Uma associação não pode assumir o polo ativo de ação civil pública promovida por ente associativo que, no curso da ação, veio a se dissolver (no caso, inclusive, por deliberação de seus próprios associados).
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu sem análise do mérito ação movida contra uma financeira acusada de estimular o superendividamento mediante publicidade supostamente abusiva, na qual oferece crédito a aposentados, pensionistas e servidores públicos incluídos nos cadastros negativos de proteção ao crédito.
A ação foi movida pela Associação Nacional dos Consumidores de Crédito (Andec). No curso do processo, entretanto, houve a dissolução da entidade, e o Instituto Mineiro de Políticas Sociais e de Defesa do Consumidor (Polisdec) requereu a substituição processual para assumir a titularidade da ação.
Incompatível
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deferiu o pedido de substituição ao fundamento de que, “não sendo a ação civil pública ou coletiva de titularidade privativa de ninguém (no que se distingue da ação penal pública), eventual causa que impossibilite a continuação da associação legitimada no polo ativo da lide não impede qualquer colegitimado de assumir a promoção da demanda, conforme interpretação dada ao parágrafo 3º do artigo 5º da Lei 7.347/85”.
No STJ, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu pela reforma da decisão. Ele reconheceu que, “em linha de princípio, afigura-se possível que o Ministério Público ou outro legitimado, que necessariamente guarde uma representatividade adequada com os interesses discutidos na ação, assuma, no curso do processo coletivo (inclusive com a demanda já estabilizada, como no caso dos autos), a titularidade do polo ativo da lide”.
Essa possibilidade, explicou, “não se restringe às hipóteses de desistência infundada ou de abandono da causa, mencionadas a título exemplificativo pelo legislador (numerus apertus). Todavia, essa compreensão quanto à possibilidade de assunção do polo ativo por outro legitimado não se aplica – ressalta-se – às associações, porque de todo incompatível”.
O entendimento do ministro, acompanhado de forma unânime pela turma, foi construído a partir de decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em debate sobre a legitimidade das associações para propor ação coletiva.
Autorização
“No específico caso das associações, de suma relevância considerar a novel orientação exarada pelo STF que, por ocasião do julgamento do RE 573.232, sob o regime do artigo 543-B do Código de Processo Civil, reconheceu, para a correta delimitação de sua legitimação para promover ação coletiva, a necessidade de expressa autorização dos associados para a defesa de seus direitos em juízo, seja individualmente, seja por deliberação assemblear, não bastando, para tanto, a previsão genérica no respectivo estatuto”, disse o relator.
Segundo Bellizze, no caso específico das associações, tal exigência confere ao magistrado, ao proceder ao controle da representatividade adequada do legitimado, a possibilidade de melhor mensurar a abrangência e, mesmo, a relevância dos interesses discutidos na ação, permitindo-lhe, inclusive, na ausência daquela, obstar o prosseguimento do feito, em observância ao princípio do devido processo legal à tutela jurisdicional coletiva, a fim de evitar o desvirtuamento do processo coletivo.
Concluiu, assim, sob o aspecto da representação, que é inconciliável a situação jurídica dos então representados pela associação dissolvida com a dos associados do “novo ente associativo”, ainda que em tese os interesses discutidos na ação coletiva sejam comuns aos dois grupos de pessoas. Por tal razão, e considerando que o Ministério Público, ciente da dissolução da demandante, não manifestou interesse em prosseguir com a ação, extinguiu o feito sem julgamento de mérito.
O relator ressalvou, contudo, a possibilidade de a Polisdec ajuizar nova ação coletiva, com expressa autorização de seus associados, para tutelar o interesse do grupo por ela representado.
Fonte: STJ