Familiares do soldado Daniel Pomerantz, de 20 anos, um entre as dezenas de militares israelenses mortos na ofensiva à Faixa de Gaza, choram durante seu funeral, em 24 de julho, nas cercanias de Tel Aviv
Na Folha de S.Paulo, articulista pede o fim de Israel, uma ideia insensata e que pode perpetuar a violência
O Brasil não é um anão diplomático, como afirmou recentemente o porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Yigal Palmor, mas dificilmente conseguirá exercer algum papel de influência no Oriente Médio se o debate público a respeito da questão palestina seguir no nível rasteiro em que se encontra.
Depois de o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flavio Flores da Cunha Bierrenbach afirmar que os palestinos não existem, na segunda-feira 28 o colunista Ricardo Melo, na mesma Folha de S.Paulo, publicou um libelo contra Israel, no qual diz inexistir “solução para a crise no Oriente Médio que não inclua o fim do Estado de Israel”.
O artigo de Melo tem um título que busca diferenciar Israel dos judeus (“Israel é aberração; os judeus, não”), mas seu conteúdo deslegitima a existência de um lar nacional para um povo perseguido por milênios e que foi vítima da maior perversidade da qual se tem notícia na história humana. O autor faz isso ao enquadrar Israel como uma “obra artificial”, erguida pela “Casa Branca e seus aliados” como um “gendarme armado até os dentes” para explorar o Oriente Médio e seus recursos naturais. Melo afirma, ainda, que Israel foi criado apenas para “ser protagonista de algumas das maiores atrocidades de que se têm notícia”.
Este tipo de retórica é útil pois apela à preguiça mental de uma opinião pública em geral ignorante. É uma estratégia que, direcionada a Israel, faz particular sucesso entre setores arcaicos da esquerda brasileira, presos eternamente no clima da Guerra Fria. Afinal, é muito mais fácil entender Israel de forma binária, como uma obra do “imperialismo” para oprimir o Oriente Médio do que enxergar a criação do país, e a não criação da Palestina, como frutos de um complexo processo histórico, que se estende até os dias de hoje, e é repleto de erros por parte de judeus e israelenses, mas também de árabes, palestinos e, de fato, das potências ocidentais.
O comentário de Melo traz, ainda, um erro analítico crasso sobre a geopolítica do Oriente Médio ao centrar os problemas da região no conflito Israel-Palestino. Com a atual operação na Faixa de Gaza, o confronto ocupa as manchetes, mas assim que for encerrado com um novo cessar-fogo e a manutenção do status quo – desejo oculto compartilhado por Israel e pelo Hamas – voltará a ser relegado ao segundo ou terceiro planos. Hoje, há dois embates muito mais decisivos para o futuro da região. Um deles é o travado entre a Arábia Saudita e o Irã e seus respectivos aliados, que está na gênese do bizarro Califado Islâmico hoje vigente em partes da Síria e do Iraque. O outro é a disputa a respeito do islã político e sua emergência pós-Primavera Árabe. Esses problemas são tão complexos e suas naturezas tão distantes de Israel que, se a questão palestina fosse resolvida, o efeito disso sobre os outros dois conflitos seria exatamente igual a zero.
No fim do artigo, Melo clama pela chamada solução de um Estado, na qual Israel e a Palestina deixariam de existir para dar lugar a um único país onde as duas populações coexistiriam. Ao longo do último século e meio a ideia foi ventilada diversas vezes, mas nunca de forma decisiva pelos tomadores de decisão com alguma possibilidade de interceder no confronto. Defendê-la é, sem dúvida, legítimo, mas em um contexto em que inclua a necessidade da admissão de erros passados e do reconhecimento do sofrimento mútuo. O que espanta é ver isso ser feito com uma retórica inflamada, que se assemelha aos rompantes mais extremistas de alguns dos maiores radicais da região, estratégia que, aos poucos, vem sendo abandonada até mesmo pela liderança do Hamas.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/