COVID-19: obrigatoriedade na vacinação

Edison Tetsuzo Namba, Juiz de Direito, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

Introdução

        A doença coronavírus tem causado transtornos à saúde da população mundial, bem como prejudicando a vida normal de cada um. Não se pode trabalhar de maneira corriqueira, tampouco frequentar comércios, lugares de lazer, estudar, adquirir cultura, dentre outras atividades.

        Todos ficam aflitos porque não se têm sintomas certos, embora alguns genéricos sejam indicados (febre, tosse seca, cansaço – mais comuns -, dores e desconfortos, dor de garganta, diarreia, conjuntivite, dor de cabeça, perda de paladar ou olfato, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés – menos comuns -, dificuldades de respirar ou falta de ar, dor ou pressão no peito, perda de falta ou movimento – graves).

        Em razão disso, quer-se, com a maior brevidade possível, obter-se uma vacina, que imunize as pessoas para não a contraírem.

Créditos: PixaBay / Alexandra_Coch

        Todavia, outra questão põe-se em debate, se houver vacinação ela poderá ser imposta, ou seja, obrigatória, ou cada um poderá dispor da possibilidade, ou não, de buscá-la.

 

Constituição Federal

        Na Carta Magna inscreve-se que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é constituir uma sociedade livre (art. 3º, inciso I). Logicamente, descarta-se, de pronto, a possibilidade de servidão e de escravidão, totalmente incompatíveis com o mundo pó-contemporâneo. Além disso, sabe-se que a liberdade não é absoluta, tanto que se alguém fere as normas jurídicas, no âmbito penal, pode ser privado da sua.

        Alguém, todavia, que siga todos os regramentos pode agir como bem entender, por exemplo, não se submetendo a políticas públicas de saúde? Em princípio, não. Ele deve, igualmente, contribuir para o bem estar social.

        Veja-se a redação do art. 197 da Constituição: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução se feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

        O Poder Público, pelo dispositivo constitucional, nos termos da lei, cabe a ação e serviços de saúde, que possuem relevância pública. Ele regulamenta, fiscaliza e controla uma e outra. Em outras palavras, se for necessário, pode impor a medida mais adequada para coibir, no caso em estudo, a imunização quanto à Covid-19, combatendo-a, com, por exemplo, a vacinação obrigatória.

        Afinal, todos têm direito, mas o Estado tem o dever de zelar pelas políticas sociais e econômicas para reduzir o risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196).

        O Estado contribuirá para, individualmente, mantenha-se a vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana, princípio inserto no art. 1º, inciso III, que se concretizará com a higidez da saúde de cada um e da sociedade.

        Se não agir, de maneira compulsória, se esta for a melhor solução, virá a incidir em responsabilidade (art. 37, § 6º – objetiva – basta provar ação ou omissão, nexo causal e prejuízo, para indenização, do dano material e dano moral causados – art. 5º, inciso X).

        De certa maneira, as pessoas não serão forçadas a se vacinar, deverão apenas cumprir a Carta Maior e a legislação, sendo que estar-se-á garantindo um direito fundamental (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” – art. 5º, inciso II).

        Não se violará a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, conforme prescreve o art. 5º, inciso X, porquanto quer-se o bem de todos, não o malefício (princípios de bioética, beneficência e não-maleficência, respectivamente). Não ficará a descoberto qualquer informação íntima, da vida, da honra ou da imagem de alguém, estar-se-á, sim, auxiliando que continue a exercitar cada um dos direitos.

        Em verdade, a autonomia, outro princípio bioético, não estaria sendo limitado, ao contrário, ela seria exercida, entretanto, face ao bem maior, deveria dar azo a uma alternativa de saúde pública.

 

Legislação ordinária

        Duas legislações básicas sustentam a vacinação obrigatória, uma, de 1975, Lei 6.259, recepcionada pela Lei Teto, e a outra em vigor no governo de Jair Bolsonaro, Lei n º 13.979/2020.

        O primeiro diploma legal, veio para dispor sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças e outras providências.

        No art. 3º da lei, em seu “caput”, estabelece-se que “Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório” (grifou-se).

        O parágrafo único complementa que “As vacinações obrigatórias serão praticadas de modo sistemático e gratuito pelos órgãos e entidades pública, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional”.

        Quanto à outra lei, 13.979/2020, não se menciona o termo “obrigatória”, entretanto, conciliando-se a intepretação da Constituição Federal e da lei acima, pode-se utilizar esse meio de imunização.

        Ela veio disciplinar medidas para enfrentamento da emergência da saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

        Sendo assim, os governos federal, estadual e municipal podem cooperar entre si e instituir uma campanha de “vacinação obrigatória”, a fim de imunizar a população e erradicar da doença. É até aconselhável que seja uma atuação conjunta dos entes federativos, a fim de dar maior eficiência a alguma política de saúde.

        Seria inócua a iniciativa isolada, porque, se apenas da União, ficaria distante seu esforço de cada um dos cidadãos de um Estado-membro ou munícipe. Se do Estado, ficar-se-ia sem uma orientação geral. Só do município, igualmente, a estratégia governamental ficaria restrita. Não se olvide que a população migra e um lugar imunizado ficaria à mercê de quem não o foi.

        Todos querem é se livrar do mal que afeta a vida de cada um, materialmente, emocionalmente, psicologicamente. Causa problemas de isolamento social, o que traz, eventualmente, doenças somáticas, de diversas ordens.

 

Consequências da recusa na vacinação

        Acaso não se atente ao comando de se vacinar, pode advir consequências administrativas, civis e penais.

        Pagar uma multa pelo descumprimento da medida, o que, para o coletivo nada significa, porque o que se almeja é a imunização para não haver o contágio. Seria apenas uma alerta para a pessoa emendar-se, com escalonamento, dependendo da condição econômica do transgressor.

        Tudo depende da legislação a disciplinar a matéria.

        Na seara cível, o art. 186 do Código Civil disciplina a matéria, ou seja, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

        Se a pessoa, voluntariamente ou com culpa, não se vacinar e disseminar a doença para outrem, pode arcar com o dano material e moral que isso acarreta. Quem sabe, até mesmo, dependendo dos efeitos, por algum dano estético.

        No âmbito penal, tem-se cogitado do art. 268 do Código Penal: “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propaganda de doença contagiosa”.

        pena para esse crime, em abstrato, é pequena, de um (1) mês a um (1) ano de detenção, e multa.

        Sendo assim, por poder dar ensejo a aplicação da Lei nº 9.099/1995 (art. 61) seu efeito intimidatório pode não ser intenso.

        Esses são alguns instrumentos jurídicos de que se dispõe para combater a atitude de quem não quer colaborar com a vacinação.

        Não se cogita de vacinar alguém forçosamente, porque seria uma medida muito invasiva. Atualmente, procura-se não coletar sangue de alguém para dosagem alcóolica e, tampouco, para teste de maternidade ou paternidade.

 

Legitimidade da recusa

        Por outro lado, a pessoa poderia recursar-se a vacinar-se de maneira legal e legítima.

        Existem alternativas de futuras vacinas no mercado (principalmente, da Pfizer em parceira com a BioNetch e da Universidade de Oxford em o laboratório AstraZeneca). Seriam duas opções aceitáveis. Se, eventualmente, outra vacina for aplicada e não houve teste de uma eficácia igual ou maior, poderia haver recusa do paciente. Haveria necessidade de um estudo técnico para isso, todavia, não se descarta a hipótese.

        Alguém a ser imunizado ou tratado não precisa receber o melhor e mais caro meio para combater a doença, porém, o eficaz dentre os existentes. Em contrário, uma pessoa poderia recusar-se a ser vacinado.

        A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso VI, coloca que é “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

        Se determinada religião prega a “contaminação pela vacina”, desde que não haja risco à integridade física/psíquica e à vida de alguém, principalmente crianças e adolescentes, poder-se-ia cogitar da não vacinação. Aqui, deve-se ponderar, no caso concreto, a “proteção integral” dos jovens (art. 1º da Lei nº 8.069/1990).

        Existe a possibilidade de alguém viver totalmente só, o que não convém e é inusitado nos tempos hodiernos, sem contato com terceiro, ou com alta restrição. Nesse caso, contágio não haveria, pois não conviveria com outras pessoas. Nessa situação, se não desejasse poderia haver a não vacinação, porque não se pune o ato de alguém não se cuidar e, possivelmente, chegar ao óbito.

 

Conclusões

        A disseminação do corona-vírus causou e causa transtornos significativos para todos. Existem autonomias restringidas e imposição de condutas.

        Todos anseiam por uma vacina, para imunizar a população mundial. Alguns laboratórios, em parceria ou não, já estão à frente nessa iniciativa.

        Na esfera constitucional e infraconstitucional há possibilidade de se impor a vacinação, ou seja, a chamada “vacinação obrigatória”, a fim de impedir a propagação do COVID-19, em respeito a políticas públicas de combate.

        Acaso o Estado se omitisse, poderia ser responsabilizado, nos termos do art. 37, § 6º, da Carta da República.

        O particular que não colaborar pode sofrer multa, pagar um valor de indenização ou, até mesmo, responder penalmente.

        A recusa na vacinação, legalmente e legitimamente, pode ocorrer se houver a escolha por uma vacina ineficaz; por questões religiosas, desde que não afeta alguém, em sua integridade pessoal e vida e, por fim, se ficar isolado, situação peculiar, e não tiver contato com terceiros.

 

 

Edison Tetsuzo Namba
Edison Tetsuzo Namba é  Articulista do Estado de Direito. 50. Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura – EPM (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º). Docente Assistente da Escola Paulista da Magistratura (9º CDPP e 10º CDPP – especialização). Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Ex-representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – São Paulo. Membro do Instituto de Direito de Família. Autor do livro Manual de bioética e biodireito, São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2015.

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