Interpretações da dimensão social

Coluna Descortinando o Direito Empresarial

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Como explicar o impulso associativo do ser humano?

  1. Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a. C.) interpreta, de maneira oposta a dimensão social do homem. Segundo Platão, trata-se de um fenômeno contingente, enquanto Aristóteles cuida-se de uma propriedade essencial. Tal divergência nasce das suas concepções diversas do ser humano.

Para Platão, o homem é essencialmente alma, ele realiza a sua perfeição e chega a alcançar sua felicidade na contemplação das ideias, que povoam um mundo denominado metaforicamente por ele de lugar celeste. Nessa atividade não necessita de ninguém; cada qual existe e se realiza por sua própria conta, independentemente de ninguém. Mas, devido a uma grande culpa, as almas perderam sua condição original de absoluta espiritualidade e caíram na terra, onde teriam sido obrigadas a assumir um corpo para pagar as próprias culpas e purificar-se. Agora o corpo comporta toda a série de necessidades que podem ser satisfeitas apenas com a ajuda dos outros. A sociabilidade é portanto, uma consequência da corporeidade, e dura apenas enquanto as almas estiverem ligadas ao corpo.[1]

Aristóteles, de maneia oposta, vê o o homem como essencialmente constituído de corpo e alma, e, movido por tal constituição, é necessariamente ligado aos vínculos sociais. Sozinho ele não pode satisfazer suas próprias necessidades nem realizar aspirações. É, portanto, a própria natureza que induz o indivíduo a associar-se com os outros indivíduos e a organizar-se em uma sociedade. Por isso considerava o homem fora da sociedade um bruto ou deus, significando algo inferior ou superior à condição humana: o homem é, por natureza, um animal político. Aquele que, por natureza, não possui estado, é superior ou mesmo inferior ao homem, quer dizer: ou é um deus ou mesmo um animal. Donde conclui-se que: “nenhum pode bastar a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade”. [2]

  1. São Tomás de Aquino (1225-1274), como Aristóteles, considera que o homem é naturalmente sociável: “O homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que evidencia pela natural necessidade”[3]. Assim, a sociedade política deriva a sua origem diretamente das exigências naturais da pessoa humana. São Tomás de Aquino afirma, então que a vida solitária e fora da sociedade é exceção. Que pode ser enquadrada numa das três hipóteses: mala fortuna, ou seja, quando por infortuito qualquer o indivíduo acidentalmente passa a viver em isolamento; corruptio naturae, quando o homem, em caso de anomalia ou alienação mental, desprovido de razão, vai viver distanciado dos seus semelhantes; excellentia naturae, que é a hipótese de um indivíduo notavelmente virtuoso, possuindo uma grande espiritualidade, isolar-se para viver em comunhão com a própria divindade.[4]
  2. Durante a época moderna, a interpretação platônica do fundamento da sociabilidade encontrou adesão por parte de muitos filósofos como Spinoza, Hobber, Locke, Vico e Rosseau. Sustentavam que a sociedade é tão-só o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipotético celebrado entre seres humanos.

Fenômeno secundário

Existe uma diversidade muito grande de contratualismo, encontrando-se diferentes explicações para a decisão do homem de unir-se a seus semelhantes e de passar a viver em sociedade. Porém, há um ponto em comum entre eles: a negativa do impulso associativo natural, ou seja, a sociabilidade é fenômeno secundário, derivado, com a afirmação de que só a vontade humana justifica a existência da sociedade; esta se assenta sobre o contrato e é uma criação humana, algo deposto pelo homem e que o homem pode desfazer ou alterar segundo seu arbítrio.

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Partindo de um homem concebido como sendo anterior à organização da convivência social, essa pessoa natural é um homem criado pela razão, com qualidades e tendências variáveis, segundo as preferências e os interesses dos vários autores contratualistas. Não é de espantar, portanto, que o contratualismo possa chegar às conclusões mais desencontradas, uma vez que seus adeptos partem sempre de uma pessoa natural, que tenha precisamente aqueles defeitos ou qualidades indispensáveis à realização de um contrato social, com as cláusulas e condições desejadas.

Natureza conflituosa

Thomas Hobbes (1588-1679) defendia que o homem não possui o instituto natural de sociabilidade; por sua natureza, é um ser mau anti-social. Por isso, cada homem encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. A consequência dessa disputa dos homens entre si teria gerado um permanente estado de guerra nas comunidades primitivas. Para dar fim à brutalidade social primitiva, os homens firmaram um contrato entre si, pelo qual cada um transferia seu poder de governar a si próprio a um terceiro, o Estado, para que este governasse a todos impondo ordem e segurança à vida social. [5]

Liberdade e igualdade

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), por sua vez, afirma a preponderância da bondade humana no estado de natureza; nele o homem é essencialmente bom e livre. É o aparecimento da propriedade privada que marca o fim desse estado e o início de uma época de conflitos, males e guerras. Aconselhados pelos ricos, as pessoas são levados a viver em sociedade e sob o poder de uma autoridade, que deveria manter a paz e a justiça por meio das leis. Contudo, deram assim, mais força aos ricos, que acabaram por destruir as liberdades naturais, endeusaram a propriedade, fixaram as desigualdades e sujeitaram aos demais homens ao trabalho, à servidão e à miséria. O homem, afastando-se do estado de natureza, foi situar-se no estado de sociedade, que só serve para corrompê-lo e torná-lo ineficaz. O problema, então, é como formar uma sociedade que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado, e na qual qualquer um deles, ao unir-se a todos os outros, não obedeça senão a si mesmo, e permaneça tão livre como antes.

A solução para Jean-Jacques Rousseau encontra-se em organizar um Estado que só se guie pela vontade geral, e não pela vontade particular de cada um, de alguns ou da maioria dos indivíduos. E temos a vontade geral governando a sociedade, quando esta só pratica atos, ou edita, lei, cujo conteúdo sempre contenha somente interesses comuns a todos, todos permanecem livres e senhores de si e de suas coisas: dão os direitos naturais, como os da liberdade e igualdade, próprios da natureza humana. Vale lembrar que o direito, ou lei, que vige no Estado do contrato, expressa a vontade geral.

Note-se que para Jean-Jacques Rousseau, o contrato social não cria a sociedade ou o Estado: é um programa que diz como eles devem ser, para o bem da humanidade; nele são estipuladas as condições que permitem às pessoas retornar a viver sob os benefícios de um estado de natureza aperfeiçoado e no qual reencontram a sua autêntica natureza humana.

Referências

[1]OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e sociabilidade. 3ªed. São Paulo: Loyola, 1993, p. 49. VILAS-BÔAS, Renata Malta. Introdução ao estudo do direto. Brasília: Fortium, 2005, p. 34.
[2] ARISTÓTELES. A politica. São Paulo: Martisn Fontes, 2000, p. 5.
[3] AQUINO, São Tomaz. Suma Teológica, I, 96, 4, apud VILAS-BÔAS, Renata Malta. Introdução ao estudo do direto. Brasília: Fortium, 2005, p. 35.
[4] AQUINO, São Tomaz. Suma Teológica, I, 96, 4, apud CARNIETTO, Alexsandro; SOUZA, André Luiz de et al. Igreja – sociedade política: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=66>. Acesso em: 07 jul. 2010.
[5] MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e et al. http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf. Acesso em 12/06/2012. cap. 40 e 41.

 

Leonardo Gomes de AquinoLeonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.

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