Coluna Assédio Moral no Trabalho

Assédio na universidade
A epidemia do assédio é de tal envergadura que contamina, inclusive, ambientes acadêmicos, “in casu”, centros universitários.
Partindo de premissa já amplamente estudada, em Universidades Públicas, tal problemática pode ser inserida na perversa predominância do Assédio Moral na Administração Pública. Deste prisma, noutros momentos, cuidou-se.
Discutir-se-á entretanto, o fenômeno do assédio no ensino superior em geral.
A pluralidade de formas que o assédio no âmbito universitário assume configura-se basicamente em duas variantes: naquele assédio que se produz nas relações de trabalho e naqueloutro, que se aperfeiçoa em relações pessoais, ainda que fora do espaço trabalhista, mas com características de exercício de poder.
Quanto a esta última modalidade, poder-se-ia apontar o assédio entre universitários, representado pelos costumeiros trotes; o próprio “bullying” eis que não é muito diferente o mecanismo de defesa de um estudante de 17 (dezessete) anos e de um jovem universitário de 18 (dezoito) anos, o “docenting”, termo cunhado para indicar o docente como assediador etc. (1)
Principiarei todavia, com um tipo de violência extremamente grave contra os universitários, qualificada pelos abusos sexuais.
É inimaginável que a alegria/euforia da aprovação na universidade dos sonhos possa, em algum dia, dar lugar à tristeza de uma experiência de violência sexual, que pode, com efeito, acarretar o suicídio da vítima, ainda mais quando desacreditada e estigmatizada.
As estatísticas sobre este problema são reduzidas: não porque seja uma ocorrência rara mas sim, em virtude da blindagem da instituição que teria seu nome/imagem/tradição maculados por denúncias de agressões sexuais em seus “campi”.
Quaisquer estabelecimentos de educação superior estão sujeitos a esta questão adversa.
Em premiado Documentário “The Hunting Ground” (EUA, 2015) – que aborda a onda de ataques sexuais em universidades e o esforço de funcionários para encobrir os crimes – é relatado um caso de estupro de duas jovens na HARVARD LAW SCHOOL. De desfecho lamentável, num determinado momento fica evidente que não importa o que as vítimas façam, elas não irão vencer. De fato, o agressor sequer foi expulso do curso. (2)
Também, o terrível trauma das vítimas é mostrado de maneira dura:
– a culpa que se instala a partir de perguntas como “Quantas vezes você disse não?”;
– as represálias da direção, de professores e dos próprios alunos quando o assediador é o “cara popular”;
– a vergonha em denunciar, principalmente em ataques contra vítimas do sexo masculino afinal, este é um “crime contra mulher”;
– a saúde comprometida que resulta até no abandono da carreira: “desisto”.
As fraternidades
A realidade norte-americana, seguramente, apresenta peculiaridades. A forte presença das fraternidades é uma delas.
Com inegável simbiose, Universidades e Fraternidades comungam do pacto de silêncio em relação aos abusos sexuais.
A violência sexual que acontece dentro das famosas festas das fraternidades, algumas delas sabidamente conhecidas pelo “abate”, (3) é ignorada pelas Faculdades mesmo porque as milionárias doações de ex-alunos, passa pelas fraternidades.
O assédio nas universidades por óbvio, independe de sua localização geográfica.
Problema antigo é detectado nas Universidades brasileiras da mesma forma.
Basta lembrar rumoroso episódio envolvendo estupro na Faculdade de Medicina da USP em que estudante da FMUSP formou-se em 2016 sem embargo de ter cumprido suspensão por ser acusado de dopar e estuprar 3 (três) alunas da faculdade. Aliás, diga-se que a pena de suspensão de 01 (um) ano e 06 (seis) meses aplicada em um processo disciplinar é exceção.
Na CPI Violações dos Direitos Humanos nas Faculdades Paulistas, também conhecida como CPI do Trote, o relatório final tem 194 páginas descrevendo as condições que propiciam a violência de gênero, bem como medidas que podem ser tomadas para enfrentá-la — por exemplo, a criação de uma ouvidoria estudantil junto à Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo para atender aos casos de abuso e assédio sexual. As investigações resultaram em dez denúncias formais de estupro, das quais seis dizem respeito à Faculdade de Medicina da USP. Dos dez casos, três originaram sindicância. Desses alunos, um somente foi suspenso, mas lembre-se, acabou por colar grau. (4)
Para aqueles que não estão convencidos da indignidade da situação, encerro com a nota da Rede Não Cala à época:
“A omissão da Universidade tem sido justificada pelo receio de se cometer injustiça com os possíveis agressores. Questionamos por que a universidade não teme cometer injustiça com as possíveis vítimas. Do ponto de vista institucional, precisamos também indagar o que compromete mais o nome da Faculdade: revelar tais casos ou proteger quem cometeu uma agressão?”. (5)
Referências
(1) VALLEJO, P.R. Acoso en la Enseñanza Superior. Navarra: Editorial Arazandi, SA, 2015.
(2) Disponível em: http://thehuntinggroundfilm.com/. Acesso em: 20 fev. 2018.
(3) Lema de uma Fraternidade americana: “NÃO” quer dizer “SIM”. “SIM” quer dizer “ANAL”.
(4) Disponível em: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2016/11/dois-anos-apos-cpi-casos-de-estupro-nao-tem-punicao/. Acesso em: 20 fev. 2018.
(5) Rede Não Cala USP: grupo de professoras e pesquisadoras de diferentes institutos que surgiu em oposição à violência institucional na USP.
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito. |