Doador anônimo de sêmen vs. indivíduo nascido de reprodução assistida heteróloga

Titulo: Doador anônimo de sêmen vs. indivíduo nascido de reprodução assistida heteróloga: um novo round no embate entre diferentes direitos fundamentais.

Uma recente decisão do Tribunal Federal Alemão, proferida em 28 de janeiro de 2015, envolvendo os direitos fundamentais entrelaçados à reprodução assistida heteróloga, reacendeu uma série de questões. Ao observar-se a reprodução assistida heteróloga, consistente em biotecnologia na qual parcela (ou mesmo a totalidade) do material genético, utilizado para fins de reprodução, não pertence aos “ditos pais” (mas sim à terceiros doadores anônimos), reflete-se sobre os direitos fundamentais dos “filhos da técnica”, assim como a posição de seus direitos frente aos dos doadores (que na Alemanha também podem ser “vendedores” de sêmen ou óvulos), entre outros temas.

O caso analisado pela corte alemã: dois menores de idade nascidos de reprodução heteróloga, devidamente representados por seus pais legais (entendidos como os constantes dos registros públicos), ingressaram com ação judicial intentando conhecer não apenas a identidade genética de seu pai biológico (doador anônimo de sêmen), mas a sua identidade civil. Em instância inicial a demanda foi julgada improcedente, entendendo o julgador que à clínica responsável pelo procedimento cabia o dever de resguardar a identidade do doador de material genético essencialmente: a) em razão do direito de privacidade do doador; b) em razão da existência de documento firmado pelos “pais legais” atestando que abririam mão de conhecer a identidade do doador.

Quando da análise do recurso, o Tribunal Federal alemão entende pela revisão da decisão de improcedência. Constando do julgamento que os “filhos da técnica” teriam o direito fundamental de conhecer sua origem. No entanto, esta não foi a novidade da decisão. A novidade foi o reconhecimento do direito ao conhecimento não apenas da identidade genética do doador, mas de sua identidade civil. “Identidades” estas que possuem dimensões distintas (espectros não idênticos dos direitos de personalidade).

A questão em si não é simples (razão pela qual não pretende-se nestas brevíssimas linhas aprofundá-la), limitando-se aqui a afirmar que o conhecimento da identidade genética do doador de material genético (que possui implicação na saúde dos filhos) não ocasiona a necessária informação quanto à identidade civil. Atente-se que para sanar, ou mesmo diagnosticar, problemas de saúde, bastaria aos “filhos da técnica” conhecer as informações genéticas do pai biológico. Questiona-se: seria o livre desenvolvimento da personalidade justificativa suficiente para romper-se a privacidade do doador anônimo, e, em caso positivo, quais seriam os contextos necessários para tanto? E, tem-se início as inquietudes…

A primeira inquietude consubstancia-se no anúncio, operado por esta decisão (mesmo que consistente em uma ponderação de direitos fundamentais em um contexto em concreto), da “morte” do sistema de doação anônima de material genético humano para fins reprodutivos. Isto porque, ao conhecer o risco de ter a identidade desvelada, o doador pode, mesmo que aos poucos, desaparecer.

A segunda inquietude refere-se às responsabilidades que podem ser atribuídas aos pais biológicos. Veja-se que na Alemanha, onde proferida a decisão em observação, o indivíduo, ao descobrir sua origem genética, pode requisitar judicialmente o desfazimento do vínculo legal (com o pai legal). O que em alguma medida pode conduzir à conclusão de que o filho poderá, em dado momento, “eleger o melhor pai”, eventualmente, desde uma perspectiva patrimonial.

Assim, sem qualquer pretensão de enfrentar-se aqui o tema com maior profundidade, tem-se apenas por operar algumas provocações: a) se estaria caminhando para o estabelecimento de uma hierarquia de direitos fundamentais? b) a biotecnologia estaria redesenhando os direitos fundamentais, assim como sua ponderação, ou mesmo o direito de família? Deixa-se um convite a reflexão…

Ricardo Marchioro Hartmann. Doutorando em Direito pela Universidade de Burgos (UBU/ES). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Advogado.

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