Coluna Assédio Moral no Trabalho
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Bullying
Eu não queria morrer. Eu penso que tenho um futuro pela frente. Eu sei que tenho.
Tenho mais amigos para fazer, mais músicas para escutar, mais pessoas para namorar, mais shows para ir. Tanta coisa.
Mas sabe o que eu e outras milhões de pessoas pensam sobre isso?
“Eu não tenho força de vontade para continuar. Eu não sou forte, eu não consigo seguir em frente sem derrubar mais uma lagrima”.
Sejam mais gentis, por favor. Amem mais, ajudem mais, vêem mais, peguem na mão de pessoas que estão se afogando. Dê sua mão.
Dê um sorriso.
(excerto de carta deixada por jovem de 16 anos que se suicidou em virtude de “bullying”)
Em episódio de “Os Simpsons” – Homer preso por Bullying – Bart sofre “bullying” na escola por dançar, então Marge convence a cidade a criar uma legislação antibullying.
Em seguida, Homer é preso por Assédio Moral contra Ned Flanders e enviado para a reabilitação, onde é tratado pelo terapeuta e ex-valentão Dr. Raufbold.
O episódio encerra-se com um pedido de perdão de Homer.
Tratando-se de vida real, aqui no Brasil, há recente legislação antibullying: cuida-se da Lei 13.185, de 06 de novembro de 2015 que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (“Bullying”).
Esta lei define “Bullying” ou Assédio Moral Infantojuvenil ou Assédio Escolar ou Bulimento. Literalmente:
“Artigo 1º.
(…)
§ 1º. No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.”
Importa anotar que, é uma das modalidades de violência escolar – alunos/alunos – não se olvidando de outras que envolvem alunos/professores; pais/professores; professores/professores; pais/pais etc.
Ademais, dispõe a lei que o “Bullying”, como violência física ou psicológica caracteriza-se por atos de intimidação, humilhação ou discriminação, apresentando exemplos a seguir: ataques físicos, insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado; pilhérias (artigo 2º.).
Noutros termos, define-se o Assédio Escolar por comportamentos violentos diversificados, que atacam intencionalmente a dignidade do outro, em situações humilhantes de dominação x submissão, constituindo o contexto educativo o liame que une assediador e vítima.
Ciberbullying
O “Ciberbullying” – versão eletrônica do “Bullying” – também é conceituado na lei: intimidação sistemática na rede mundial de computadores, a partir dos instrumentos que lhe são próprios, para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial (parágrafo 2º. do artigo 2º.).
Vale sublinhar, neste ínterim, a sua maior danosidade em virtude da grande difusão, da fácil disposição do conteúdo pela internet e do anonimato presentes.
As diversas manifestações do “Bullying” estão igualmente colacionadas na Lei Antibullying. São elas: insultos; difamações; calúnias; abusos sexuais; isolamento e exclusão; intimidação e dominação; socos e chutes; destruição de pertences da vítima; envio de mensagens intrusivas da intimidade ou adulteração de fotos e dados pessoais etc. (artigo 3º.).
Estes diferentes tipos de “Bullying” pois, têm consequências particularmente negativas porque violentam vítimas vulneráveis eis que em processo de formação e desenvolvimento da personalidade.
O Programa de Combate ao “Bullying” previsto em lei visa além da prevenção e da erradicação do assédio escolar; capacitar docentes e equipes pedagógicas para a solução do problema; implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de conscientização do problema e evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil (artigo 4º.).
A promoção da cidadania, da capacidade empática e do respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua é também, relevante objetivo do Programa de Combate à Intimidação Sistemática (“Bullying”).
Convém realçar mais ainda que, afora toda a garantia assegurada a pessoa humana, há uma exclusiva perspectiva de Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças consubstanciada na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989.
Legislação Antibullying
E, neste sentido, a mencionada Legislação Antibullying e seus objetivos cumpre fielmente os preceitos do citado Convênio Internacional, mormente o contido no seu artigo 19 que prediz que os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, bem como no seu artigo 37 que dispõe sobre a obrigatoriedade dos Estados Partes zelarem para que nenhuma criança seja submetida à tortura nem a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Destarte, ainda que na Lei Antiassédio Escolar, haja expressa previsão de fiscalização e monitoramento, inclusive a partir da exigência da produção e publicação de relatórios bimestrais das ocorrências de “Bullying” nos Estados e municípios (artigo 6º.), em realidade, a lei ainda “não pegou”.
Aliás, atualmente há todo um contexto que agrava o enfrentamento do “Bullying”.
Segundo Idilvan Alencar, do Conselho Nacional de Secretários de Educação,
“O bullying está fortemente presente nas escolas e, com crescimento de grupos que tentam impedir discussões sobre gênero, discriminação e intolerância em sala de aula, a tendência é de aumentar.”.
A importância da concretização desta lei apresenta-se nas estatísticas sobre este tipo de violência psicológica/física que acomete crianças e adolescentes.
Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes revelaram que 17,5% dos estudantes do país, na faixa dos 15 anos, disseram ser alvo de “Bullying” algumas vezes ao mês.
Na Espanha especialmente, abundam estudos e números sobre o tema que ofertam precisos contornos: os ataques são na maioria de fundo emocional; os agressores são em sua maioria do sexo masculino; os ataques ocorrem majoritariamente no interior da escola – sala de aula/pátio- e não, nos arredores e, o “Bullying” sucede preferencialmente na educação secundária.
E, para aqueles que tendem a minimizar o fenômeno do “Bullying”, afirmando ser, na realidade, mera brincadeira de mau gosto, pela qual todos já passamos e sobrevivemos, transcrevo o ensinamento do advogado e doutor em Antropologia Social, Geovanio Rossato, que escreveu o livro “Educando para a superação do Bullying escolar”:
“Há quem diga que certos processos ou situações de violência ajudam, são naturais e auxiliam as crianças e adolescentes a se desenvolverem, a amadurecerem. Essa perspectiva aplicada à questão do bullying é um mito. A brincadeira é um jogo de faz de conta em que as crianças socializam-se, representam papeis sociais, de personagens bons e maus. Aprende a lidar com o medo, a ansiedade a frustração, raiva, a vencer desafios, a criar estratégias para resolver seus problemas atuais e futuros. O bullying, ao contrário, não promove nada disso, diferentemente de um conflito natural e saudável, em que as duas partes são responsáveis, tornando as crianças mais fortes para enfrentar as adversidades da vida, o bullying é uma violência gratuita e unilateral de uma parte ‘forte’ que maltrata a ‘fraca’, fragilizando-a ainda mais.” (1) (2)
Em verdade, o “Bullying” significa uma violência aos caros princípios democráticos da igualdade, da solidariedade, do respeito, da paz e da dignidade humana. E assim, deve iniciar-se qualquer lição sobre esta modalidade de assédio escolar.
Há todavia, interessantes ações isoladas que devem ser enfocadas como exemplo de combate.
No Colégio Bandeirantes, na cidade de São Paulo, a direção fez parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), para treinar professores e alunos. E, uma das iniciativas foi a criação de equipes formada por estudantes de todos os anos do ensino fundamental, que passam a observar os colegas mais isolados no pátios – que talvez estejam sofrendo “Bullying” – e oferecer ajuda. (3)
Perceba contudo que hoje, tal empreendimento caracteriza-se como um dever legal do estabelecimento de ensino – a assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao “bullying” (artigo 5º.) – passível inclusive, de responsabilização civil derivada de fatos antijurídicos e não, mera filantropia.
Em verdade, é indispensável a sensibilização de todos – escola/família/meios de comunicação e informática – e um olhar mais atento às nossas crianças e adolescentes.
Referências
(1) Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/lei-antibullying-reforca-a-valorizacao-dada-as-criancas/. Acesso em: 29 dez. 2017.
(2) Dica de filme: “Extraordinário”, adaptação do livro homônimo escrito por R.J. Palacio, aborda exatamente esta questão, potencializada pelo protagonismo de um garoto de 10 anos que, devido a anomalias craniofaciais de nascença, passou por 27 cirurgias estéticas e funcionais – o que, inevitavelmente, gera reflexos na forma como é visto por todos. Com delicadeza, mostra a raríssima Síndrome de Treacher Collins e a luta contra o “Bullying”.
(3) Reportagem: Sem fiscalização, lei antibullying engatinha no País. Jornal Estado de São Paulo. 24/10/17.
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito. |
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