Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
A filiação biológica é a mais tradicional, e em decorrência dela temos a presunção prevista no Código Civil de que filhos nascidos na constância do casamento são filhos do marido.
Já a filiação sócio-afetiva é uma construção social, doutrinária e jurisprudencial. Nasce dos relacionamentos afetivos entre um pai ou mãe afetivo e o filho afetivo.
Diante dessa relação afetiva constrõem-se os vínculos afetivos e como consequência nasce os vínculos jurídicos.
O Superior Tribunal de Justiça se deparou com a análise de um caso concreto em que apresentava duas situações distintas.
Na primeira, mesmo sabendo que não era o pai biológico, o pai socioafetivo compareceu ao cartório e reconheceu a paternidade da criança. Para essa situação não cabe falar de erro, pois por conhecer a situação – de que não era o pai biológico da criança, mesmo assim optou por fazer o registro. Não é possível pensar em arrependimento nesse caso.
Na segunda hipótese, o pai fez o registro e nesse caso acreditava ser o pai biológico da criança. Contudo, somente cerca de 10 anos depois é que passou a desconfiar dessa paternidade, e com isso fez o exame de DNA, no qual foi constatado que ele não era o pai biológico. Só que ao longo desse período foi construído o vínculo sócio-afetivo, e este portanto é o que deve prevalecer. Vejamos a notícia que foi publicada pelo STJ:
Vínculo paterno-filial afetivo supera ausência de vínculo biológico e impede mudança de registro
A paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade registral nos casos de erro substancial apto a autorizar a retificação do registro civil de nascimento.
O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o caso de um homem que ajuizou ação de retificação de registro civil cumulada com pedido de exoneração de alimentos em face de seus dois filhos registrais.
Segundo os autos, no caso do primeiro filho, o homem o registrou espontaneamente após iniciar um relacionamento com a mãe, mesmo sabendo não ser o pai biológico.
Já a segunda criança, ele a registrou acreditando ser sua filha biológica, e teve com ela relação afetiva até os 13 anos, quando, suspeitando de infidelidade da mulher, ajuizou ação para retificação do registro civil. Após a morte do pai registral, foi comprovada por exame de DNA a inexistência do vínculo biológico.
Instâncias ordinárias
Na primeira instância, o juiz considerou procedentes os pedidos do autor. Na apelação, a sentença foi reformada sob o fundamento de que o ato praticado no registro do primeiro filho é irrevogável, pois o pai agiu de livre vontade. Já em relação ao outro filho, foi considerado preponderante o vínculo afetivo consolidado ao longo do tempo.
Houve a interposição de embargos infringentes, acolhidos pelo tribunal de segunda instância para autorizar a retificação do registro civil dos dois filhos.
Direitos da personalidade
No STJ, a ministra relatora do caso, Nancy Andrighi, manteve inalterados os documentos de registro e ressaltou que a presença de vínculo afetivo supera a falta de vínculo biológico nas situações em que o autor da ação tenha interesse em retificar a certidão de nascimento puramente por não se verificar a relação genética que ele imaginava existir.
Para a magistrada, torna-se necessário, nesse tipo de caso, “tutelar adequadamente os direitos da personalidade” do filho que conviveu durante certo período com o genitor e consolidou nele a representação da figura paterna, não podendo simplesmente agora “ver apagadas as suas memórias e os seus registros”.
Nancy Andrighi disse que o registro civil de uma criança, realizado com a convicção de que havia vínculo biológico, o qual depois foi afastado pelo exame de DNA, “configura erro substancial apto a, em tese, modificar o registro de nascimento, desde que inexista paternidade socioafetiva, que prepondera sobre a paternidade registral em atenção à adequada tutela dos direitos da personalidade”.
Sobre o caso em julgamento, ela afirmou que, “a despeito do erro por ocasião do registro, houve a suficiente demonstração de que o genitor e a filha mantiveram relação afetuosa e amorosa, convivendo, em ambiente familiar, por longo período de tempo, inviabilizando a pretendida modificação do registro de nascimento”.
Registro consciente
No caso do filho registrado com consciência da ausência do vínculo biológico, a relatora destacou que, conforme determinação legal, o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável.
“Ocorre que o reconhecimento dos filhos não é, nem tampouco pode ser, um ato jurídico anulável ou modificável por simples influências externas ou por mera liberalidade dos pais, não se submetendo, evidentemente, aos sabores ou aos dissabores dos relacionamentos dos genitores”, afirmou a relatora.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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