Ditaduras e Direitos Humanos – (Sobre)Vivendo ao regime uruguaio (1973 – 1985)

       

Coluna (Re)pensando os Direitos Humanos, por Ralph Schibelbein, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

         Um dos maiores desrespeito aos direitos humanos na América latina ocorreu poucos anos após a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) e o marco inicial da internacionalização desses direitos fundamentais à dignidade humana.

        Na tentativa de evitar-se novos genocídios e desastres como os ocorridos no contexto da II Guerra Mundial a ONU foi fundada, mas não foi capaz de impedir que um novo conflito em proporções mundiais manchasse novamente a vida. Entre os anos 1960 e 1980, em meio a guerra fria que dividia o mundo entre os países capitalistas liderados pela potência Estadunidense e as nações socialistas, comandadas pela potência soviética, o continente latino-americano foi palco de inúmeras ditaduras militares.

        Tendo medo como presença marcante, o cenário do início da segunda metade do século XX foi de muito autoritarismo, violência, censura, perseguições e mortes. Sob apoio dos Estados Unidos, países latinos foram tomados por regimes ditatoriais que buscavam a qualquer custo impedir a crítica política e os movimentos sociais.

        Em cada país do continente a ressaca das ditaduras ocorre de uma maneira particular. Desde transições lentas até rupturas abruptas, o caminho para a redemocratização foi tomando formas diversas. Há casos como Argentina que os envolvidos com autoritarismo foram processados e condenados a cumprir penas em função da violação dos Direitos Humanos por parte do Estado. E há casos como o Brasil onde a lei de anistia e a pouca valorização de políticas da memória, não levou a um debate mais sério e profundo sobre a violação dos Direitos Humanos no período a partir de 1964. Hoje pretendemos jogar uma luz ao caso uruguaio.

        Atualmente vemos cenas de jovens e adultos clamando a volta destes regimes autoritários. O que nos faz pensar em ingenuidade intelectual e desconhecimento mais profundo sobre as ditaduras. Ou ainda uma questão ética duvidável e, portanto, uma demonstração de gosto pela violência e falta de empatia. De toda a forma, o texto propõe-se realizar uma visita a esse passado sombrio, não por dados sociais de macroestrutura ou análise do endividamento econômico para inflar a falsa sensação de otimismo, mas por relatos da vida de dois seres humanos perseguidos, presos e torturados nessa época. Ambos vivem em Porto Alegre e viveram o pior da ditadura uruguaia que assolou nossos hermanos entre 1973-1985.

        Guillermo Rallo é uruguaio, comerciante que era uma das principais representações do sindicato dos comerciantes em Montevidéu na década de 1960. Após uma década de trabalho, foi demitido sem nenhum direito, em função da sua ligação com o sindicalismo. Em meio a uma crise econômica e principalmente percebendo a repressão e violência do regime aumentando, Guillermo, que a época estava com sua esposa esperando seu primeiro filho, dá-se conta que palavras não seriam mais suficientes para frear o avanço daquela ditadura. Após o assassinato de uma amiga, pela polícia, em meio a um protesto na universidade da república do Uruguai, ele toma a decisão de entrar para a luta armada. Em 1969, Rallo entrou para o Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T). O revolucionário foi preso em 1972 e permaneceu como preso político por mais de 12 anos.

        Guillermo foi capturado em um domingo frio do típico inverno uruguaio. Atualmente com 82 anos, muito lúcido, recorda com nitidez os anos em que esteve aprisionado. Conta que a principal tortura que lhe era empregada, na busca de mais informações, era a do afogamento. Guillermo é um artista. Não pelos seus belos e profundos poemas, tampouco pelas sensíveis pinturas, mas pela sua forma de ver e de viver a vida.

        Rosa Beltrame tem uma história que irá lhe render um livro e um documentário. Ambos estão sendo produzidos, tal é a singularidade de sua vida. Ela que era uma adolescente questionadora e buscava ser médica, viu-se de repente presa, violentada, torturada e estuprada por militares uruguaios. Não bastando esse grau de violência sob a jovem que não possuía nenhum envolvimento com guerrilha, a não ser contato com sindicalistas e grupos de jovens, ela em uma das violências sexuais engravidou.

        Após conseguir fugir do Uruguai, Rosa veio reconstruir sua vida no Brasil. Ainda jovem realizou curso de técnica em enfermagem, envolveu-se em movimentos de luta pela moradia, grupos políticos de esquerda e criou uma família em meio a todas essas dificuldades. 

        Quando alguém fala de ditadura, deve lembrar-se de cada vida humana que é esmagada, sem qualquer direito ou dignidade. Deve lembrar da violência, opressão e medo que são instaurados. Mas quando alguém fala em ditadura, devemos responder como Rosa e Rallo. Firmes, humanos, sonhadores e cidadãos.  Sempre com a preocupação de falar no plural e reforçar que ninguém faz nada sozinho, Rallo e Rosa seguem. Participam ativamente dos debates políticos e da conjuntura atual brasileira.

        Em recente encontro recebi de Guillermo Rallo o livro com os poemas que criou enquanto estava preso. Chama-se e vem acompanhado de pinturas que ele mesmo fez com pedaços de azulejo e tinta, dentro da cela em que sobreviveu por 12 anos. Quanto ao livro e documentário de Rosa Beltrame, devem ficar prontos ainda esse ano. E vão trazer os detalhes dessa vida que certamente é impressionante.

        Aos que podem questionar, respondo que toda ditadura desrespeita os Direitos Humanos. E que os horrores cometidos pelo Estado nos anos desses regimes, seguem praticamente impunes.

RALLO, Guillermo. Contos de amor y dolor. – Porto Alegre (CORAG), 2013.

 

 *Ralph Schibelbein é Professor, Mestre em Educação (UDE/ UI – Montevidéu- 2016), onde estudou a relação da educação e dos Direitos Humanos com o processo de (re)socialização. Pós-Graduado em História, Comunicação e Memória do Brasil pela Universidade Feevale (2010), sendo especialista em cultura, arte e identidade brasileira. Possui licenciatura plena em História pelo Centro Universitário Metodista IPA (2008) e pela mesma faculdade é graduado também em Ciências Sociais (2019). Atualmente é Mestrando em Direitos Humanos na Uniritter e cursa licenciatura em Letras/Literatura (IPA). Email: rschibelbein@gmail.com – http://lattes.cnpq.br/2564622103700471

 

 

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