O gato!

Créditos: PixaBay

Rafael da Silva Marques, Juiz do Trabalho

Ary Silva.

       É difícil saber. Não se buscam respostas a partir de perguntas feitas e sim quando as ações acontecem ou devem acontecer. Meu gato subiu no teclado e vomitou um pouco. Seres sem limitações econômicas e vaidosas são assim, totalmente livres e independentes e por isso são felizes. Discordo dos que dizem que os gatos apenas vivem. Não! Eles vivem e existem. E existem pois que sabem que mais dinheiro, posição e fotos de perfil perfeito não contam.

       Estou sozinho agora, aliás não sozinho e sim na companhia do Alf. Não há limites para sua liberdade a não ser aqueles que a razão fora de seu pequeno corpo impõe. Não deixo janelas abertas e limito sua ação faminta. Ele apenas come ração, nada mais. E ainda assim é independente, livre, inteiro, único, sem que pensem por ele, sem que ele pense que pensa por si. Não veste azul. Visto azul e “escolho” no armário a cor a que portar. Escolho?

       Uma amiga me envia um whats. Minha solidão com o Alf me faz pegar imediatamente, ansioso, o telefone. Abro. Não mais do que três ou quatro mensagens. Não consigo mais ver um filme sem pará-lo para consultar o celular. Não leio mais sem parar, a cada meia página. Será que me mandaram um whats? Como vou responder? Que posso postar para ter mil curtidas? Mas e o Alf.. Pois bem, cá, limpo, sobre o móvel da sala. Ignora-me um pouco mas volta-me o olhar…

       Recebo desta amiga fotos de crianças. Estamos ajudando este grupo. É bem legal. Vale cada instante ver o sorriso nos olhos deles. Isso me comove. Enche-me de dor. Dor? Que é esta dor? Pergunto-me e sem paciência não espero que me chegue a resposta. Alf está aqui. Sobe mais uma vez no teclado e desorganiza um pouco do que estou fazendo. Cadê a minha paciência para buscar as respostas? O telefone é mais importante! Whats do grupo de estudos. Corro, afoito. Quero responder, dar a primeira notícia. Saiu esta lei, escrevi este texto, penso isso! Não! Fui eu quem disse isso antes.

       Por que a dor? Não sei ao certo se é porque ainda tenho um pouco de vergonha ou desejo de extirpar a culpa. O certo é que dói. E dói muito. Mas permaneço aqui, inerte. Cumprimento a amiga e deixo um beijo.

       Que é este trabalho? Por que as pessoas o fazem? Por dever? Com dever? Para Kant toda a ação, para assim o ser, deve ser desinteressada. Agir com dever e, no caso, somo eu, não para aliviar a culpa ou para sentir-se bem mas porque é o certo a ser feito. Por que as pessoas o fazem? Agem por dever? A mim me parece que sim, pois que postam fotos, contam aos outros e se sentem bem. Por isso, creio, é mais honesto, quem sabe, não fazer. Sem dor, sem culpa, sem dever. Simplesmente a inércia da liberdade de não agir. De deixar que o caos ou o universo resolvam.

       Ainda assim, não posso deixar de pensar. Alf me arranha o rosto. Sangro. Não vejo culpa, pena, dor em seus olhos. Ele simplesmente é livre de qualquer sentimento como estes. O gato não se angustia jamais! Ele é livre para isso. Sei que a angústia, em certa medida e para quem sabe vive-la, é boa, criativa, ela também é opressora porque é finita!

       Faço macarrão aos necessitados para aliviar a culpa, o medo, a dor, a angústia. Não sou, por isso, livre mas escravo de meus próprios demônios. A ação vai acabar e as perguntas voltarão e bem rápido. Aproveitar o caminho seria uma forma boa de momentaneamente resolver isso mas ainda assim a liberdade de Alf será mais ampla e plena que a minha. Ele mia agora. Quer subir no balcão. Não me oferece nada, nem carinho, nem um rato, nem um mordisco leve. Apenas que eu sirva de trampolim. Age livremente e, sem êxito, desiste sem pena de si ou pensamento de que deveria ter agido de outra forma. Ele jamais se culpa! Só os idiotas se culpam!

       A noite chega. Nossa, estou a seis horas aqui e não produzi mais que uma folha. Mais uma vez não estou livre. Produzir o que? Aproveitei os momentos comigo mesmo e as reflexões filosóficas, mas o tempo de estrada se foi e não me foi suficiente. Minhas questões reapareceram velozmente. Meus olhos ardem e minhas mãos tremem. Pego uma panqueca na geladeira e uma garrafa d´agua. Apenas para mudar o foco.

       De repente vejo a janela aberta. Alf, Alf.. AAAAAALLLLFFF grito… corro olho para baixo…

       Sinto uma leve mordida em minha canela. Alfiii… que susto!!!

       Ele podia, sem culpa e livremente, ter-se jogado!

       Sento no chão sem fechar a janela e com ele no colo. Nossa, que medo!

       Defender-se do bem é muito difícil. Ele nos desarma e, quando o tiro chega, não sabemos de onde veio! Normalmente é devastador! O mal nos torna mais livres pois que podemos nos despir de nossos limites sociais e morais para nos mantermos vivos!

       O gato escapa de minhas mãos e pula junto à janela. Olha-me seriamente e antes de que eu posso fazer qualquer coisa toma sua decisão…

*Rafael da Silva Marques é Professor, Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região e Membro da AJD – Associação Juízes para a democracia. 

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