Direito Humano Fundamental à Saúde na Visão dos Tribunais

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Saúde pública

O governo federal divulgou em 27 de janeiro deste ano, “no “Diário Oficial da União”, lista com 52 produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) – atualmente importados – que quer ver produzidos pela indústria farmacêutica brasileira. O anúncio funciona como um chamamento para laboratórios públicos e privados participarem de uma parceria de desenvolvimento produtivo (PDP), promovida pelo Ministério da Saúde, para transferir tecnologia de produtores e detentores de patentes estrangeiros e ampliar a fabricação nacional de medicamentos, matérias primas e sínteses químicas, reduzindo a dependência externa do país.” (cf. Luciano Máximo. Governo quer ampliar produção de remédios. Valor On Line. 27/01/2017. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/4849350/governo-quer-ampliar-producao-de-remedios > Acesso em: 18/07/2017)

Por outro lado, a rede pública de saúde do Distrito Federal (DF) possui 104 medicamentos não disponíveis para a população. (cf. Farmácia popular do DF registra falta de medicamentos. EBC. 12/07/2017. Disponível em: < http://radios.ebc.com.br/reporter-nacional-brasilia/2017/07/farmacia-popular-do-df-tem-falta-de-medicamentos >. Acesso em: 18/07/2017)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso Damião Ximenes Lopes, em 2006, no que se refere à responsabilidade internacional por direitos humanos, trazendo consequências para o País a respeito de políticas públicas de saúde mental, dentre as quais é possível inserir o fornecimento de medicamentos para tratamento de doenças mentais.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, por seu turno, foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948. Em seu artigo 25, traz: “1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.” (grifo nosso)

As Nações Unidas (ONU), partindo de sua instituição, participa na promoção e tutela de bons níveis de saúde em esfera global. No panorama do Sistema das Nações Unidas se encontra a Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua Constituição passou a vigorar em 7 de abril de 1948.

Segundo a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS / WHO) de 1946:

“A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”

Foto: OPAS/OMS

Foto: OPAS/OMS

Direito de todos e dever do Estado

O artigo 196 da Constituição brasileira vigente prevê que a saúde se trata de direito de todos e dever do Estado, assegurado por políticas sociais e econômicas que atendam a perspectiva coletiva do direito, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse sentido, decidiu o STF (Supremo Tribunal Federal):

O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isso por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional.

[RE 607.381 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 31-5-2011, 1ª T, DJE de 17-6-2011.]

ARE 774.391 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 18-2-2014, 1ª T, DJE de 19-3-2014

Ainda nesta direção temos:

O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.

[AI 734.487 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 3-8-2010, 2ª T, DJE de 20-8-2010.]

Vide RE 436.996 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 22-11-2005, 2ª T, DJ de 3-2-2006

Vide RE 271.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 12-9-2000, 2ª T, DJ de 24-11-2000

Nesse quadro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) legitima o Ministério Público (MP) para a defesa do direito à saúde e à vida, quanto ao fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, por meio de ação civil pública:

PROCESSUAL  CIVIL.  ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS  E  DE  TRATAMENTO  DE  SAÚDE.  OFENSA  AO  ART. 535 DO CPC/1973  NÃO  CONFIGURADA.  LEGITIMIDADE  ATIVA DO PARQUET. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.

  1. Hipótese em que o Tribunal local consignou: “ao ajuizar uma ação para defesa de interesses individuais de capaz, o Ministério Público extrapola os  limites  constitucionais  de  sua  atuação” e “se for hipossuficiente,  sua  defesa poderá ser patrocinada pela Defensoria Pública,  caso  não  possua  advogado  particular  para tanto” (fls.139-140, e-STJ).
  1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do CPC/1973, uma vez que o Tribunal de  origem  julgou  integralmente  a  lide  e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
  1. O Superior  Tribunal  de  Justiça entende que, por se tratar de direito à saúde, o Parquet pode ajuizar Ação Civil Pública em defesa de    direito   individual   indisponível.   Nesse   sentido:   REsp 1.520.824/ES,  Rel.  Ministro  Herman  Benjamin,  Segunda Turma, DJe 7.10.2016;  AgRg  no REsp 1.470.167/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,  Segunda  Turma,  DJe  2.12.2014;  REsp  1.365.202/MG, Rel. Ministro  Og  Fernandes,  Segunda Turma, DJe 25.4.2014; AgRg no REsp 1.327.846/MG,  Rel.  Ministro  Napoleão  Nunes  Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9.6.2015.
  1. Recurso Especial provido.
Foto: UNICEF / Olivier

Foto: UNICEF / Olivier

Por sua vez, na mesma esteira, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT), assim decide:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. REALIZAÇÃO DE EXAME PET-CT (PET/SCAN). RECUSA. CUSTEIO DE MEDICAMENTOS NÃO INCLUÍDOS NO ROL DA ANS.

1. A não garantia de cobertura de procedimento ou tratamento indicado por profissional médico que acompanha o quadro de saúde do segurado/beneficiário, quando indispensável à manutenção de sua saúde e vida, – além de violar a legislação consumerista – vulnera a finalidade do pacto estabelecido entre as partes, ofendendo, assim, a boa-fé contratual e sua função social, previstas nos arts. 421 e 422, do CC.

2. Uma vez que existe cobertura contratual para a enfermidade que acomete a segurada, cabe ao profissional de saúde, e não à seguradora, a escolha do tratamento médico adequado. Precedentes.

3. As disposições normativas utilizadas para definir o rol de procedimentos médicos ou tratamentos a serem observados pelas operadoras de plano de saúde possuem caráter exemplificativo, constituindo-se referência básica para a cobertura assistencial ofertada pelas operadoras, justamente para possibilitar a inclusão de novas formas de tratamento mais eficazes e individualizadas. Não por outro motivo, a Resolução Normativa nº 387/2015, da ANS, em seu art. 28, expressamente prevê que “O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde deverá ser revisto periodicamente a cada 2 (dois) anos, podendo ser atualizado a qualquer tempo, segundo critérios da ANS”.

4. Dadas as particularidades do organismo da autora e da gravidade de sua patologia, sua moléstia só poderia ter chance de ser controlada mediante o uso da medicação pleiteada, prescrita pelo médico responsável pelo seu tratamento, presumindo-se, assim, que é o que melhor atenderia às suas necessidades.

5. O quantum indenizatório fixado a título de danos morais deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando, no caso concreto, a extensão e a gravidade do dano, a capacidade econômica do agente, além do caráter punitivo-pedagógico da medida. Mantido o valor arbitrado pela sentença.

6. Apelação e apelo adesivo não providos.

 

Publicado no DJE : 23/05/2017 . Pág.: 791/811

 

Enquanto isso, com fundamento nas Súmulas da Seção de Direito Privado do TJ / SP, temos:

Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.

Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.

Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

 

Direito humano fundamental

Finalmente, resta-nos cristalino que o direito à saúde se trata com razão de um direito humano fundamental, devendo ser efetivado na realidade social concreta e tendo como base documentos e julgados internacionais, bem como na legislação e tribunais do Brasil. Formas de se concretizar esse direito ocorrem seja por políticas públicas (social), seja pela via judicial (indivíduo/social). Com isso, é preciso privilegiar o âmbito social, sem prejuízo da esfera do indivíduo. Nossa Constituição brasileira prevê que o Judiciário não deve deixar de analisar casos que lhe solicitem (art. 5º, XXXV).

Além disso, vale lembrar que o direito à saúde se trata de norma fundamental de aplicação imediata, o que facilita o seu cumprimento. Diante do exposto, fica evidente o dever de se fornecer medicamentos para tratamentos médicos, o que se pode fazer com êxito através de parcerias entre laboratórios públicos e privados. O poder econômico nesta direção é, assim, bem-vindo, não visando somente lucro, mas também o bem-estar da população. E, como visto, por fim, o Judiciário vem desempenhando seu papel no panorama com sucesso, atendendo os direitos dos cidadãos, e zelando, então, pela cidadania.

 

Nicolas Merlone
Nicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Direito Constitucional em Debate – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado.
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