Liberdade de imprensa sob a égide dos Direitos Fundamentais

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Introdução

Diante de recentes polêmicas que envolveram o livre exercício da imprensa, o Poder Judiciário, por meio das decisões dos Tribunais Superiores de nosso país, se posicionou a respeito do tema, norteando a construção do entendimento atual a ser aplicada aos casos análogos.

Revogada em 2009 por sete votos a quatro pelos Ministros do Supremo, que decidiram pela total procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130, a Lei nº 5.250/1967, denominada Lei de Imprensa, deixou uma lacuna nos parâmetros a serem adotados na aplicação de conflitos do caso concreto.Com entendimento de que a referida lei estava em desacordo com os preceitos trazidos na Constituição Federal de 88, que sustenta em seu núcleo a proteção dos direitos fundamentais e das liberdades individuais, passa-se a tratar eventuais conflitos no exercício da profissão de uma forma tendente à aplicação plena da liberdade de informação, o que teria seus reflexos necessariamente à liberdade de exercício dos profissionais da imprensa.

Por outro lado, longas discussões jurídicas passaram a ter espaço sob o argumento de que no mesmo rol que protege a liberdade de expressão, bem como a liberdade de informação, existe também a tutela dos direitos da honra, da imagem, da vida privada, entre outros que sob escopo de agir em livre exercício, supostas violações passaram a ser ventiladas.

Diante do breve paradoxo apresentado, sopesar esses valores passa a ser o desafio do jurista que é chamado quando há uma colisão ou conflito entre princípios, normas e direitos fundamentais.

 

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Liberdade de Imprensa sob a égide dos direitos fundamentais

Entende-se pela obra de Edilson Farias[1] que “liberdade de imprensa tem como objeto a difusão de fatos e notícias”. Mais adiante, ele elucida o enquadramento da temática com o instituto de comunicação social – que é trazido em nossa Constituição nos dispositivos do artigo 220 e seguintes – lecionando que:

Comunicação social é objeto de uma garantia institucional conferida aos meios de comunicação de massa para fazerem circular, por toda a coletividade, os pensamentos, as idéias, as opiniões, as crenças, os juízos de valor, os fatos, as informações e as notícias de transcendência pública. Em outras palavras, a comunicação social resume-se no exercício da liberdade de expressão e comunicação por meio dos órgãos de comunicação de massa. (FARIAS, 2004)

Ou seja, no viés de interpretação apresentado, observa-se que a liberdade de imprensa, meio de exercício da comunicação social, para assim se configurar, precisa ter o condão de atingir as massas, o que se estreita mais em relação à definição aqui apresentada de liberdade de expressão, nas palavras da Procuradora Federal Priscila Coelho de Barros Almeida[2]:

O berço onde repousa a liberdade de informação, no entanto, a liberdade de expressão abrange um conteúdo muito maior do que a de informação, ao passo que esta acaba por conter um vértice não necessariamente verificado na primeira. (ALMEIDA, 2010)

Analisados ainda que brevemente os conceitos das liberdades aqui envolvidas, pergunta-se: e quando a liberdade de imprensa, com proteção Constitucional, afronta direito de igual importância, por exemplo, a honra da pessoa? E o princípio da dignidade da pessoa humana tão propagado por ser considerado inerente ao artigo 5º, denominado por parte dos doutrinadores como o princípio entre os princípios?

difamação

Para responder a essas questões, seja diante de um conflito de normas ou colisão de princípios, a estratégia de sopesamento ou subsunção é apropriada, entretanto, não consegue sanar as dúvidas relativas às práticas quando a lide de fato se apresenta, haja vista que seriam inúmeras as possibilidades.[3]

Nesse sentido, buscamos colocar aqui, a recente interpretação sobre casos de grande repercussão que versam sobre essa temática. Tratam-se dos casos em que o Judiciário foi chamado em virtude de um pronunciamento em mídia digital pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, no exercício de sua profissão em que o banqueiro Daniel Dantas (entre outros) sentem-se prejudicados, alegando que direito à honra com idêntica proteção constitucional fora violado.

Outra recente polêmica que envolvia o direito constitucional à informação por meio da elaboração e publicação do material, foi a edição de livros de biografias não autorizadas pelos respectivos biografados. Duas celeumas que tiveram suas soluções postas pela principal Corte de nosso país e ambos com prevalência à liberdade de imprensa.

Celso de Mello

Ministro Celso de Mello

No primeiro caso, tivemos uma decisão monocrática do Ministro Celso de Mello que não chegou sequer a ser levada a plenário dado ao fato de que julgados anteriores apresentados pela Suprema Corte já demonstravam o entendimento adotado[4]. Na decisão, o Ministro sustentou que:

“O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.”

Ou seja, fortalecendo o entendimento acima mencionado em que se constata a prevalência do direito fundamental à liberdade de expressão, informação e imprensa, acolhendo o que fora defendido pelo Advogado do jornalista que diz: “a imprensa que se limita a noticiar sem avaliação crítica é uma imprensa desqualificada” e que Paulo Henrique Amorim, seu cliente, “na qualidade de jornalista, cumpre a sua função social sempre que noticia fatos ocorridos no dia-a-dia e juntamente com a narrativa dos fatos revela a sua opinião crítica”.

No mesmo sentido, conforme já mencionado aqui, as biografias foram autorizadas pelo Supremo independente de conhecimento e consenso do biografado sob o argumento de que, na hipótese de se sentir lesado, ele terá na própria Constituição mecanismos de interpelar o profissional que eventualmente viole seu direito.

Visando o afastamento de qualquer tipo de censura, o Poder Judiciário faz valer em sua máxima os direitos fundamentais quanto ao que dispõe sobre as liberdades aqui tratadas, afastando por completo qualquer tipo de intervenção do Estado no campo de censura prévia, fortalecendo o Estado Democrático de Direito. Claro que com isso, abre um campo para reflexão sobre a eficácia do direito à reparação aos danos causados diante de possíveis violações seja aos atingidos moralmente por um profissional da imprensa ou mesmo por um biografado que tenha informação amplamente veiculada e a posteriori se percebe um equívoco sobre material publicado, por exemplo.

Na propositura dessa provocação, fecha-se o presente trabalho nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa que em sessão que se votou a ADPF nº 130, professou que “quanto maior o alcance do veículo autor da calúnia e da difamação, maior é o dano”, deixando o registro do salutar e importante contraponto.

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Considerações finais

Embora se busque a universalidade nas práticas das leis a fim de que se tenha uma resposta para cada problema apresentado ao Judiciário, a verdade é que diante da complexidade da ciência jurídica, isso está bem longe de acontecer. Obviamente a necessidade de se preservar a segurança jurídica é uma preocupação, mas dizer que hoje há possibilidade de dar uma resposta única e absoluta para casos que versem sobre direitos fundamentais, é algo muito distante da realidade – o que pode ser bom, a se entender que cada caso tem suas peculiaridades que se apresentam de formas distintas em sua concretude.

O que se pode apresentar, por ora, são os desenhos constitucionais que os Tribunais começam a traçar por meio da jurisprudência sobre a temática de direitos fundamentais.

Independente de como isso venha se construir, não se pode ignorar o fato de que a liberdade de imprensa, no exercício da liberdade de expressão e pensamento, visando a garantia da informação às massas, tem guarida na Constituição Federal, sendo validada com reforços pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. No entanto, percebe-se, em contrapartida, que a falta de regulamentação do exercício da imprensa, ou mesmo a falta de organização ou órgão que discipline a conduta, acaba por vir trazer, talvez, em igual medida, o comprometimento de outros relevantes direitos fundamentais.

 


 

Referências

<http://www.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411.> Disponível em 28/12/2015, às 23h 34.

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.> Disponível em 16/01/2016, às 00h 01.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015.

ALMEIDA, Priscila Coelho de Barros. Liberdade de expressão e liberdade de informação: uma análise sobre suas distinções. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. <http://www.ambitojuridico.com.br/site> Disponível em 29/06/2015, às 00h 09.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

[1] FARIAS, Edílson. Liberdade de Expressão e Comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 55.

[2] ALMEIDA, Priscila Coelho de Barros. Liberdade de expressão e liberdade de informação: uma análise sobre suas distinções. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010

[3] Métodos apresentados, estudados e citados com base na obra Teoria dos Direitos Fundamentais, escrita por Robert Alexy, na tradução de Virgílio Afonso da Silva.

[4] TJ/RJ – Reclamação 15.243. Rel. Min. Celso de Mello. 02.06.2015

 

Carolina de Moraes PontesCarolina de Moraes Pontes é Articulista do Estado de Direito – Advogada. Mestranda em Direitos Fundamentais, Difusos e Coletivos. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania (NEDFC). Especialista em Direito Público, na modalidade de formação em magistério superior; MBA em Administração Pública e Gestão de Cidades. Atua como Docente na competência de Direito e Legislação, nas carreiras de Administração e Negócios, na Instituição Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC-SP) e no Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS.
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