Artigo veiculado na 27ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.
Leandro Vanderlei Nascimento Flôres*
É fato incontroverso que nos últimos anos a Construção Civil brasileira vive uma fase extraordinária. Desde o boom imobiliário dos anos 70 e 80 o país não via algo parecido. O déficit habitacional aliado à estabilização da economia, à facilidade de obtenção de financiamentos, aos juros baixos e aos subsídios de até R$ 17 mil concedidos pelo governo federal mostraram-se uma combinação efervescente que vem exigindo que o segmento produza obras em grande quantidade e velocidade. Especialistas garantem que o aquecimento no setor deve permanecer pelo menos até a Copa do Mundo de 2014.
De Norte ao Sul, constata-se que essa explosão no número de novos empreendimentos e reformas traz consigo um aumento nas demandas relacionadas com os direitos dos profissionais que elaboram os necessários projetos de tais edificações: os engenheiros e arquitetos.
Um dos exemplos é a contratação da elaboração do projeto arquitetônico de reforma e ampliação do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, visando a atender as exigências da FIFA para o Brasil sediar a Copa de 2014. O contrato, com o aditivo, beirou os R$ 2 milhões e foi firmado pelo Poder Público sem a realização de nenhuma concorrência, através de contratação direta por inexigibilidade de licitação, pois entendeu-se que somente o autor do primeiro projeto do local poderia alterá-lo. Essa decisão foi contrariada publicamente por um grupo de arquitetos e pelo Ministério Público de Contas. Há muita controvérsia se esta foi a forma correta na contratação.
Direito Autoral é um assunto ainda muito pouco estudado nas faculdades brasileiras. Muitas sequer apresentam o tema aos seus alunos. Outras restringem a uma aula de dois períodos no final da cadeira de Direitos Reais. Raras são as que oferecem alguma disciplina específica. Dentre essas que abordam o assunto, provavelmente serão exceções aquelas que ensinarem algo relacionado aos direitos autorais que nascem da elaboração de projetos de engenharia e arquitetura.
Você quer avaliar seus conhecimentos? Então reflita um pouco sobre essas questões:
- Quais são os direitos dos autores de projetos de engenharia e arquitetura?
- Quais as formas possíveis de violações a esses direitos? Como coibi-las e repará-las?
- Todo projeto, esboço ou croqui de engenharia e arquitetura é protegido pelo Direito Autoral?
- Quais as condições necessárias para possibilitar a repetição de projetos por parte do contratante?
- O plágio arquitetônico é reversível ou indenizável?
- Como devem ser calculadas as indenizações em casos de violações aos direitos autorais dos engenheiros e arquitetos?
- Qual é o tempo prescricional em ações desta natureza?
- A quem pertencem os direitos autorais quando o projeto for elaborado por solicitação do empregador do autor?
- A alteração de projeto arquitetônico ou de engenharia sem o consentimento do autor é uma violação aos direitos deste, passível de indenização?
- Os projetos para as reformas e ampliações de obras públicas devem ser contratados mediante licitação pública ou os respectivos autores originais devem ser contratados diretamente, sem licitação?
- O arquiteto pode exibir as obras de sua autoria por meio de fotografias, maquetes ou plantas sem a anuência do proprietário da edificação?
Será que os advogados estão realmente preparados para bem orientarem seus clientes em casos práticos dessa natureza? E os agentes públicos, para agirem corretamente nas reformas e construções públicas?
Somente neste ano nosso país teve o primeiro livro publicado especialmente sobre este tema, propondo-se a responder tais questionamentos, entre outros.
O Direito Autoral é um ramo ainda jovem, pois em que pese o CC/1916 tenha consolidado o assunto no Brasil, a autonomia legislativa só foi obtida a partir da Lei 5.988 de 1973, que foi atualizada e quase que totalmente revogada pela atual Lei 9.610, de 1998.
Somente a partir dessa Lei de Direitos Autorais (LDA) de 1973 há dispositivo expresso na legislação brasileira que determina que as obras de engenharia e arquitetura têm seus direitos autorais protegidos e, tão ou mais importante, que relaciona quais são esses direitos. A redação da vigente LDA é a seguinte: “Art. 7º – São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (…) X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência”.
Importante ressaltar que a proteção autoral abrange as duas formas de expressão da obra arquitetônica e de engenharia: a) projeto, esboço, maquete, etc. e b) edificação construída.
Os Estados Unidos apenas em 1990 emendou sua legislação para incluir as obras utilitárias de arquitetura entre aquelas passíveis de proteção pelo copyright, por terem no ano anterior tornado-se parte da Convenção de Berna, revista em Paris em 1971. Entretanto, os norteamericanos talvez tenham o caso mais notório de plágio arquitetônico, denominado Shine X Childs e Skidmore, Owings & Merrill (SOM). A lide teve ampla publicidade principalmente por duas razões: profissionais e projeto envolvidos. David Childs, um famoso arquiteto, sócio de um dos maiores escritórios de arquitetura do mundo (SOM), foi acusado por Thomas Shine de ter lhe plagiado um projeto, intitulado Olympic Tower, apresentado em 1999 na sala de aula de seu mestrado, ocasião em David Childs era um dos componentes do júri de especialistas convidados por sua faculdade para avaliar e criticar a apresentação de Shine. Este processou Childs ao perceber “coincidentes” semelhanças substanciais entre aquele seu projeto e o projeto apresentado pelo escritório de Shine em 2003, para a construção, nada menos, do arranha céu, intitulado Freedom Tower, que faria parte do novo complexo que seria erguido em substituição ao World Trade Center, cujas Torres Gêmeas foram destruídas no atentado terrorista de 11 de setembro.
Voltemos ao Brasil. Tanto a LDA de 1973, quanto a de 1988, adotaram a teoria dualista, que estabelece a coexistência de dois direitos de naturezas diferentes (moral e patrimonial) derivados de uma única fonte: a obra intelectual. Os direitos morais do autor estão relacionados no art. 24 da Lei 9.610/98. Alguns exemplos de direitos morais de engenheiros e arquitetos podem ser os seguintes:
- Reconhecimento à paternidade do projeto, esboço ou obra plástica de arquitetura ou engenharia.
- Ter seu nome anunciado quando da utilização da obra, por qualquer das modalidades.
- Opor-se a que outra pessoa modifique seu projeto, esboço ou obra plástica, de qualquer forma que possa prejudicar sua obra ou atingir o autor em sua reputação ou honra.
Já os direitos patrimoniais, segundo o art. 28 da LDA são os de, exclusivamente, “utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”, sendo que a utilização da obra, por quaisquer modalidades, por terceiros, depende de autorização prévia e expressa do autor, conforme dita o art. 29. A construção de um prédio seguindo os traços e dimensões de um projeto arquitetônico é a forma mais comum de utilização dos direitos patrimoniais autorais de um arquiteto.
Por óbvio, neste espaço é impossível examinarse todas as questões. O tema merece uma ampla discussão e o momento é mais do que propício, pois além do já ressaltado aquecimento do setor da construção civil e das obras que o país deverá ainda construir para ser sede de eventos esportivos mundiais já programados, o Ministério da Cultura está na iminência de propor um projeto de Lei para alterar a vigente LDA, cuja consulta pública à minuta original findou no último dia 31 de agosto.
*Graduado em Direito e Engenharia Civil. Analista do Ministério Público Federal desde 1999. Autor do livro “Direito Autoral na Engenharia e Arquitetura”, publicado pela Editora Pillares.
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