Coluna Instante Jurídico
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Uma postagem diferente
O tempo passa e as notificações de amizade nas redes sociais só aumentam. No meu caso, as solicitações, em sua maioria, são oriundas de amigos de infância, contatos profissionais ou alunos recém-chegados à faculdade. Como é de se esperar, as timelines são geralmente preenchidas por vídeos ou fotos dessas mesmas pessoas, retratando momentos de sua cotidianidade.
Dia desses, uma postagem chamou a minha atenção: alguém (não sei exatamente quem) inseriu uma imagem da deusa Têmis acompanhada de uma frase (mais especificadamente uma palavra-chave precedida pelo símbolo “#”) que parecia traduzir um sentimento: #Direitoporamor.
A partir da declaração, uma reflexão
Foi então, a partir dessa declaração, que me permiti refletir um pouco: o Amor, segundo Platão, é a ânsia de ajudar o eu próprio autêntico a realizar-se. Assim, como a vontade humana tende para o Bem e para o Belo, é natural que essa realização transcenda as características do indivíduo quando da contemplação da beleza, subjugando-se, portanto, a razão. Pensar em sentido diverso seria o mesmo que inviabilizar a compreensão do que seria o Amor (nos termos trabalhados por Platão); e isso é algo que precisa ser observado.[1]
Partindo dessa constatação, é possível deduzir que a referida postagem (assim como outras dessa mesma natureza) pode não reproduzir o real sentido da palavra. Segundo Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo, o Amor é, por excelência, um mistério e, por tal motivo, sua compreensão não se torna possível (ao menos racionalmente), o que faz com que qualquer esboço de classificação ou definição devam ser repudiados.[2]
Em tempos de Modernidade Líquida
Ocorre que, em tempos de Modernidade Líquida, onde as relações se misturam e se condensam através de laços momentâneos e volúveis,[3] alguns usuários das redes sociais parecem ter alcançado uma nova maneira de atribuir inteligibilidade à palavra Amor. Ao associá-la, por exemplo, ao Direito, é possível observar a supressão de algumas noções tradicionais do Instituto por uma perspectiva recheada de vaguezas na forma e indeterminabilidades no conteúdo.
E o que isso quer dizer na prática? Bem, na verdade, ao menos duas coisas: que o Direito tem sido estudado de forma estandardizada e que sua importância, em alguns casos, passou a ser banalizada.
Eis uma rápida descrição do atual cenário brasileiro: de um lado, vislumbra-se uma realidade onde se exalta uma cultura jurídica marcada por clichês e fórmulas prontas para se passar nos concursos e na prova da OAB;[4] enquanto que, do outro, observa-se situações em que a Ciência Jurídica soçobra diante da atuação de alguns profissionais adeptos da leitura facilitada e dos modelos mastigados que se encontram na internet.
O romantismo pelo Direito
Ao que parece, o romantismo pelo Direito saiu de moda, o Amor verdadeiro foi banalizado, diminuído a um conjunto de experiências acadêmicas ou profissionais que alguns operadores simplesmente resolveram chamar de Amor. Horas ouvindo singles jurídicos ou palavras-chave relacionadas com o assunto que se pretende memorizar se tornaram, de repente, “a maneira certa” de se estudar. Não existe mais o “fator olheiras”[5]. A palavra Amor, nesses casos, não pode ser assim idealizada, sob pena de se tornar completamente descontextualizada, uma vez que metafísica e ilusória.[6]
É preciso ter cuidado com algumas associações que fazemos através das redes sociais. Não podemos simplesmente dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, principalmente se o que está em jogo é o estudo ou o exercício profissional do Direito. Por tal motivo, o Amor, deve ser o seu fundamento último, e não o primeiro, assim como creem alguns usuários das redes sociais.
Notas e referências bibliográficas:
[1] AZEVÊDO, Bernardo Montalvão Varjão. O amor como fundamento legitimador do Direito. Revista Digital Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=263>. Acesso em 13 set. 2016.
[2] Idem.
[3] Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
[4] STRECK, Lenio Luiz. Senso incomum – Diálogos publicitários e neopentecostalismo jurídico. Revista Digital consultor jurídico, Brasília, 24 jan. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jan-24/senso-incomum-dialogos-publicitarios-neopentecostalismo-juridico >. Acesso em: 13 set. 2016.
[5] STRECK, Lenio Luiz. Senso incomum – O protótipo do estudante de Direito ideal e o “fator olheiras”. Revista Digital consultor jurídico, Brasília, 24 jan. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-out-23/senso-incomum-prototipo-estudante-direito-ideal-fator-olheiras>. Acesso em: 13 set. 2016.
[6] Em sentido semelhante: BETSY, Giseli. Zygmunt Bauman: vivemos tempos líquidos. Nada é para durar. In: Obvius – de dento da cartola. Disponível em: <http://lounge.obviousmag.org/de_dentro_da_cartola/2013/11/zygmunt-bauman-vivemos-tempos-liquidos-nada-e-para-durar.html> . Acesso em 13 set. 2016.