Coluna Pensando Poeticamente Direito e Política
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Pesos e medidas
A quantas anda o princípio da isonomia, entre nós, é a pergunta que não quer calar. Parece-me que a matéria, pela extraordinária importância de que se reveste, deveria ser objeto de maior debate, pois é absolutamente inaceitável que a Constituição da República possa servir para uns e não servir para outros, como está ocorrendo no Brasil de hoje…
Ao falar-se em “pesos e medidas”, evoca-se, naturalmente, a conhecida passagem bíblica, constante do Deuteronômio (25, 13-16), cujo teor é o seguinte: “Não terás em tua bolsa duas espécies de pesos, uma pedra grande e uma pequena. Não terás duas espécies de efás, um grande e um pequeno. Tuas pedras serão um peso exato e justo, para que sejam prolongados os teus dias na terra que te dá o Senhor, teu Deus. Porque quem faz essas coisas, quem comete fraude, é abominável aos olhos do Senhor, teu Deus.”
Nosso grande Rui Barbosa explicou magistralmente o conceito de isonomia (e, muito antes dele, Aristóteles), asseverando que “a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.” E arrematava: “Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”. Tal ensinamento terá tido sua provável origem na lição bíblica retro transcrita, a nos mostrar o quanto é injusto, e mesmo abominável, tratar-se de maneira desigual aquilo que é igual, e de modo igual, aquilo que é indubitavelmente desigual.
Tal assimetria torna-se ainda muito mais problemática, como é curial, quando são aplicadas sanções mais severas para condutas menos graves e, ao contrário, maior grau de tolerância é referendado para situações muito mais detrimentosas… É uma lástima que tal ocorra num país que se considera um Estado Democrático de Direito, segundo o imponente preâmbulo de nossa Constituição Federal.
Sr. Janot
Servem tais considerações introdutórias para trazer à reflexão de todos os leitores a dubiedade com que parece agir o procurador-geral da República, Sr. Rodrigo Janot, ao ser tão diligente, infatigável e rigoroso em suas manifestações feitas à nossa mais alta Corte de Justiça, no que se refere ao senador mineiro Aécio Neves (PSDB-MG) e, igualmente, ao Presidente da República Michel Temer, quando, ao mesmo tempo, tão menos sôfrego ele se revela, relativamente ao ex-presidente Lula da Silva.
Senão, vejamos. O Sr. Janot resolveu pedir a prisão preventiva de Aécio Neves porque, segundo a sua maneira de ver, ao se encontrar com colegas do Senado — conforme revelado por uma foto em que este aparece reunido com os senadores tucanos Antonio Anastasia (MG), Cássio Cunha Lima (PB) e José Serra (SP) —, Aécio estaria fazendo “uso espúrio do poder político”, revelado pelo “aspecto dinâmico de sua condição de congressista representado pelo próprio exercício do mandato em suas diversas dimensões, inclusive a da influência sobre pessoas em posições de poder”.
Então, para o senhor procurador-geral, o senador mineiro, em razão da fotografia publicada em sua página no Facebook, estaria mantendo “encontros indevidos em lugares inadequados”. Penso que a imagem do Ministério Público terá sido arranhada pela impetuosidade justiceira contra os políticos em geral, situação agravada por decisões do Supremo que, infelizmente, malferiram o princípio constitucional da autonomia dos Poderes da República…
Porteira aberta
Veja-se aqui, para quem desconhece o perigo de abrir-se precedente em matéria de decisões judiciais, o indesejável resultado da decisão do saudoso ministro Teori Zavaski, quando decidiu, em razão da excepcionalidade inquestionável da situação daquele momento, afastar do cargo o então presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha. Naquela oportunidade, em nome da moralidade e da decência, aceitou-se que o Judiciário tivesse o poder de afastar um político de um cargo conquistado nas urnas, a despeito de inexistir qualquer disposição constitucional que lhe outorgasse tal possibilidade…
“Aberta a porteira” com a justificativa da excepcionalidade, novamente viria a ocorrer o afastamento de um parlamentar — desta feita do Senado — pelo ministro Fachin. Assim como disseminou-se entre nós a inaceitável ideia de que “bandido bom é bandido morto”, a revelar o fanatismo ensandecido de certos setores da extrema direita, difunde-se, agora, com o beneplácito daqueles que têm o sacrossanto dever de preservar as garantias constitucionais, a ideia paralela e igualmente absurda de que “político bom é político preso”…
Curiosamente
A pergunta que não quer calar, evidentemente, é a seguinte: Por que o afã do senhor procurador-geral da República de prender políticos não ocorre, curiosamente, com o ex-presidente Lula da Silva?… Como magistrado federal e professor de Direito da maior Universidade do País, não paro de receber a indagação se já não deveria ter ocorrido a prisão preventiva do ex-presidente, que responde pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça…
Com efeito, não é fácil explicar para os leigos que prisão preventiva não pode ser decretada sem que haja poderosas razões para tanto. Mas, com alguma dose de paciência acabo explicando… Como poderei explicar, no entanto, o porquê de a delação de Joesley Batista causar tanto furor no Ministério Público, em relação a Aécio Neves e a Michel Temer, sem que essa mesma delação de que o grupo JBS mantém contas na Suiça, de milhões de dólares, tanto para o ex-presidente Lula da Silva, como para a presidente Dilma Rousseff, possa ter ensejado algum pedido de prisão preventiva?…
Será que a foto do senador tucano com alguns colegas revela gravidade maior do que a intensa atividade política do ex-presidente, que continua apregoando a divisão dos brasileiros e incitando, livre, leve e solto, que exércitos não oficiais incendeiem o Brasil?… Será que o nosso Supremo Tribunal Federal, com a recente decisão de devolver o mandato ao referido senador, irá dar um basta à fúria dos procuradores messiânicos?…
E o que se poderá dizer da troca de uma pena de mais de dois milênios de prisão por uma gravação clandestina, feita por dois bandidos confessos, que enriqueceram de maneira jamais vista no mundo, em tão poucos anos, graças aos extraordinários benefícios recebidos do BNDES?… A comparação feita pelo Sr. Rodrigo Janot que se tratava de uma “escolha de Sofia” — salvar um filho em troca da morte do outro — é de chorar… William Clark Styron deve ter se revirado, inconsolável, no túmulo…