempo a exigibilidade e o exercício de direitos subjetivos, fixando-se prazos maiores ou menores, conforme a sua respectiva função”. O tempo é, assim, fator de limitação do exercício de direitos. E a figura técnica que exprime a extinção dos direitos e suas pretensões pela inércia do respectivo titular no tempo devido. A perda do direito gera a decadência a perda da pretensão gera a prescrição.

O objetivo da estabilidade temporal sistêmica segundo Torres (2012:338) é coferir as relações jurídicas “proteção aos efeitos já consolidados no passado, aos presentes e aos futuros (neste caso, tanto dos fatos ocorridos no passado com produção de efeitos para o futuro – pendentes ou condicionados – quanto dos fatos futuros em relação aos atos constituídos no passado)”.

A manutenção indefinida de situações jurídicas pendentes ou a existência de defeitos nas relações jurídicas não observadas pelos sujeitos e/ou pelo judiciário, por lapsos temporais prolongados, importaria sem dúvida, em total insegurança jurídica e constituiria uma fonte inesgotável de conflitos e de prejuízos diversos. Assim, caso ocorra uma coisa julgada ou negócio jurídico eivados de vícios (defeitos) este seriam sanados com o transcorrer do tempo e consequentemente surge a necessidade de controlar, temporalmente, o exercício de direitos, proporcionando segurança jurídica.

Como o passar do tempo é uma realidade imutável para as relações humanas, vislumbra-se na prescrição, na decadência, na perempção e na preclusão fenômenos jurídicos tendentes a conferir equilíbrio, confiança e segurança às relações jurídicas como um todo, isto porque os valores e garantias reconhecidas constitucionalmente são incompatíveis com a instabilidade proporcionada pela possibilidade exercício temporalmente ilimitado de direitos, mesmo no caso dos direitos inicialmente denominados imprescritíveis como os direitos da personalidade, uma vez que estes direitos também se perdem com o transcorrer do tempo, pois estão vinculados até o quarto grau de parentesco em caso de morte do titular. Assim, o tempo corrói até mesmo os direitos mais nobres do indivíduo.

Referências

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
AQUINO, Leonardo Gomes de Aquino. ADIn 4.367 : uma análise acerca da validade normativa do art. 980-A do CC, sob as luzes do princípio da segurança jurídica. Revista de direito empresarial : ReDE, v. 3, n. 11, p. 125-162, set./out. 2015.
TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

 

Leonardo Gomes de AquinoLeonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.

 

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