Crise Eleitoral

Coluna Reflexão Jurídica

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Foto: José Cruz/Agência Brasil

Foto: José Cruz/Agência Brasil

O índice de abstenções

Chegamos ao fim do 1º Turno das eleições municipais e algo me chamou a atenção: não, não foram os resultados; Há tempos não me surpreendo mais com a falta de opções e de soluções na política. É mesmo trágico. E se isso não é mais capaz de surpreender, o que seria? O índice de abstenções. O número de cidadãos ausentes à votação demonstra, no mínimo, duas coisas: a falência do voto obrigatório e a crise de representatividade dos pretensos representantes do povo.

O voto obrigatório, inserido (como cláusula pétrea?) na Constituição Federal em seu art. 14, é fruto das circunstâncias em que foi editada a Lei Fundamental. Num período de transição entre um Estado ditatorial e um Estado liberal/social, o direito de voto se tornou um dever, de modo a assegurar que, sendo todos obrigados a ir às urnas, a sua cidadania seria exercida, de um jeito ou de outro.

No entanto, como bem representado pelo pêndulo em que transita a sociedade, passamos daquele estado de privação, existente em um dos polos, para um estado de permissividade pouco antes visto, diametralmente oposto ao anterior.

Sentimento de descrença

Os representantes do povo, impávidos, praticam toda a sorte de desmandos, como se não houvesse quem os fiscalizasse. A degradação moral e ética atingiu escalas inimagináveis.

Por óbvio, os sucessivos escândalos levam a um sentimento de descrença da população, que não acredita mais na classe política. Basta vermos o resultado obtido em São Paulo, em que um candidato, que tem tímida atuação na vida pública, e se destaca como empresário, venceu as eleições municipais no primeiro turno, fazendo cair por terra a pretensão de reeleição do atual prefeito que, embora tenha a seu favor a máquina pública, não conseguiu se reeleger. O desgaste dos eleitores é evidente.

Por isso, a falta de interesse na participação da vida pública levou à falta de vontade em exercer o poder-dever de voto, que se tornou um verdadeiro fardo a pesar sobre os ombros da população. O sistema eleitoral fundado nessa imposição constitucional está falido.

Daí porque não se faz mais sentido o voto como um dever, que se não cumprido leva a aplicação de sanções, que não se limitam ao pagamento de uma multa irrisória. O valor desta, aliás, parece ser um afago para aqueles que não querem exercer o seu dever de cidadania. Compensa-se esse não mais justificável dever com o pagamento de um pequeno valor que exonera o eleitor de outras responsabilidades.

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Foto: Sumaia Villela/Agência Brasil

Crise de representatividade

Mas, sem prejuízo de tudo o que se disse, a constatação mais grave de todas, por óbvio, é a crise de representatividade. A falta de confiança do povo naqueles que exercem funções públicas é uma consequência do exercício ilegítimo dos mandatos. Ora, quando não se busca, no exercício dos cargos públicos, o interesse da população, mas apenas aqueles pessoais e escusos, a função é exercida ilegitimamente, de modo a não representar aqueles que os elegeram.

O eleitor não se identifica com aquele que deveria agir em seu nome, como verdadeiro representante.

E isso porque, primeiro, o nosso sistema eleitoral proporcional, em que a partir de um cálculo matemático chega-se aos vencedores das eleições para os cargos de vereador e deputados, estaduais e federais. Não se elege, sob esse sistema, o mais votado, mas aqueles que proporcionalmente atingem o quociente eleitoral previamente estabelecido, de modo que o eleitor não sabe quem elegeu, e o eleito não sabe quem o elegeu.

E segundo que, como já mencionado, os interesses perseguidos pelos ocupantes de cargos públicos não são públicos, e sim particulares, assim atuando em total discrepância com a vontade do povo.

Necessidade de mudança no sistema eleitoral

O pior é que, sendo obrigados a votar, os cidadãos se veem coagidos a depositar sua confiança em nomes que não confiam, apenas para cumprir o comando constitucional.

E isso mostra a necessidade de uma modificação radical em nosso sistema eleitoral, desde a não mais obrigatoriedade do voto, até a mudança do sistema de voto, por outro que possa refletir nas urnas os verdadeiros anseios da sociedade.

O caminho, todos sabemos, é árduo. Mas, ele será ainda mais difícil se não dermos o primeiro passo. Alguém se habilita?

 

Thiago Ferreira Cardoso Neves é Articulista do Estado de Direito – Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, mestrando em direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, articulista do portal Estado de Direito e sócio do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados.

 

 

 

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