Estado Democrático de Direito
A Constituição da República Federativa do Brasil, que garante instalar, neste País, um Estado Democrático de Direito, com fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dentre outros, visando construir, no solo pátrio, uma sociedade livre, justa e solidária, garante, também, aos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros direitos sociais que visem à melhoria de sua condição social, o direito fundamental a um salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (CF, art. 7º, IV).
A Constituição cidadã, pelo visto, garante ao trabalhador, no Brasil, não, apenas, um salário mínimo individual, para atender suas necessidades normais com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, como assim, estabelece, ainda, no plano da legislação ordinária, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (arts. 76 e 81, caput), mas determina, expressamente, ao legislador comum, a fixação de um salário mínimo familiar e socialmente digno, que atenda, também, às necessidades vitais básicas com educação, saúde, lazer e previdência social do trabalhador e de sua família.
Histórico jurídico do salário mínimo
No entanto, o histórico jurídico do salário mínimo, no País, sob o ângulo formal e material, é de manifesta agressão ao comando constitucional, desde a edição de seu primeiro diploma normativo, o Decreto nº 2.162, de 1º/05/1940, que o quantificara em Cr$0,22 (vinte e dois centavos) até a publicação de ato normativo que, ainda hoje, no limiar do Terceiro milênio, pretende fixá-lo em quantia próxima dos arraiais da fome e da miséria nacional.
Tal salário mínimo, desgarrado do conteúdo sócio-econômico do texto constitucional, não garante, sequer, o mínimo existencial do trabalhador individual, agredindo-lhe a sobrevivência, a cidadania e sua dignidade de pessoa humana, enquanto aumenta os espaços da pobreza e da miséria no cenário nacional, multiplicando os focos de marginalização e de exclusão social.
O salário-mínimo constitucional, enquanto garantia de sobrevivência digna da entidade familiar, caracteriza-se como direito humano, conforme assim fora considerado, pela primeira vez, no tratado de Versalhes, e, ainda, assim o é, formalmente garantido nas relações internas e internacionais da República Federativa do Brasil (CF, arts. 1º, IV e 4º, II), como nas relações dos demais povos livres e civilizados.
A Constituição Federal não somente determinou de modo vinculante, o conteúdo material da lei do salário-mínimo, no País, mas, também, estabeleceu comandos normativos de proteção ao salário do trabalhador (CF, art. 7º, IV a XXXIV), tanto que a ordem econômica, neste País, há de fundar-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando, dentre outros, os princípios da função social da propriedade, da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego (CF, art. 170, caput, incisos III, VII e VIII).
O salário-mínimo, de que cogitam as forças governistas-neoliberais, no Brasil, só patrocina e difunde o cenário de miséria, no País, a não mais permitir, na visão do poeta:
“Que o pão encontre na boca o abraço de uma canção inventada no trabalho, mas a fome fatigada de um suor que corre em vão.”[1]
[1]Mello, Thiago de . “Canto do Amor Armado” – Moraes Editores – Lisboa. 1974, p. 62. Poema: “O pão de cada dia”.
Antônio Souza Prudente é Juiz Federal e Professor da Universidade Católica de Brasília (DF)
Artigo publicado na 48ª edição do Jornal Estado de Direito. Acesse aqui!