Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
Desconhecimento da prática de crime pelo cônjuge leva ao Erro Essencial autorizador da ação de anulação do casamento
É possível ocorrer a anulação do casamento, por vício de vontade quando, se houver por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro, conforme o art. 1.556 do Código Civil.
E o art.1.557 do Código Civil nos traz expressamente o que se considera o erro essencial sobre a pessoa, vejamos:
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
Resumindo para que se configure uma das hipóteses do erro essencial da ação de anulação de casamento é preciso que estejam presentes três pressupostos, conforme Rolf Madaleno[1]:
a) tenha ocorrido antes do casamento;
b) o cônjuge enganado não tinha conhecimento antes do casamento; e
c) a vida em comum tornou-se insuportável.
Para Conrado Paulino da Rosa:
“O erro é uma falsa representação da realidade e faz com que uma pessoa acabe por manifestar uma vontade diferente daquela a ser realmente externada se tivesse conhecimento exato da situação. Ele vicia a vontade que não se fez livre e nem soberana, e, para determinar a anulação o erro há de ser substancial, fundamental e determinante para a manifestação e escusável, como ordena o art. 139 CC.”[2]
Das três hipóteses apontadas no art. 1.557 iremos nos debruçar sobre a possibilidade do casamento ocorrer sem que o cônjuge saiba que o outro tenha praticado um crime anterior ao casamento.
No caso específico, não há previsão de que tenha ocorrido o trânsito em julgado, apenas a exigência de que o crime praticado torne insuportável a vida conjugal.
Para Rolf Madaleno a mensuração da gravidade do delito depende do cônjuge, ou seja, apenas ele saberá informar ou sentir o quanto da ocultação do crime e o próprio crime é capaz de abalar a vida conjugal[3]. E isso é considerado um avanço eis que no Código Civil anterior existia a mensuração apontada pelo legislador.
Assim cabe ao cônjuge entender a extensão desse sentir, o que isso o impacto no relacionamento conjugal.
Para ilustrar o que estamos falando apresentamos a ementa de um processo que tramitou pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que ilustra bem essa hipótese:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CASAMENTO. ANULAÇÃO. ERRO ESSENCIAL SOBRE A PESSOA DO OUTRO CÔNJUGE (CC, art. 1.557, I e II). REQUISITOS. APREENSÃO. ILÍCITO PENAL. IMPUTAÇÃO AO VARÃO. FATOS ANTECEDENTES AO ENLACE. VIDA SOCIAL IRREPREENSÍVEL. DISSIMILAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE. ATOS CLANDESTINOS. CONHECIMENTO. FATO GRAVE. AFETAÇÃO DA HONORABILIDADE E BOA FAMA. VIDA EM COMUM. INSUPORTABILIDADE. SENTENÇA. NULIDADE. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INTERPRETAÇÃO. MODULAÇÃO LEGAL. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA.
1. O princípio da identidade física do Juiz, conquanto vigorante no processo civil e revestido de pragmatismo, pois derivado da constatação de que o juiz que colhera a prova, tendo mantido contato com as partes e aferido pessoalmente impressões que extrapolam o consignado nos termos processuais, resta provido de elementos aptos a subsidiarem a elucidação da lide, deve ser interpretado de forma temperada e em consonância com a dinâmica procedimental, que é desenvolvida no interesse das partes e sob método revestido de racionalidade e logicidade.
2. O princípio da identidade física do juiz, de acordo com o dispositivo que o imprecara no sistema processual, é modulado de conformidade com a premissa de que a vinculação somente perdura em permanecendo o juiz que presidira a audiência, coletara provas e encerrara a instrução em exercício no Juízo no qual transita a ação, resultando que, em havendo seu afastamento das atividades jurisdicionais ou do Juízo no qual transita a lide, por qualquer motivo, a vinculação cessa, pois o processo, acima de tudo, é conduzido de forma impessoal e no interesse das partes, não do órgão judicial (CPC, art. 132).
3. A anulação do casamento sob o prisma da subsistência de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge exige o cumprimento de três requisitos cumulativamente: (i) a anterioridade ao casamento da circunstância ignorada pelo cônjuge, (ii) a descoberta do erro posteriormente ao casamento, e (iii) a ignorância de crime ou de relevante erro quanto à identidade, a honra e boa fama do outro cônjuge, que torne a vida em comum insuportável, conduzindo a satisfação desses pressupostos à invalidação do negócio jurídico traduzido no enlace matrimonial (CC, art. 1.557, I e II).
4. Apreendido que, no momento do enlace, o varão descortinava condutas social e profissional irrepreensíveis, aparentando se tratar de jovem promissor por exercer e ter exercitado relevantes funções públicas decorrentes dos cargos em comissão que ocupara, induzindo à esposa essa expectativa, e que, passados poucos meses do enlace, viera a consorte ser despertada para realidade com o comunicado da prisão em flagrante do marido sob a acusação de estar enredado na prática de fato ilícito traduzido na traficância de substâncias entorpecentes, os fatos induzem à o invalidação do casamento sob o prisma da subsistência de erro essencial sobre a pessoa do marido.
5. Apurado que, aliado ao fato de que desconhecia a vida clandestina do marido, os fatos que se descortinaram, denunciando sua personalidade e que estava envolvido em atividades ilícitas cuja gênese era antecedente ao casamento, ensejam a qualificação de que o enlace derivara de erro essencial da esposa sobre a pessoa do consorte e que os fatos em que se envolvera ele, além de afetarem a honorabilidade e dignidade do casal, tornaram a vida em comum insustentável, pois destruíra qualquer confiança que a esposa poderia dispensar ao consorte, ensejando, então, a invalidação do casamento na forma autorizada pelo legislador civil.
6. Apelação conhecida e provida. Unânime.
(Acórdão n.707452, 20120110468770APC, Relator: TEÓFILO CAETANO, Revisor: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 21/08/2013, Publicado no DJE: 02/09/2013. Pág.: 61)
Com o ajuizamento da ação de anulação de casamento a pessoa deixa de ser casada e volta ao estado de solteira.
Mas o interessante é com relação a questão patrimonial que pelo entendimento de Rolf Madaleno temos que:
“Por seu turno, o § 1º do art. 1.561 do Código Civil, estabelece que, se apenas um dos cônjuges estava de boa-fé, só a este aproveitarão os efeitos civis da putatividade, importando a culpa do outro cônjuge na perda das vantagens havidas do consorte inocente. Complementa o artigo 1.564 do Código Civil: devendo o culpado cumprir as promessas por ele feitas no contrato antenupcial.
Desse modo também só o cônjuge de boa-fé recebe alimentos até a data da sentença anulatória, e só se deles necessitar. Em realidade o casamento produzirá efeitos para o cônjuge do boa-fé e não produzirá efeitos para o cônjuge de má-fé. No pertinente à partilha, só o consorte inocente terá direito à meação assim como direito à herança se o cônjuge culpado falecer antes do trânsito em julgado da ação anulatória do casamento.”[4]
Com tantas manchetes de jornal apontando para pessoas que eram antes consideradas pilares da sociedade brasileira, isso nos faz crer que a possibilidade de aumento da propositura das ações dessa natureza.
Dessa forma, é melhor pensar entre propor a ação de divórcio ou a ação de anulação de casamento, buscando assim preservar o cônjuge inocente.
E para finalizar, cumpre destacar que o prazo para a propositura da ação de anulação de casamento é de três anos a contar da data da celebração do casamento.
Referências:
[1] MADALENO, ROLF. Separações e anulações – culpa e responsabilidades ou fim da conjugalidade. Tratado de Direito as famílias. IBDFAM, 2015, p. 621.
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de família contemporâneo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 58.
[3] MADALENO, ROLF. Curso de Direito de família, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, p. 144.
[4] MADALENO, ROLF. Curso de Direito de família, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, p. 152.
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
SEJA APOIADOR
Valores sugeridos: | R$ 20,00 | R$ 30,00 | R$ 50,00 | R$ 100,00 |
FORMAS DE PAGAMENTO
Depósito Bancário:
Estado de Direito Comunicação Social Ltda
Banco do Brasil
Agência 3255-7
Conta Corrente 15.439-3
CNPJ 08.583.884.000/66
|
Pagseguro: (Boleto ou cartão de crédito)
|
R$10 | |
R$15 | |
R$20 | |
R$25 | |
R$50 | |
R$100 | |