Ao Direito Eleitoral compete, com seu conjunto de normas, viabilizar que o resultado das eleições reflita a vontade livre e soberana dos eleitores. Por tal razão, esse ramo do Direito é da essência da democracia, visto que esta pressupõe, minimamente, a realização de eleições livres, periódicas e sem vícios, sendo imperativas a confiabilidade e a fidedignidade do resultado. É, nessa dimensão, que se revela a importância do controle das eleições, que tem, em sua vertente contenciosa, papel de imprescindível destaque para o fortalecimento democrático e para a lisura dos pleitos.
Não se pode, pois, desconsiderar a relevância do Direito Eleitoral e de sua vertente jurisdicional, tendo em vista que o controle das eleições, realizado pela Justiça Eleitoral, contempla o ideal democrático do Estado Constitucional. Afinal, para que se possa falar em Estado Democrático, não se pode prescindir que a realização das eleições periódicas e livres seja impermeável, tanto quanto possível, a vícios e fraudes eleitorais. E essa democracia representativa é garantida pelo Direito Eleitoral, que disciplina as normas, institutos e conceitos capazes de fazer com que o resultado das urnas reflita a vontade soberana do conjunto de eleitores.
Para tanto, de suma importância é o Direito Processual Eleitoral, visto que o contencioso eleitoral viabiliza o controle jurisdicional das eleições, buscando impedir que influências perniciosas – como o abuso de poder, tanto político quanto econômico, a captação ilícita de sufrágio e de recursos, a corrupção e a fraude – maculem o processo eleitoral e a formação da escolha livre pelos cidadãos.
No entanto, esse controle jurisdicional encontra-se fragilizado no Brasil, em decorrência da insegurança jurídica do Direito Processual Eleitoral, que não assegura, de forma mais substancial, os ideais de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade. É sabido que a ausência de segurança jurídica não é um “privilégio” do Direito Eleitoral. Contudo, inegavelmente tal situação se agrava nesse relevante ramo do Direito. Para demonstrar a perniciosa insegurança existente, merecem relevo a insegurança legislativa e a insegurança jurisprudencial.
A insegurança legislativa decorre muito da instabilidade legislativa, fruto da inflação normativa existente, em que são cada vez mais comuns leis efêmeras, com pouco grau de abstração e com qualidade técnica duvidosa. Trata-se de uma característica de nosso ordenamento jurídico como um todo, mas que ganha ainda mais realce quando se examina o Direito Eleitoral, em razão do caráter esparso da legislação, sem uma codificação ou uma consolidação legislativa, da constante alteração das leis eleitorais e da elaboração de minirreformas eleitorais, ocorridas especialmente a cada quatro anos, às vésperas das chamadas eleições gerais. A novidade da vez foi a mudança legislativa ocorrida às portas de uma eleição municipal, consubstanciada na Lei n. 13.165/2015. Assim, parece que não mais a cada quatro, mas sim a cada dois anos, a legislação eleitoral sofre substancial modificação.
E para agravar essa instabilidade, o Poder Legislativo não é a única fonte legiferante em matéria eleitoral. Ocorre que a Justiça Eleitoral possui, também, verdadeirafunção normativa, sendo comum a elaboração de Resoluções, com força delei ordinária, por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Claro que o exercício dessa função decorre, muitas vezes, da omissão do Poder Legislativo, que é agravada em matéria eleitoral, visto que os Legisladores, nessa matéria, mais do que árbitro da disputa, são os verdadeiros jogadores e destinatários das normas.
Além da instabilidade legislativa, contribui para a insegurança jurídica a insegurança jurisprudencial, em razão das interpretações, muitas vezes dissonantes e claudicantes, com mudanças de orientação, que podem gerar uma menor confiabilidade e calculabilidade ao Direito Eleitoral.
Impõe-se salientar que a jurisprudência tem, por característica, sua maleabilidade, sua flexibilidade, possuindo maior facilidade de adaptação em relação ao Direito escrito, sendo necessária a evolução jurisprudencial para que não haja um divórcio entre o Direito e a realidade. Entretanto, as divergências jurisprudenciais e as decisões incompreensíveis para os seus destinatários são fontes de insegurança jurídica.
E a instabilidade jurisprudencial é potencializada no Direito Eleitoral, que, além de conviver com constantes alterações legislativas, é caracterizado pelas mudanças jurisprudenciais, muito em razão da modificação da composição dos Tribunais, tendo em vista que os juízes eleitorais cumprem mandatos de dois anos, podendo ser reconduzidos apenas para mais um biênio. Em decorrência disso, não é incomum se deparar, dentro de uma mesma eleição, em período muito curto de tempo, com orientações jurisprudenciais distintas, fruto da alteração da composição dos tribunais.
É pertinente que se assinale que, no Direito Eleitoral, a insegurança jurídica é tanta que não se admira que haja, até mesmo, desconhecimento de qual regra é válida, o que gera uma falta de inteligibilidade do ordenamento jurídico, retirando do Direito a sua função de orientação. Ademais, há uma ausência de confiabilidade do Direito, tendo em vista a inconstância das decisões, não havendo verdadeira calculabilidade do ordenamento jurídico.
Sendo a insegurança legislativa e a insegurança jurisprudencial cristalinas, imperativo é o desenvolvimento de uma doutrina sólida, que busque oferecer parâmetros seguros para a aplicação dos textos normativos e para a elaboração das decisões pelos tribunais eleitorais. Esse é o papel que se espera da doutrina eleitoralista, a fim de permitir, não apenas aos profissionais do Direito, mas também aos jurisdicionados, um mínimo de segurança e estabilidade em tão relevante ramo do Direito, essencial para nossa cambaleante democracia.
Artigo publicado na 49ª edição do Jornal Estado de Direito.