De Delegado de Polícia a Magistrado num passe de mágica

No país do casuísmo, os projetos de leis surgem ao gosto do freguês e dos mais variados interesses. A vertigem eriça ainda mais quando se nota que também propostas de emendas à Constituição Federal surgem a torto e a direito, como que para colorir a realidade que existe em preto e branco. Parece que com isso usamos o famoso jeitinho brasileiro, que potencializa o objetivo em detrimento do meio para amar menos a nossa carta constitucional, como disse o Ministro Marco Aurélio Mello.

Pois bem. Dia desses tomei conhecimento da Proposta de Emenda Constitucional 89/2015, que tramita na Câmara dos Deputados (v. www.camara.gov.br) e que está aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Essa proposta visa, em termos práticos, transformar o cargo de Delegado de Polícia em cargo de juiz de Instrução e Garantias.

Os cargos de Juízes de Direito e de Juízes Federais não deixariam de existir e não se confundiriam com o cargo de juiz de Instrução e de Garantias, mas ganhariam esse coirmão dentro do Poder Judiciário que ficaria responsável pela instrução probatória e controle judicial dos procedimentos investigatórios criminais, conforme artigo 98-A, que seria inserido na carta constitucional.

Vejam que a expressão controle judicial dos procedimentos investigatórios criminais diz muito. Não fosse a duvidosa constitucionalidade de se transformar Delegados de Polícia em membros do Poder Judiciário num passe de mágica legislativo, mera leitura da reforma pretendida faz concluir que os membros do Ministério Público teriam de prestar contas de suas atividades investigativas aos Delegados de Polícia, então transformados em Juízes de Instrução e Garantias. Ora, a proposta de redação do inciso VIII do artigo 129 deixa claro que seriam funções institucionais do Ministério Público requisitar diligências de natureza criminal aos órgãos policiais competentes para realizá-las diretamente, nas hipóteses previstas em lei complementar, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações, sob o controle do Poder Judiciário.  

Por outro lado, a proposta pretende colocar nas contas dos atuais Delegados de Polícia, futuros juízes de instrução e garantias, todo o trabalho de instrução criminal, restringindo aos atuais Juízes de Direito e Federais a função de julgar o mérito das ações penais. Verdade que a proposta prevê que os cargos seriam providos por concurso público próprio e que apenas inicialmente os Delegados de Polícia deveriam optar pelo cargo de juiz de instrução e garantia ou se permaneceriam no órgão policial de origem, de modo que a função do delegado de policia, aparentemente, não deixaria de existir. A proposta parece vir ao encontro dos ideais do Supremo Tribunal Federal de instituir as audiências de custódias, que são audiências a serem realizadas com o preso logo após o ato da prisão em flagrante, para análise da legalidade do ato, necessidade de manutenção da segregação cautelar, resguardo da integridade física do preso e as quais não se sabe ao certo como estruturar. Contudo, o projeto indica resolver um ou outro problema e deixar de lado o nó górdio que assola a segurança pública pátria: a falta de estrutura das polícias.

Equiparação salarial dos Delegados de Polícia com os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, equipagem das polícias com estrutura física digna e apta a combater o crime, cada vez mais organizado, de igual para igual, incremento das funções de inteligência, oferta de vencimentos justos aos policiais, de modo a reduzir a corrupção dos órgãos policiais são providencias que fariam o problema ser combatido realmente.

Ainda que a pretensão de emenda à Constituição escamoteie sistemas de segurança pública que grassam em outros países, nota-se algum vício de constitucionalidade na proposta, além de não resolver qualquer problema de segurança pública de nosso país. O que a proposta faz é tirar os vocacionados Delegados de Polícia de suas funções típicas, reduzir o trabalho dos Juízes de Direito e Juízes Federais à custa do trabalho dos atuais Delegados de Polícia, que assumiriam a condução da fase instrutória dos processos criminais, colocaria o Ministério Público sob uma aparente ilegal fiscalização, culminando com o pisoteio de vocações dos profissionais do Direito. O que será que se ganha em tornar a função policial cada vez menos policial?

Enfim, no país dos casuísmos, onde o objetivo é buscado ainda que em detrimento do meio, parece bem mais fácil uma mera mudançazinha na pouco amada Constituição Federal do que buscar realmente resolver os atávicos problemas do país. Como se a mudança da Constituição transformasse as pessoas, as instituições e o pais num passe de mágica.

Leonardo Grecco

Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Especialista em Bioética pela USP e em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Magistratura. Professor de Direito em Santos.

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