- Joana D’Arc Vieira de Oliveira
Será que realmente temos necessidade de adotar como estilo de vida o conceito da “Moda Rápida”, será que ela realmente oferece roupas diferenciadas ou estamos apenas comprando mais do mesmo, embarcados numa ilusão? Essa é uma pergunta que merece uma reflexão profunda, especialmente em um mundo onde o consumo desenfreado se tornou a regra.
O termo “Fast Fashion”, em tradução literal “Moda Rápida”, descreve um modelo empresarial e uma abordagem adotada pela indústria da moda focada na rápida produção de vestuário, acessórios e calçados, que espelham as tendências mais recentes a preços considerados “acessíveis”. Este modelo distingue-se pela sua capacidade de rapidamente converter as tendências observadas nas passarelas e no cenário “fashion” global em mercadorias prontamente disponíveis para o consumidor, permitindo assim que marcas e varejistas atualizem suas coleções de forma constante.
A Zara, pertencente ao grupo Inditex, um dos maiores conglomerados têxteis da Europa, lança cerca de 12.000 novos designs por ano. A estratégia da empresa inclui a produção de quantidades limitadas para cada item, o que não apenas minimiza o tempo de permanência das peças nas lojas, mas também cultiva uma percepção de exclusividade. O ciclo de vida de uma coleção na Zara é de aproximadamente 15 dias, com uma renovação de 35% dos produtos em loja a cada semana[1].
A capacidade da Zara de desenhar, produzir e distribuir novos modelos para mais de 600 lojas ao redor do mundo em apenas 15 dias é emblemática desse modelo de negócios, gerando uma sensação de urgência de compra entre os consumidores. Essa urgência se traduz em altas margens de lucro e em um consistente crescimento de 20% ao ano[2].
Além da Zara, marcas mundiais como Forever21, H&M, Shein, e no Brasil, Riachuelo, Marisa, C&A, e Renner, seguem práticas similares, adaptando-se rapidamente às tendências ditadas pelo mundo da moda. A Shein, AliExpress, Shopee, por exemplo, introduzem diariamente milhares de novos produtos em seus sites[3].
A moda rápida é frequentemente vendida como uma democratização do estilo. Com preços baixos e uma rotatividade rápida de coleções, parece que todos podem se vestir de acordo com as últimas tendências. Mas será que essas roupas nos diferenciam ou estamos apenas sendo enganados por uma fachada de modernidade?
A verdade é que, embora a Fast Fashion nos ofereça a ilusão de exclusividade e acesso às últimas tendências a preços acessíveis, a baixa durabilidade dessas peças nos força a comprar mais frequentemente, criando um ciclo vicioso de consumo e descarte. As peças de Fast Fashion são desenhadas para serem temporárias, incentivando um comportamento de compra descartável que não apenas sobrecarrega nosso meio ambiente com resíduos têxteis, mas também tende a homogeneizar o estilo pessoal.
A constante renovação de coleções e a produção em massa significam que, apesar da aparência de diversidade e novidade, muitos consumidores acabam adquirindo peças muito similares, reduzindo a moda a um fenômeno de massa onde a verdadeira expressão pessoal é ofuscada pela necessidade de seguir tendências passageiras. Isso levanta questões sobre a autenticidade da moda Fast Fashion e se ela realmente atende aos desejos dos consumidores por diferenciação, ou se apenas perpetua a ideia de que estar na moda requer uma atualização constante do guarda-roupa, independentemente da qualidade ou do impacto ambiental.
Além disso, a produção em massa e o consumo acelerado de moda rápida têm implicações éticas significativas, desde as condições de trabalho nas fábricas até o uso insustentável de recursos. Isso nos obriga a refletir sobre o custo real das roupas baratas e a considerar alternativas mais sustentáveis e éticas, como a moda de segunda mão, o upcycling[4] e o apoio a produtores locais e marcas que priorizam práticas sustentáveis.
Upcycling é um método que transforma os resíduos gerados pelas empresas em novos materiais. Desse modo, as organizações tendem a reduzir o desperdício, produzir menos lixo e, consequentemente, ajudar ativamente na preservação do meio ambiente[5]. Diferentemente da reciclagem, que usa energia para destruir a forma então transformar em algo novo, o upcycling reinsere a peça descartada no processo para então transformá-la. A peça é a matéria-prima, e o trabalho agrega valor a ela transformando-a em uma nova, com criatividade e baixo gasto de energia (porque não é preciso destruir nada)[6].
O fato é que a produção em massa de roupas descartáveis resulta em uma quantidade alarmante de lixo têxtil. A indústria da moda é uma das maiores poluidoras do mundo, contribuindo significativamente para a degradação ambiental[7]. Será que vale a pena sacrificar o planeta por roupas que mal duram uma estação? A resposta parece clara quando consideramos os danos irreparáveis causados ao meio ambiente.
Zygmunt Bauman, alerta que a curta expectativa de vida de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída na estratégia de marketing e no cálculo dos lucros: tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem)[8].
Além dos impactos ambientais, a moda rápida também afeta nossa identidade pessoal. A constante pressão para seguir as últimas tendências pode levar à perda de individualidade. Quando todos seguem os mesmos estilos ditados pelas grandes marcas, a diversidade e a criatividade são sacrificadas. Será que estamos realmente expressando nosso estilo pessoal ou apenas nos conformando com o que é imposto?
O sociólogo Manuel Castells, em seu livro A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, O Poder da Identidade[9], aborda a questão da identidade em um mundo globalizado. Castells argumenta que a identidade é uma construção social que se forma através das interações entre o indivíduo e a sociedade. No contexto da moda rápida, essa construção pode ser distorcida pela pressão para seguir tendências efêmeras, levando a uma identidade superficial e fragmentada. Em vez de desenvolver um estilo pessoal autêntico, muitos acabam adotando uma identidade imposta pelas grandes marcas e pelo consumo desenfreado.
Zygmunt Bauman diz que na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável.
Para ele, a “subjetividade” dos consumidores é feita de opções de compra – opções assumidas pelo sujeito e seus potenciais compradores; suas descrição adquire a forma de uma lista de compras. O que se supõe ser a materialização da verdade interior do self é uma idealização dos traços materiais – “objetificados” – das escolhas do consumidor.
Zygmunt Bauman, um dos mais influentes sociólogos contemporâneos, aborda em suas obras a complexidade das relações sociais na modernidade líquida, um conceito que ele próprio desenvolveu para descrever a fluidez e a volatilidade das relações, identidades e instituições na atualidade. A citação destacada reflete sua crítica à sociedade de consumidores, na qual a identidade e a subjetividade são moldadas e expressas predominantemente através do consumo.
Bauman argumenta que, na sociedade de consumidores, a identidade de um indivíduo é construída e validada por meio de suas escolhas de consumo. Isso implica que a subjetividade, ou seja, a capacidade de ser percebido como um indivíduo único com desejos e pensamentos próprios, é alcançada e mantida através da transformação contínua de si mesmo em uma “mercadoria vendável”. Essa mercadorização da identidade sugere que o valor do indivíduo é determinado pela sua capacidade de consumir e exibir bens que são considerados desejáveis pela sociedade.
Bauman nos convida a refletir sobre as consequências da sociedade de consumo para a formação da identidade individual. Ele sugere que essa dinâmica transforma as relações humanas e a percepção de si mesmo, onde o valor pessoal e a autenticidade são cada vez mais dependentes de fatores externos e materiais. Isso levanta questões importantes sobre a sustentabilidade desse modelo de sociedade, tanto do ponto de vista ambiental quanto social, e sobre a possibilidade de encontrar formas mais autênticas e menos consumistas de expressão da identidade.
A crítica de Bauman à sociedade de consumidores é um convite para repensarmos nossas próprias práticas de consumo e a busca por significado em um mundo cada vez mais materialista. Ele nos desafia a considerar como podemos cultivar uma subjetividade que valorize mais as experiências humanas, as relações autênticas e o desenvolvimento pessoal, em contraste com a acumulação e exibição de bens materiais.
Castells também discute como a globalização e a cultura de massa podem levar à perda de identidades locais e tradicionais. A moda rápida, com sua produção em massa e distribuição global, contribui para essa homogeneização cultural, onde as particularidades e tradições locais são substituídas por tendências globais uniformes. Isso não só empobrece a diversidade cultural, mas também enfraquece a conexão das pessoas com suas raízes e heranças culturais.
Então, como podemos equilibrar a necessidade de se sentir conectado com a sociedade e, ao mesmo tempo, manter nossa identidade única? A resposta pode estar na valorização da criatividade e da autenticidade. Em vez de seguir cegamente as tendências, podemos explorar diferentes estilos de forma consciente e sustentável. A reutilização, a customização e a compra de peças de segunda mão são alternativas que permitem a expressão pessoal sem prejudicar o meio ambiente.
Além disso, apoiar marcas que adotam práticas sustentáveis e éticas pode ser uma forma de promover uma moda mais responsável. Essas marcas frequentemente investem em materiais de alta qualidade e processos de produção justos, garantindo que suas peças não só durem mais, mas também respeitem os direitos dos trabalhadores e o meio ambiente.
A moda rápida apresenta um dilema complexo. Ela, sem dúvida, oferece a ilusão de acessibilidade e variedade, além disso, seus impactos negativos sobre o meio ambiente e a identidade pessoal são inegáveis. É essencial que, como consumidores, façamos escolhas mais conscientes e responsáveis. A moda deve ser uma celebração da individualidade e da criatividade, não uma corrida desenfreada por tendências efêmeras. Ao refletirmos sobre essas questões, podemos começar a construir um futuro mais sustentável e autêntico para a moda.
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[1] RIES; Al; RIES, Laura. A queda da publicidade e a ascensão das relações públicas. Lisboa: Notícias, 2002, apud JÚNIOR, Odilardo Viana de Avelar. Estratégias de marcas próprias nas lojas de departamentos. https://www.redalyc.org/pdf/4756/475647552005.pdf
[2] FERDOWS, Kasra. LEWIS, Michael A., MACHUCA, José A.D. Suprimento Imediato. Gestão da Cadeia de Suprimentos. Novembro,2004.
[3] https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/como-a-shein-escancara-os-problemas-da-industria-fast-fashion
[4] Na tradução livre, significa mais que reciclagem.
[5] https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pe/arquivos/o-que-e-upcycling-e-como-a-sua-empresa-pode-aderir-a-essa-tendencia,b16ac5a262798810VgnVCM1000001b00320aRCRD
[6] CARVALHAU, André. 1º edição, São Paulo: Paralela,2016.
[7] ONU pede a consumidores de moda mais reflexão antes de comprar: https://news.un.org/pt/story/2022/10/1804067
[8] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadorias. Zahar. 2007
[9] CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, O Poder da Identidade, Volume II. Tradução: Klauss Brandini Gerhardt, 1996. Paz e Terra.