Por César Peres[1]
A luta que os advogados criminalistas vêm há muito tempo travando para que se estabeleça o pleno equilíbrio entre as partes nos processos criminais, reservando-se assento em posições equânimes à acusação e à defesa, tem, principalmente, como escopo garantir os postulados constitucionais que informam o Estado Democrático de Direito. No júri, modo especial, busca-se preservar os princípios da plena defesa e da presunção de inocência. Procura-se, portanto, antes e acima de tudo, salvaguardar as franquias constitucionais do réu, preservando-se a sua dignidade como ser humano.
Por isso, embora sejamos “indispensáveis à administração da justiça”, como preconiza a Constituição Federal, e não haja hierarquia entre juízes, promotores e advogados, como quer a legislação ordinária que regula a matéria, tal reivindicação não pode levar à equivocada conclusão de que estejamos buscando algum tipo de especial destaque ou de privilégio para os advogados e defensores públicos.
Ninguém se engane: a nossa demanda nem de longe se conforma com alguma suposta “concessão” outorgada por um ou outro membro do Poder Judiciário no sentido de permitir que tomemos assento ao seu lado no júri ou nas salas de audiências.
Isto porque, como antes dito, mais importante do que a manutenção das nossas prerrogativas profissionais, encontra-se a proteção das garantias reservadas pela CF ao cidadão acusado – como ser humano sujeito de direitos (e não mero objeto do processo).
Por isso, entendemos ser ainda mais prejudicial à defesa do que o modelo costumeiro (e igualmente inconstitucional) a hipótese de assentar-se o defensor ao lado do juiz sem presença do réu. É que os signos exarados pela a situação de quedar-se o acusado isolado dos demais atores do processo, simbolicamente abandonado por seu patrono, parecem-nos tendentes à quase certeza de condenação.
O famigerado “banco dos réus” – prática medieval e que lembra a Inquisição – coloca alguém que é presumidamente inocente em posição de menoscabo frente aos jurados e à própria sociedade, em óbvio desrespeito ao princípio da presunção de inocência. A par disso, neste tipo de configuração, a distância física entre ambos dificulta o exercício da plena defesa, ínsito ao júri popular, porque impede que o réu possa exercer a sua autodefesa, contraditando testemunhas, reperguntando, etc.
No rumoroso julgamento de Doca Street, acusado de matar Ângela Diniz, o então advogado Evandro Lins e Silva, na defesa, lembrou que certa ocasião, no júri, o grande tribuno Alberto de Carvalho, ao ver o réu sendo injuriado pelo promotor, arrancou a beca e a jogou sobre a cabeça daquele bradando: reus res sacra est (o réu é coisa sagrada)! Como poderia o causídico ter assim agido se – preocupado apenas em preservar a própria atuação profissional – estivesse assentado distante de seu cliente?
Lembremos ainda da generosa homenagem que nos foi prestada por Carnelutti: “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada, ao lado do acusado, quando todos o apontam. Postar-se ao lado do forte, sob as luzes dos holofotes, é cômodo.”
Se aceitarmos a realocação física da defesa apenas na pessoa do defensor, tal fato aviltará a nossa causa – fará com que sejamos mal compreendidos – e empobrecerá o nosso discurso, além de subvertê-lo no seu principal aspecto: a dignidade do cidadão acusado.
Enfim, como todos sabemos, não existe Estado Democrático de Direito pela metade – e não aceitaremos a democracia em migalhas. Portanto, nunca sem o réu!
[1] Ex-Presidente da ANACRIM (Associação Nacional da Advocacia Criminal) – RS. Ex-Presidente da ACRIERGS (Associação das Advogadas e Advogados Criminalistas do RGS). Advogado criminalista. Conselheiro Seccional da OAB/RS.