Coluna Assédio Moral no Trabalho
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Dano não material
O artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal prevê a possibilidade de reparação pecuniária de um dano não material, que atinge pessoas físicas (ou jurídicas) em bens como a liberdade, a honra, a reputação, a integridade psíquica, a segurança, a intimidade, a imagem e o nome.
O artigo 186 do Código Civil de 2002 trata expressamente da matéria ao afirmar que comete ato ilícito:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”.
São estes por conseguinte, os dois principais balizadores das decisões do Poder Judiciário que envolvem os pedidos concretos de indenização.
E, pelo própria conceituação de Assédio Laboral, depreende-se a extensa gama de situações que podem ensejar a lesão aos direitos do trabalhador fundantes do dano moral.
Assédio Moral
Em breve pesquisa de julgados sobre Assédio Moral, aflora uma triste e inimaginável exemplificação do terror psicológico praticado por assediantes.
Em algumas empresas, vendedores que não cumprem metas têm de pagar “prendas” ridículas, como se vestir de palhaço ou correr com um capacete de morcego em volta de uma praça pública. Um cinegrafista da RedeTV! era chamado pela apresentadora, ao vivo, em programa noturno, de “Todinho” (“porque é marronzinho e tem um canudinho pequenininho”).
Em Santa Catarina, um operador de telemarketing era tratado pelos chefes e colegas de “cavalo paraguaio”, enquanto um ferroviário ganhou dos colegas o apelido de “javali” – aquele que já valeu alguma coisa para a empresa, mas não valia mais. Recentemente, outro vendedor ganhou ação contra a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) porque as reuniões “motivacionais” tinham como convidadas garotas de programa e strippers. (1)
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou o Walmart Brasil a pagar uma indenização por dano moral no valor de R$ 100 mil, em razão do constrangimento a que o gerente reclamante era submetido em decorrência de tratamento desrespeitoso pelo seu superior hierárquico – diretor da loja de departamentos – que o obrigava a cantar e rebolar durante o grito de guerra da empresa, denominado de “cheers”, além de xingá-lo de burro, com ameaças de demissão. Vale salientar que, o trabalhador reportou os acontecimentos ao setor de ética e conformidade da empresa, sem resposta.
Também, a 4ª. Turma do TRT da 2ª. Região concluiu pela indenização por dano moral de ex-funcionária do Banco do Brasil que foi acossada por gerente-geral da instituição. Vítima de assédio moral, “entendido pela jurisprudência como a reiterada perseguição a alguém, devendo haver por parte do empregador o ânimo de depreciar a imagem e o conceito do empregado perante si próprio e seus pares, fazendo diminuir a sua autoestima”, reconheceu-se o “exercício abusivo do poder diretivo, no qual a dignidade do empregado é violentada pela existência de perseguições sem fundamento”. Assediada por gerente-geral que, ciente de não poder demiti-la por ser concursada, passou a ameaçá-la, desenvolveu transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho acarretando severa incapacidade laborativa transitória. (2)
Enfim, os cruéis exemplos são incalculáveis.
Dano moral
De difícil tarefa do mesmo modo, é quantificar o dano moral.
Se o critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu, sendo perfeitamente passível de reparação porque com caráter ressarcitório, a indenização do dano moral não conta com tamanha facilidade de cômputo.
Na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial.
O dano moral resulta da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc.
E, principalmente, sublinhe-se, o dano moral dispensa a prova do prejuízo em concreto, sua existência é presumida, por verificar-se na “realidade fática” e surgir da própria afronta, já que exsurge da violação a um direito da personalidade e diz respeito à “essencialidade humana”. (3)
Noutros termos, o dano moral advindo do menoscabo a direitos da personalidade é necessariamente indenizável independente de sua tradução patrimonial/física/psíquica, mesmo porque esta esfera de intimidade ou intimismo não aflora externamente, não sendo passível de prova e quantificação matemáticas.
Enfim, a lesão à honra determina imediata e direta compensação por causa do dano moral.
Inteligência diversa significaria reconhecer a máxima de que no Assédio Laboral há vulneração da dignidade – por pressuposto – porém não implica em automática indenização, exigindo material probante. O que redundaria numa proteção de direitos meramente ritualística.
Perceba-se que, além do dano moral autônomo, qualquer prejuízo à saúde física/psíquica em virtude do Assédio Laboral é ressarcida de maneira própria, podendo haver sim, cumulação de compensações financeiras.
Em verdade, a quantificação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.
Destarte, os dois critérios que devem ser empregados para a fixação do dano moral são a contrapartida ao lesado e o desestímulo ao agressor. Inserem-se nesta conjuntura fatores subjetivos e objetivos, pertinentes às pessoas compreendidas, como a análise do grau da culpa do lesante, das circunstâncias do caso e da gravidade da lesão, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito. (4)
Depreende-se, de novo, que não se está a impor qualquer carga probante à vítima assediada mas sim, uma alegação verossímil. E ponto final.
Caso contrário, estar-se-ia a voltar, ainda que travestida de outra argumentação jurídica, à imprescindibilidade da prova do dano moral.
Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista permitir ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade”, traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”. (5)
Vale sublinhar que, ao recomendar-se que o “quantum” do dano moral abarque não somente a estrita compensação mas também, um fim punitivo e preventivo está apenas a fixar a pragmática função do Direito em evitar injustiças, não se podendo aceitar a falaciosa argumentação de que não cabe tal finalidade social a este específico ramo do Direito, qual seja, o Direito Civil.
Nada obstante tal preleção possa aclarar a “extensão do dano” (cf. artigo 944 do CC), não resolve por absoluto a matéria.
Afinal, como quantificar um dano moral que pode conduzir à penúria financeira e à tentativas de suicídio?
Ainda, como calcular uma dor que encerra brilhantes carreiras profissionais e destrói a personalidade da vítima?
E inda, é possível computar a espiritualidade atacada no Assédio Anímico?
Importa indubitavelmente, mesmo que sem definitivos critérios ao julgador, que se coíba qualquer ressarcimento simbólico e, que se tenha em mente a obrigatoriedade da punição ao assediador e da prevenção à recidiva.
Deve-se atestar que o dano moral é tão real como qualquer outro dano e pois, passível de reparação. Esta é a base da atuação dos julgadores.
Inclusive, nesta oportunidade, apesar de que seja vedado o reexame de fatos e provas pelos Tribunais Superiores, há tendência jurisprudencial de rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização para reprimir valores excessivamente módicos. (6)
Neste ínterim, a adesão da empresa/Estado ao comportamento do assediador, estigmatizando ainda mais a vítima, por exemplo, exigirá uma indenização maior do que a resultante da ausência de um prévio Protocolo Antiassédio ou de sua conduta omissiva diante dos fatos.
Outro aspecto relevante é o poder econômico do empregador – indenização a colher montante razoável do patrimônio – ou sua grave função de garante da Eticidade, aqui, falando-se notadamente da Administração Pública.
Finalmente, há uma certeza: a carência de parâmetros categoricamente objetivos não pode servir de pretexto para a impunidade do Assédio Laboral.
Referências
(1) Disponível em: www.tst.jus.br Acesso em: 08 jan. 2018.
(2) Disponível em: www.trtsp.jus.br Acesso em: 08 jan. 2018.
(3) Carlos Alberto Bittar in Reparação civil por danos morais.
(4) Ibidem
(5) Ibidem
(6) Sétima Turma do E. Tribunal Superior do Trabalho. Processo de autos 506-65.2010.5.04.0332. Relatoria Ministra Delaíde Miranda Arantes.
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito. |