A 5ª Câmara Cível do TJRS condenou o Estado do Rio Grande do Sul a indenizar em R$ 50 mil uma professora presa e torturada psicologicamente na sede da Polícia Civil gaúcha durante a Ditadura Militar. Ela foi submetida a um interrogatório por suspeita de liderar e planejar o sequestro do Cônsul Americano, ocorrido em Porto Alegre no ano de 1970. A decisão é de 27/8.
Caso
A autora da ação narrou que foi levada presa por oito homens armados com metralhadoras, alguns fardados, em uma noite de 1970. Eles invadiram o imóvel em que ela morava e confiscaram seus livros de filosofia, de política e de sociologia. Toda a operação, segundo a professora, foi realizada na frente do seu filho mais velho, o qual estava sob a mira das armas.
Ela foi presa e torturada para que informasse os nomes dos colegas esquerdistas que teriam planejado o sequestro do Cônsul Americano. Descreveu que o interrogatório tinha o objetivo de impedir a coordenação do pensamento e fazê-la dizer o que queriam saber.
Ação Indenizatória e defesa do Estado
Em julho de 2012, a professora ingressou com ação indenizatória contra o Estado do Rio Grande do Sul, alegando ainda ter sequelas do interrogatório e já ter perdido oportunidades profissionais por estar fichada no DOPS. Também defendeu ser inaplicável o prazo de prescrição do caso, porque à época dos fatos vivia-se num regime de exceção. Duas testemunhas depuseram em seu favor.
O réu defendeu a prescrição da ação e a responsabilidade da União pelo caso, pois o regime em questão fora instaurado por um golpe militar, que tomou o poder em nível nacional. Ainda, alegou que a autora da ação não poderia se fundar em hipóteses ou conjunturas, devendo demonstrar o prejuízo para que houvesse a indenização por danos morais.
Sentença
O caso foi analisado pela Juíza de Direito Lílian Cristiane Siman, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, que julgou procedente o pedido da professora. A magistrada condenou o Estado a pagar R$ 30 mil por danos morais.
De acordo com a julgadora, documentos juntados ao processo comprovam que a autora foi submetida à identificação na Secretaria de Segurança Pública em abril de 1970. Além disso, segundo uma testemunha, a professora foi levada à sede da Polícia Civil gaúcha, referindo que as prisões eram efetivadas com o apoio da Brigada Militar.
Para a Juíza de Direito, mesmo que não houvesse a referida comprovação, os danos são presumíveis e decorrem da humilhação e tortura sofrida.
Recurso
Inconformados, ambos recorreram ao TJRS. A autora da ação pediu a majoração do valor indenizatório. O Estado alegou que conter ficha no DOPS não significa que tenha havido prisão. Alternativamente, requereu a redução da indenização.
Relator do processo na 5ª Câmara Cível do TJRS, o Desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto aceitou apenas o pedido da professora e aumentou o valor da indenização para R$ 50 mil.
Para o Desembargador, deixar de reparar significa anuir com essa prática odiosa durante o regime autoritário e de exceção pelo qual passou há muito este país. O magistrado ainda afirmou que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito, reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia com um governo autoritário.
Trata-se da redução de um ser humano à condição de coisa, sem valor, (…) qual seja a tortura, ainda que psicológica devido à perseguição sofrida, sem dúvida que esta destitui a vítima de sua dignidade, mal este que merece reparação, concluiu o magistrado em sua decisão.
A Desembargadora Isabel Dias Almeida e a Juíza-Convocada Maria Cláudia Mércio Cachapuz votaram de acordo com o relator.
Apelação Cível nº 70060551827