Publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito.
Antonio José de Barros Levenhagen*
Dentro da proposta do dano moral típico colocam-se os denominados assédio moral e assédio sexual, no âmbito das relações de emprego. O assédio moral, em rápidas pinceladas, qualifica-se como certa tortura psicológica contra o trabalhador, quase sempre repetitiva e prolongada no tempo, em que a finalidade é a de minar sua resistência psicológica, de forma a propiciar a erupção das características mais negativas do assediado.
O assediante visa, em suma, a manipulação do assediado que o conduza ao cometimento de erros estratégicos, suscetíveis até mesmo de justificar o seu despedimento, por ser levado, durante o processo de perseguição, a um estado de confusão mental, assaltado pela crença de ser o único culpado pelos próprios erros.
O sujeito ativo do assédio moral no trabalho pode ser o superior hierárquico, a caracterizar o assédio vertical, como também o podem ser o chefe e os companheiros de trabalho da vítima, em conluio, ou mesmo os colegas do mesmo nível hierárquico, a identificar o assédio horizontal.
O sujeito passivo tanto pode ser o empregado subalterno quanto o companheiro de trabalho da mesma posição hierárquica ou mesmo o próprio chefe na hipótese de ser vítima de boicote e de fofocas de seus subordinados.
Os métodos são os mais variados, indo do que se convencionou chamar de contrato de inação, em que o empregado é colocado em ociosidade, até aqueles em que ele é vítima de falta de reconhecimento profissional, de chistes, intrigas e críticas destrutivas.
O assédio sexual, definido também como forma de violência psicológica, configura-se pela perseguição da vítima no ambiente de trabalho, ou mesmo fora dele, por meio de sequenciadas investidas de conotação sexual.
A vítima é obrigada a receber, com frequência, galanteios, olhares libidinosos, propostas de casamento, vindos do empregador ou de um parente próximo seu ou mesmo do seu chefe, sendo necessário à sua caracterização que o agressor tenha condições reais de prejudicar profissionalmente a vítima.
Enfim, tanto o assédio moral quanto o assédio sexual no trabalho são atos anticontratuais, por serem praticados em um ambiente que não seja, embora o deva ser, moralmente saudável, que acarretam para o empregador a responsabilidade de indenizar a vítima pelo dano moral sofrido, à conta da responsabilidade objetiva do inciso III do artigo 932 do Código Civil de 2002.
Já em relação ao dano moral atípico, associado aos infortúnios do trabalho, não é demais ter presente a orientação doutrinária e jurisprudencial de ele prescindir de prova da sua ocorrência, por consistir em ofensa a valores inerentes à pessoa humana, bastando a demonstração do ato em função do qual a pessoa diz tê-lo sofrido.
É certo que o inciso X do artigo 5º da Constituição elege como bens invioláveis, sujeitos à indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Encontra-se aí, no entanto, claramente subentendida a preservação da dignidade da pessoa humana, por ela ter sido erigida em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º, inciso III, da Constituição.
Significa dizer que a norma do inciso X do artigo 5º da Carta Magna deve merecer interpretação mais elástica para se incluir entre os bens ali protegidos não só a honra e a imagem em seu sentido mais estrito, mas também sequelas psicológicas supervenientes à incapacidade parcial ou total do empregado para a execução da sua atividade laboral costumeira.
Outro tema de alta significação jurídico-social diz respeito ao arbitramento do valor da indenização do dano moral. Para bem o equacionar, é importante ter em mente a sua distinção em relação à indenização por dano material, na medida em que esta se orienta pelo parâmetro meramente aritmético, consistente nos prejuízos sofridos e nos lucros cessantes, ao passo que aquela tem por norte o escorregadio parâmetro estimativo, dada a dificuldade de mensuração pecuniária de bens imateriais.
Resulta dessa particularidade o insuspeitado subjetivismo do magistrado na sua fixação, subjetivismo que moveu a doutrina e a jurisprudência a procurar estabelecer critérios mínimos para que o seu arbitramento não se convole em arbitrariedade.
Isso com a finalidade de que o seu valor não se revele demasiadamente apequenado, nem se afigure superlativamente alto, traduzindo antes justa reparação do dano sofrido pelo empregado, sem acarretar o seu enriquecimento sem causa, capaz de comprometer a viabilidade do empreendimento empresarial.
Com isso se preconiza que se tenha em conta a gravidade da culpa lato sensu do ofensor, que o pode ser a título de dolo, culpa grave, leve ou levíssima, a extensão do dano causado, a sua capacidade econômico-financeira, bem como o caráter pedagógico da sanção jurídica, com vistas a compeli-lo à observância dos deveres do artigo 157 da CLT, mediante cotidiano investimento em sistemas de segurança e higiene do trabalho.
É bom lembrar, ainda, o que dispõe o inciso IV do artigo 1º do Texto Constitucional de a República Federativa do Brasil lastrear-se nos valores sociais do trabalho e no da livre iniciativa, norma indicativa de que o Constituinteoriginário os colocara no mesmo patamar de valores republicanos fundamentais.
Tal se deve ao objetivo ali discernível de expressar a harmonia que deve haver entre ambos, a desafiar de todos quantos lidam com o Direito do Trabalho a sensibilidade de se evitar que um se sobreponha ao outro, pois tais valores se encontram em situação de equipolência e não de antagonismo.
É de vital importância, no mais, que todos os profissionais do direito, ao se defrontarem com a magnitude dessa questão, atuem com extremada prudência, para prevenir que a exacerbação do valor da livre iniciativa transforme o trabalho humano em simples e abjeta mercadoria ou que a exacerbação dos valores sociais do trabalho redunde no comprometimento da empresa, fonte geradora de renda e de emprego.
* O Autor é Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.