Artigo publicado na 1ª edição do Jornal Estado de Direito, no ano de 2005.
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Sílvio Venosa fala sobre como o operador deve encarar o Direito e a Justiça em artigo exclusivo para o Estado de Direito.
Direito e Justiça
Direito e Justiça são fenômenos paralelos, que podem entrecruzar-se e freqüentemente o fazem e devem fazê-lo, mas não se confundem. A Justiça é tema fundamental da filosofia e um permanente desafio para os estudiosos.
O fim do Direito é buscar de forma constante e permanente a justiça. Essa é, de fato, a verdadeira luta pelo Direito. A Justiça deve ser vista como um valor, como realidade axiológica. A filosofia do século XX encontrou nos valores um objeto de meditação e passou a vê-los de forma sistemática, o que não ocorrera anteriormente.
O domínio dos valores pressupõe escolha de um caminho, atribuição de um qualificativo, uma seletividade, ou seja, uma tomada de posição. Nesse sentido, ocorre com certa freqüência que um valor inferior é sacrificado para a consecução de um valor superior. Como em tudo na existência cultural, a vida é feita de escolhas. A cultura em geral surge, então, como uma realização de valores.
Valores próprios
Há, por outro lado, valores próprios do Direito. Nesse sentido, há que se concluir que há valores positivos e negativos, valores aceitos e não aceitos por uma determinada sociedade ou pela sociedade em geral. Também o delinquente contumaz possui sua escala de valores, valores não protegidos pelo Direito e pela Justiça, não aceitos pela maioria da sociedade. Desse modo, as organizações criminosas possuem valores próprios, rebaixando por vezes ao máximo a importância ou o valor atribuído à vida e à dignidade humana. O homem virtuoso coloca os valores como a família, a paz, a dignidade humana, o respeito mútuo, o trabalho, a conduta honesta e conforme, o Direito no cume de sua escala de valores. Assim, há valores acolhidos pelo Direito e pela Moral, outros repelidos.
Por outro lado, Justiça é termo equívoco que pode ser utilizado em várias situações, com plúrimos sentidos, em diversas manifestações. Quando nos referimos que a Justiça é lenta estamos referindo ao processo e à estrutura do Poder Judiciário. Quando nos reportamos à justiça divina, sentido que sempre preocupou a Humanidade, a conotação é outra. Não são essas, contudo, as acepções de Justiça que ora nos ocupamos.
Em sentido mais amplo e tradicional, tem-se por justo tudo aquilo que seja adequado ou congruente para um fim, ainda que se refira a coisas materiais. Nesse ponto, é justo o parafuso que se adequa à rosca, é justa a roupa que se amolda ao corpo. Também se agrega à noção de justiça a conduta divina, a perfeição da Divindade.
A Justiça referente à conduta humana
Há uma estreita noção de Justiça com a conformidade do agir segundo a vontade de Deus. Sob o ponto de vista que ora abordamos, interessa-nos a Justiça referente à conduta humana. Esse é o aspecto que interessa diretamente ao Direito. Nesse sentido o repetido brocardo “dar a cada um aquilo que é seu” retrata noção essencialmente jurídica e confunde-se completamente com o próprio Direito, que se transborda para o que realmente deve ser atribuído a cada um. Não se pode imaginar, contudo um padrão de justiça exclusivo que se aplique a todos indistintamente, porque há diferenças em cada ser e em cada situação social. Também não se pode ver a justiça como o sentimento que cada um tem de si próprio, sua própria ideia de bem-estar ou felicidade, mas sim o reconhecimento de que cada um deve respeitar o bem estar, a existência e a dignidade dos outros membros da sociedade.
Como se conclui, Direito e Justiça não se confundem. O campo da Justiça é muito mais amplo. Embora o Direito deva buscar sempre a Justiça, esta o transcende. É essencial que o ordenamento, o Direito enfim, seja justo, algo que nem sempre, no curso da História dos povos, foi uma verdade.
“A Justiça deve ser vista como um valor, como realidade axiológica.”
A Justiça e o ordenamento
A Justiça e, conseqüentemente, o ordenamento, devem assegurar a cada ser humano estabilidade que permita desempenhar seu papel na sociedade de forma lícita, proba e em paz. Algo que nossa realidade permanentemente afronta. Enfrentamos o terror interno e o terror externo. O terror dos assaltos e o terror dos atos extremos, assim como o terror da imoralidade, mormente neste Brasil. Cada vez mais nos defrontamos com a exclusiva legalidade, ou seja, o Direito, distante dos ideais de Justiça. Não há justiça na desordem social e muito menos nos desmandos morais dos nossos governantes, em todos os níveis.
Situação singular
A sociedade brasileira apresenta-se particularmente em situação singular, como uma das nações mais populosas e extensas, país pleno de riquezas naturais. Temos potencial para desempenhar papel fundamental no contexto global neste século. Contudo, vícios históricos insistem em nos acompanhar amesquinhando o papel do Brasil no mundo, como potência econômica e social. Estamos ainda aferrolhados à mentalidade feudal que nos foi imposta pelas capitanias hereditárias e pela forma inescrupulosa como fomos colonizados. O despotismo, o nepotismo e o cartorialismo são vícios tão entranhados pelo passado dos quais não conseguimos nos desvencilhar.
Nossas estruturas jurídicas, tecnicamente bem formuladas para um país avençado, estão praticamente falidas, desmoronando perante a opinião e credibilidade pública. A corrupção imanente que nos cerca e que agora nos engole de forma avassaladora coloca à mostra os porões do governo. Nossos cidadãos vivem em angústia permanente. O brasileiro honesto, ainda os há como reserva moral preservada da nação, é pessoa angustiada, sem justiça, desamparado, escorchado por tributos de destinação dúbia, inseguro, incrédulo, emparedado por exigências burocráticas irritantes, para dizer o mínimo.
A moralidade
A Moralidade se coloca ao lado da Ética, da Justiça e do Direito. Moralidade é, na verdade, a ética de um grupo, de um povo. Não pode haver Direito se não houver conduta ética aceitável por parte das instituições e dos respectivos governantes. Neste país sofremos constante crise de Moralidade, e, por isso mesmo, todas as mazelas que essa deficiência traz desembocam na insegurança: despreparo técnico, corrupção, sistema eleitoral injusto e não-representativo, emperramento do sistema administrativo e das estruturas jurídicas. Daí porque temos todos permanentemente, a começar por nossos deficientes administradores, uma sensação palpitante e crepitante de insegurança, pois a ordem jurídica e a paz social não se perfazem.
O Direito não frutifica no seio da sociedade simplesmente porque é norma positiva e assim deseja o legislador. Esse pensamento positivista pertence ao passado. Só há Direito verdadeiramente quando a consciência social o absorve, quando o ordenamento é justo e equitativo. Se as regras jurídicas não são respeitadas não haverá poder possível de ordenar a sociedade.
Reféns das violências
Enquanto grassa no mundo o terror da violência, somos todos os brasileiros reféns da violência da corrupção; da violência das ruas decorrente da Justiça e da Política Criminal ineficientes e falidas; das organizações policiais desestruturadas e desacreditadas; da falta de espírito público dos servidores; das greves de serviços essenciais e essencialíssimos sem a menor repressão, a começar pela greve de agentes de segurança e do sistema previdenciário, algo inimaginável em um país que se diz em Estado de Direito. A descrição poderia ser muito longa. Pobre do país que não mais crê no cetro, na farda e na toga.
O Direito deve ser formado pelo bom exemplo e pela sanção. Enquanto nosso país mostrar-se desviado desse rumo, estaremos tolerando políticos e agentes néscios e corruptos. Nós não seremos honestos. Este país não será honesto consigo mesmo. Que saibamos tirar lições de nossos defeitos e que as crises, especialmente esta que enfrentamos, sirva de trampolim para a esperança”.
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