Fim de ano trágico

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Foto: Rovena Rovena Rosa/Agência Brasil

Foto: Rovena Rovena Rosa/Agência Brasil

Mês difícil

Hoje inicia dezembro. É sempre um mês difícil. Parece que temos que dar conta do que não conseguimos fazer durante todo o ano. A noção de nossa finitude e, claro, a esperança da possibilidade de um recomeço, é sempre potencializada no fim do ano. Muitos de nós nos sentimos à flor da pele. Este ano de 2016 está sendo especialmente trágico. E não é só a queda do avião que portava o time de futebol do Chapecoense que demonstra isso. Tem a PEC 55, para finalizar o processo de destruição do Estado Social que vem sendo posto em prática há alguns anos e que se agudiza com o governo atual. Esse projeto de lei, que congela apenas os gastos com despesas primárias, especialmente nas áreas da educação e da saúde, promoverá a privatização, o sucateamento e o fechamento de universidades, hospitais, postos de saúde, e da própria Justiça do Trabalho. Não se trata de conter gastos. Trata-se de destruir o Estado. Tanto assim que a PEC nada fala sobre taxação de grandes fortunas ou controle da evasão de divisas, uma sangria que leva, todos os anos, milhões de reais para fora do país ilegalmente. Houve também a aprovação do relatório sobre a medida provisória acerca da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que retira do ensino médio a obrigatoriedade de matérias como filosofia e autoriza contratação de pessoas “com notório saber”, para dar aulas em cursos de formação técnica e profissional, desvalorizando ainda mais o trabalho dos professores. Houve aprovação, em primeira votação, da lei que considera crime a manifestação de opinião, por juízes e promotores, “por qualquer meio de comunicação”, acerca de processos, votos ou sentenças, como se vivêssemos em plena ditadura. E vivemos. Um estado de exceção em que a democracia não existe na prática. Uma espécie de ditadura diferente, disfarçada, mas que tem traços muito claros, desde a completa dissociação entre o que quer a sociedade e o que faz o congresso nacional ou o governo federal, até a truculência policial ostensiva e festejada por uma mídia partidária, que age como cúmplice do golpe à Constituição, tal como fez em 1964.

Os projetos de lei que referi foram apreciados e votados esta semana, enquanto o país estava de luto pela tragédia ocorrida em Medellín. Enquanto milhares de pessoas cercavam o Congresso pedindo que a PEC 55 fosse retirada de pauta. Em vez de ouvir o povo, em vez de respeitar o luto, o Congresso Nacional não cancelou a sessão, que acabou de madrugada.

Enquanto nossos parlamentares traíam a nação, os manifestantes eram duramente agredidos.

Há pessoas feridas e notícia de desaparecidos. Notícia que a grande mídia não veicula e que revela uma triste realidade: não há mais sequer direito à manifestação pacífica no Brasil. A tropa de choque da Polícia Militar usa bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, cavalos e cassetetes contra estudantes, trabalhadores, cidadãos. Não são apenas os direitos sociais que estão na berlinda. Sequer os direitos liberais, os chamados direitos de primeira dimensão, estão sendo respeitados.

Que acabe logo

Impossível frear o desejo de que 2016 acabe logo, e com ele essa intolerância agressiva, essa dissociação odiosa entre o que a sociedade está clamando nas ruas, e aquilo que o governo federal e o congresso nacional estão fazendo, e que acabe com o arquivamento da PEC 55, das leis que retiram a liberdade de expressão, da MP que destrói o ensino médio. E que possamos festejar 2017, com a esperança de que o ano que se aproxima não entre para a história como aquele em que perdemos nossos direitos, destruímos nossas instituições e retrocedemos ao marco zero de regulação básica de convivência pacífica. Do contrário, resta apenas esperar o caos.

 

 Valdete Souto SeveroValdete Souto Severo é Articulista do Estado de Direito – Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC do RS. Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região.

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe