Fé nos autos

Coluna A Advocacia Popular e as Lutas Sociais

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“Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”[1]

 

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A apresentação de denúncia

No último dia 14 de setembro, o Brasil assistiu atônito à apresentação do Procurador Deltan Dallagnol de denúncia feita pela “Força-Tarefa Lava Jato”. Para além do clima de torcida que tomou o país, que inocenta ou condena previamente o ex-Presidente Lula, posicionamentos expressados pelo Procurador da República e seus colegas trouxeram muita polêmica em seguida.  De toda forma, como esperado por toda a mídia e por quem esteja pró ou contra o ex-Presidente, o juiz Sérgio Moro aceitou esta denúncia no dia 20 de setembro.

Com termos incomuns a boa técnica jurídica, mas sim ao meio jornalístico-policialesco, a denúncia foi apresentada com termos como “propinocracia”. Outras frases ou expressões que seguiram a mesma linha foram “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos” e “o comandante máximo”, ao se referir ao ex-Presidente. Inusitado perceber que, apesar de ser considerado “comandante máximo”, ao Lula não foi imputado o crime de associação criminosa[2]. Então, quem ele teria comandado se não estaria associado a ninguém?

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Outra parte polêmica da apresentação da denúncia se deu quando o procurador Henrique Pozzobon, da mesma “Força-Tarefa”, afirmou não ter prova cabal contra o Lula. O mínimo que se espera da parte que entra com uma ação é acreditar que possa provar o que está alegando. É verdade que indícios podem levar a se ter ações e decisões judiciais, desde que seja para se tomar medidas acautelatórias, o que não parece ser o caso. Mais responsável, tendo em vista a presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), seria primeiramente abrir um inquérito, para apurar se tais indícios poderiam trazer provas para uma possível ação. Da mesma forma, se ainda serão apurados estes indícios em ação judicial, não parece apropriada as afirmações sobre a culpa do ex-Presidente Lula. Conforme a própria denúncia haveria apenas evidências: “A autoria de LULA está evidenciada nos pagamentos efetuados pela CONSTRUTORA OAS em favor da GRANERO[…].

Discursos com convicções de culpa

Observando bem o discurso dos procuradores da república, estes contrabalançaram a falta de prova cabal, por suas convicções da culpa. Postura que para muitos pareceu mais condizente com homens de fé, religiosos, do que com servidores públicos que possuem o dever de apurar as denúncias que recebem.

Esta postura advém de quem acredita que direitos e garantias constitucionais devam ser relativizadas, visando a eficiência da persecução penal. Em entrevista dada dia 29 de agosto, para “Valor Econômico”, o procurador Dallagnol criticou estes institutos dispostos em nosso ordenamento jurídico: “No Brasil existe um garantismo que não olha para os direitos das vítimas e da sociedade, apenas os dos réus. Por isso ele é monocular. E, além disso, é excessivo, hiperbólico. Isso existe no Brasil há muito tempo, talvez até como ranço da ditadura militar. Qualquer modificação que busque tornar o direito penal mais eficiente leva pessoas que viveram esse período a entender essas modificações como cerceamento de direitos”[3]. Sua retórica não coaduna com os direitos que teria o dever de proteger (Arts.  2º, 5º, IV, 6º, VI, a, 11, da Lc. nº 75/1993). A sua aversão fica clara na campanha para flexibilizar estes direitos e garantias, com as famigeradas “10 medidas de combate à corrupção e à impunidade[4]”.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O tom crítico do procurador à ditadura militar deve ter desagradado há muitos que legitimam sua conduta, encontrando com a mesma identidade. Mas neste debate, é importante se perceber que as pessoas têm a expectativa de encontrar nas instituições que compõem o sistema de justiça os guardiões últimos dos direitos e garantias constitucionais.

Uma convicção que se espalha é que as instituições como Judiciário e Ministério Público não estão mais produzindo a chamada “paz social”. As ruas demonstram que a cada notícia sobre atuação do Ministério Público e da Magistratura interferindo no cenário político só se acirram ânimos na sociedade. Mas é fato que ainda muitos depositam sua fé no país a partir da “Operação Lava Jato”. Já outros pedem por mais razão.

 

Referências:

[1] Hebreus 11:1

[2] Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. ( Código Penal)

[3] http://ghostwriter-2007.blogspot.com.br/2016/08/entrevista-deltan-dallagnol.html

[4] http://corrupcaonao.mpf.mp.br/noticias/mpf-coleta-assinaturas-para-apoio-a-medidas-de-combate-a-corrupcao-e-a-impunidade

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, especialista em Direito Civil e Processual civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH.
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