Direito à Informação

Coluna Reflexões sobre Direito Público e Democracia, por Felipe Bizinoto Soares, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

        Ao trabalhar as raízes do Direito, Miguel Reale[1] é categórico ao afirmar que o fenômeno jurídico é uma exteriorização cultural, uma forma de labor do ser humano sobre a natureza (no caso, tendo como cerne as inclinações humanas à socialidade). Por ser uma espécie de manifestação cultural, o Direito sofre influências sociais: vê-se, p. ex., o papel de protagonismo feminino, que, gradualmente, foi ascendente e, atualmente, a mulher tem papel chave nas decisões políticas como gestores públicas e privadas.

        Sob o enfoque da divisão histórica das Revoluções Industriais, vê-se uma forte influência de tais marcos no plano jurídico: p. ex., a doutrina do Estado Social, das posições jurídicas fundamentais de segunda dimensão ou geração, a reivindicação coletivizada (especialmente pela via sindical) de interesses jurídicos fundamentais.

        Um salto histórico considerável é dado e se inicia com o advento da internet, mas é reconhecida no séc. XXI e é chamada por Klaus Martin Schwab[2] como a 4ª Revolução Industrial, marco histórico que decorre da forte interação entre o desenvolvimento tecnológico e os meios de comunicação, com ênfase a proliferação da rede mundial de computadores, ou internet. Essa ruptura industrial afeta, obviamente, a economia, bem como reflete na política e na ciência jurídica: antes não se falava de direito ao esquecimento e, atualmente, é uma das pautas das decisões políticas fundamentais tanto estatais quanto internacionais.

Créditos: PixaBay

        Com o advento dessa 4ª Revolução é que se constatou o que aparenta contradição: ao mesmo tempo o ser humano é visto, mas não o é. Essa ideia decorre do fato de que os sujeitos se comunicam e se enxergam não de forma física, mas, como ensina Fernanda Bruno[3], por meio de máquinas que veem e que, inclusive, memorizam os modos de ser dos interlocutores. Atualmente vigora um modelo de economia criadora e participativa, que consiste na atribuição de papel ativo ao consumidor no desenvolvimento de mercadorias e serviços buscados no mercado, desde que, evidentemente, haja uma troca: devem disponibilizar determinadas informações, os dados, ao fornecedor ou aos diversos tipos de provedores atuantes no mundo digital[4].

        Em sede de teoria geral do Direito, expõe Carlos Camillo[5] que essa proliferação da cultura dos dados influencia muito o fenômeno jurídico: ganham novos contrastes, p. ex., questões sobre intimidade e exposição de informações pessoais, formas de fiscalização estatal dos indivíduos e vice-versa, formas de participação na tomada de decisões, a internet como posição jurídica de caráter fundamental, a autodeterminação informática.

        Na transdisciplinariedade entre Direito e Economia que ocorre uma nova perspectiva, qual seja, a de que os dados são base para o crescimento econômico de diversas entidades empresárias: do que se depreende de notícia publicada pelo Institute Business Education (FGV)[6], a partir de pesquisas da Revista Forbes, em 2020, das 10 marcas mais valiosas do planeta, as 5 primeiras são prima facie reconhecíveis como atuantes no ramo tecnológico e, portanto, têm seus valores construídos sobre e com dados.

        Todo esse passeio dissertativo foi dado para dizer que a informação é algo fundamental. Ela que tem papel determinante na compra e venda de ações (veja a figura dos insiders), na identificação de infratores, no direcionamento de publicidades para estimular a compra pela internet. Não é à toa que a Constituição do Brasil (CRFB/1988) sagra como direitos fundamentais individuais em seu art. 5º o acesso ‘’à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’’ (inciso XIV), a ‘’informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’’ (inciso XXXIII).

        A definição será dada a seguir, mas cabe exemplificar com um julgado do Supremo Tribunal Federal (ADI n. 4.185) em cujo voto da Ministra Cármen Lúcia fez constar de forma expressa que ‘’O direito de ser informado é a garantia da superação do analfabetismo político’’. Tal argumento envolve a ideia de que a educação é a chave para o exercício da cidadania e das demais posições jurídicas, políticas ou não: ‘’A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’’ (art. 205).

        Dentro do amplíssimo espectro informacional que se destaca o chamado direito à informação, que compreende a posição jurídica fundamental individual voltada à tutela da busca, da livre proliferação e do recebimento de informações[7]. É dentro desse espectro conceitual amplo que se extraem os três: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. De acordo com José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira[8], (a) o primeiro diz respeito à liberdade de informar, de gerar fluxo de informações no ambiente; (b) o segundo importa na possibilidade individual de buscar a informação sem ingerência estatal; e (c) o terceiro consiste no direito de receber informações.

        Diante de uma sociedade dotada de imensa voracidade pelos dados, a questão não é muito o enfoque de quais posições jurídicas existem ou não existem, e sim quais dados compreendem o tríplice desdobramento do direito à informação, eis que há muitas informações que não devem ser levadas ou acessíveis pelo público, os chamados dados sensíveis, constantes, atualmente, na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em seu art. 5º, II.

 

Referências.

 

ALCARVA, Paulo. Banca 4.0. Revolução digital: fintechs, blockchain, criptomoedas, robô-advisers e crowdfunding. Lisboa: Actual, 2018.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Verbatim, 2018.

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.

CAMILLO, Carlos. Manual de teoria geral do Direito. São Paulo: Almedina, 2019.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

INSTITUTE BUSINESS EDUCATION. As 10 marcas mais valiosas do mundo em 2020, segundo a Forbes. Disponível em: https://www.ibe.edu.br/as-10-marcas-mais-valiosas-do-mundo-em-2020-segundo-a-forbes/. Acesso em 31 jan. 2021.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

SCHWAB, Klaus Martin. A quarta revolução industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

[1] Lições preliminares de Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 22 e ss.

[2] A quarta revolução industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2018.

[3] Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.

[4] ALCARVA, Paulo. Banca 4.0. Revolução digital: fintechs, blockchain, criptomoedas, robô-advisers e crowdfunding. Lisboa: Actual, 2018, pp. 23-33.

[5] Manual de teoria geral do Direito. São Paulo: Almedina, 2019, pp. 315-320.

[6] As 10 marcas mais valiosas do mundo em 2020, segundo a Forbes. Disponível em: https://www.ibe.edu.br/as-10-marcas-mais-valiosas-do-mundo-em-2020-segundo-a-forbes/. Acesso em 31 jan. 2021.

[7] ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Verbatim, 2018, p. 220-221; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 245-250.

[8] Constituição da República portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 225.

 

* Felipe Bizinoto Soares de Pádua é Articulista do Jornal Estado de Direito, Advogado, Pós-graduado em Direito Constitucional Material e Processual, Direito Registral e Notarial, Direito Ambiental Material e Processual pelo Instituto de Direito Público de São Paulo/Escola de Direito do Brasil. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É monitor voluntário nas disciplinas Direito Constitucional I e Prática Constitucional na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É membro do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Justiça Constitucional: STF, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 

 

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