Cooperação técnica judiciária Brasil e Rússia – algumas considerações a respeito

Eduardo Biacchi Gomes*

Ane Elise Brandalise Gonçalves**

Nas notícias do site do Supremo Tribunal Federal, doravante denominado de STF, é possível constatar a seguinte divulgação datada de 16 de abril deste ano: “Judiciários brasileiro e russo discutem acordo de cooperação jurídica” (disponibilizada em: http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289591&caixaBusca=N. Acesso em: 17 abr 2015), em que a Rússia demonstrou interesse em exportar a experiência brasileira tida em termos de sistema de processo eletrônico (que inclui programas de computador feitos para esta sistemática de processos digitais, a exemplo maior do projudi, do e-proc, entre outros).

Tal tema, envolvendo cooperação técnica, sugere a abordagens de certas considerações a respeito, sendo que atualmente pode-se ver que o Brasil é atuante na área de cooperação, a exemplo maior da cooperação Sul-Sul, espécie de cooperação técnica horizontal que funciona como “um mecanismo de desenvolvimento conjunto entre países emergentes em resposta a desafios comuns” (PNUD, 2000).

Para tanto, é preciso compreender o significado da própria noção de cooperação e a razão dela existir cada vez mais no mundo atual. Em simples palavras, a cooperação nada mais seria que um processo de negociação (conhecido como “coordenação de políticas” ou, no original, policy coordinations), sendo que se consolida quando os variados atores sociais, que não necessariamente apenas os Estados (frise-se), conseguem ajustar seus comportamentos às preferências dos outros por meio deste processo de coordenação de políticas.

Veja-se que por dever a cooperação passar por todo um processo de negociação, não é uma situação isenta de conflitos, mas, ao revés, possui uma gama de conflitos e tentativas de superá-los, característica esta intrínseca às relações internacionais. Por isso mesmo, não pode ser confundida cooperação com harmonia, até mesmo porque onde há harmonia não há a cooperação, esta hoje com tons mais de necessidade que puramente de mero interesse.

A cooperação entre os Estados, segundo explicita o cientista político Robert Keohane, “ocorre quando as políticas perseguidas por um governo são percebidas por outros governos como facilitadoras para atingir os seus próprios objetivos de governo, como resultado do processo de coordenação de políticas” (KEOHANE, 1988), encontrando-se nesta situação o caso que foi divulgado pelo STF, em que o judiciário da Rússia verificou as facilidades do processo eletrônico e, assim, pretende implantar um sistema semelhante ao brasileiro.

Ao seu turno, a cooperação dita técnica é aquela que se realiza mediante a transferência e absorção de conhecimentos em termos de tecnologia e desenvolvimento de outros países, e é realizada por variados programas de cooperação.

Na posição de detentor da tecnologia que transfere a outrem, o Brasil se destaca nos casos da chamada cooperação Sul-Sul e em assuntos como meio ambiente, desenvolvimento e intercâmbio de saberes científicos. Nesse sentido, é de se colocar como exemplos (apenas a título ilustrativo e de modo algum a título taxativo), a começar pela questão do meio ambiente o evento Rio+20, não tão aclamado pela comunidade internacional por uma série de problemas tidos que não cabe dissecar neste momento. Na questão de desenvolvimento cite-se o acordo comercial realizado em 2013, ainda não em vigor, entre o Brasil e mais dez países emergentes, visando dar preferência de 20% em boa parte das exportações entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela), Índia, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba (MOREIRA, 2013). Por fim, no que tange ao intercâmbio de saberes, é de se mencionar a ampliação, advinda de 2011 em diante, de Bolsas CAPES e incentivo a brasileiros na busca de locais como Espanha (conhecido como Projeto Ibero-Americano) e Índia.

Mais especificamente, em termos de Judiciário, também variados exemplos, para além do caso mais recente entre Brasil e Rússia, podem ser vislumbrados. Nesse sentido, ocupando o Brasil tanto a posição de portador e transferidor de tecnologia quanto de estudante e assimilador, cabe menção à Cúpula Judicial Ibero-Americana, que conta com Brasil e 22 países, o Fórum de Justiça do BRICS, o MercoJur – um informe jurídico mensal sobre decisões e notícias do Cortes Supremas e Constitucionais do Mercosul e Associados, que visa a ampliar os canais de intercâmbio de informações e experiências na área judicial (STF, 2011), entre tantos outros.

De qualquer modo, as críticas conferidas às formas de cooperação variam conforme o programa, tema e posição brasileira. Há quem mencione que o Governo Dilma (2011 em diante) trata sem distinção países ricos e pobres, ao invés de buscar o fortalecimento na relação entre países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A agenda internacional, por exemplo, demonstra que as visitas realizadas pela Presidenta foram equilibradas, marcando presença nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha, mas também em países considerados em desenvolvimento, como Índia, Argentina, Colômbia, Haiti e Cuba. Em termos de cooperação técnica, também há o receio de muito doar-se, mas pouco ou nada receber em troca, numa espécie de conspiração ou exploração alheia.

Ainda assim, sem embargo das críticas existentes a respeito da cooperação brasileira, um futuro acordo bilateral entre Brasil e Rússia que verse sobre o sistema eletrônico judicial parece trazer benefícios para ambos os Estados, em prol de um sistema judiciário mais célere. Apesar da Rússia ser um país geograficamente distante do Brasil, mostra-se como um importante ator na cooperação, especialmente nos assuntos militares, de energia e de educação.

FONTES:

KEOHANE, Robert. Despues de la Hegemonia: Cooperación y Discordia en la Política Econômica Mundial. Ed. Argentina. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1988.
MOREIRA, Assis. Acordo Sul-Sul está engavetado na Casa Civil. Disponível em: https://www1.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/?page=&cod=892422. Data de acesso: 21 out 2014.
PNUD. Cooperação Sul-Sul. Disponível em: http://www.pnud.org.br/CooperacaoSulSul.aspx. Data de acesso: 21 out 2013.

STF. Judiciários brasileiro e russo discutem acordo de cooperação jurídica. Notícia de 16 de abril de 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=289591&caixaBusca=N. Data de acesso: 17 abr 2015.

____. Novo boletim de jurisprudência do Mercosul. Notícias de 15 de dezembro de 2011. Disponível em:
http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesClipping.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=196306 . Acesso em: 03 mai 2015.

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AUTORES:
* Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Programa de Pós Graduação em Direito do UniBrasil, Professor Titular da PUCPR e Professor do UNINTER. Líder do Grupo de Pesquisa Pátrias, registrado no CNPQ
** Bacharel em Direito pela PUCPR (2012) e em de Relações Internacionais pela UNINTER/PR (2015). Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia na UNIBRASIL e integrante do Grupo de Pesquisa Pátrias.

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