Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no Campo Brasil 2022

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no Campo Brasil 2022. Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT). Goiânia: CPT Nacional, 2023, 254 p.

 

 

                  

 

No dia 17 de abril, às 9 horas, na Universidade de Brasília (UnB), foi lançada a publicação “Conflitos no Campo Brasil 2022”, que traz dados alarmantes sobre a violência no campo no país, no último ano. De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), em 2022 foram registrados 47 assassinatos por conflitos no campo, um aumento de 30,55% em relação ao ano anterior. O lançamento tomou o formato de um Seminário, que se desenvolveu no Auditório Esperança Garcia, da Faculdade de Direito, numa programação com mesas de debate.

A sessão inaugural, com a emoção da mística, plástica, coreográfica e mobilizadora, pode ser acompanhada pela transmissão midiática da abertura, que pode ser conferida no Canal YouTube do Grupos de Pesquisa O Direito Achado na Rua, com a gravação das manifestações de mesa: https://www.youtube.com/watch?v=ldnvbo9s2bI.

 

Conforme o resumo preparado pelos organizadores, além do alto número de assassinatos, os conflitos por terra no Brasil aumentaram 16,7% em relação a 2021. Os dados da 37ª edição do relatório também dão destaque para as mortes de Yanomamis em decorrência de conflitos, para os registros de violência na Amazônia e no Matopiba e apresenta números de casos de trabalhadores resgatados de condição análoga à escravidão, que correspondem ao mais alto índice dos últimos dez anos.

Também para os Organizadores, o lançamento da publicação foi uma oportunidade para a imprensa destacar esses números e trazer à tona a discussão sobre a violência no campo no Brasil, que tem sido cada vez mais frequente e preocupante.

Com imediata repercussão, principalmente nas redes sociais, o evento foi amplamente noticiado com um resumo importante dos principais dados. Entre outros registros: https://www.terra.com.br/nos/indigenas-foram-as-principais-vitimas-de-conflitos-no-campo-em-2022,4c68ab33d8629e64b7f783757b70185d8znnu0m4.html:

Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta segunda-feira (17), mostra que o ano de 2022 foi marcado pelo elevado crescimento nos dados sobre violência contra a pessoa em decorrência de conflitos no campo. Ao todo, foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.065 pessoas, 50% a mais do que o registrado em 2021 (368, com 819 vítimas). Nesse cenário, que inclui assassinatos, tentativas de assassinato, ameaças, agressões, tortura e prisões, povos tradicionais despontam como as principais vítimas.

Em 2022, 38% das 47 pessoas assassinadas no campo eram indígenas, o que totaliza 18 casos. Em seguida, aparecem trabalhadores sem-terra (9), ambientalistas (3), assentados (3) e trabalhadores assalariados (3). Além desses, as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, somam-se ao cenário crítico de vítimas dos conflitos agrários 2022.

O número de assassinatos por conflitos no campo no ano passado representou crescimento de 30,55% em relação a 2021 (36 mortes) e 123% em comparação com os dados registrados em 2020 (21 mortes).

Entre os assassinatos, destacam-se os casos ocorridos em Mato Grosso do Sul, em territórios de retomada dos indígenas Guarani-Kaiowá. Foram seis indígenas vitimados entre maio e dezembro, colocando o estado como o terceiro do país que mais registrou assassinatos decorrentes de conflitos no campo. Três dessas mortes ocorreram em ação de retomada da Tekoha Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambai. No local, emboscadas e perseguições resultaram na morte de Vitor Fernandes, em 24 de junho de 2022, durante despejo ilegal executado pela Polícia Militar do estado, em ação que deixou mais 15 pessoas feridas. As outras vítimas foram Márcio Moreira e Vitorino Sanches, o segundo uma liderança assassinada no centro de Amambai e que já havia sobrevivido a outra investida similar enquanto dirigia pela estrada que dá acesso a Tekoha.

“Temos visto uma queda das ocupações de terra e avanço dos conflitos para dentro de comunidades ocupadas por populações tradicionais. Há um ataque efetivo contra as comunidades indígenas, de forma específica”, diz Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT.

Outro número divulgado pelo relatório é o de tentativas de assassinatos. Em 2022 foram notificadas 123 ocorrências desse tipo de violência, um número 272% maior que os 33 registrados em 2021. Em seguida estão os dados de ameaça de morte, que também aumentaram na comparação entre 2022 e 2021, passando de 144 para 206, com crescimento de 43,05%.

Boa parte dessas violências por conflitos no campo atingiram especificamente mulheres. Foram seis assassinatos, número que se iguala aos ocorridos em 2016 e 2017. Os demais tipos de violência sofrida pelas mulheres em 2022 foram a ameaça de morte (47, resultando em 27% do total), intimidação (32, com 18%), criminalização (14, com 8%), tentativa de assassinato (13, com 7%) e agressão e humilhação (9 cada uma, com 5%).

Crianças e adolescentes passaram a estar na mira desse tipo de violência durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. De 2019 a 2022, segundo os números levantados pela CPT, foram nove adolescentes e uma criança mortos no campo. Desses, cinco eram indígenas. Entre os dados de violência contra a pessoa, a morte em consequência de conflito registrou 113 casos, sendo 103 na Terra Indígena Yanomami, com 91 vítimas crianças, representando 80,5% dos casos. O povo Yanomami viveu, nos últimos anos, um agravamento da crise humanitária de saúde e segurança em meio à invasão de suas terras por garimpeiros.

“O futuro das comunidades indígenas está ameaçado, não só pela invasão de suas terras e o assassinato de lideranças, mas por impedir a existência das próximas gerações”, afirma Isolete. A dirigente da CPT cobra do novo governo que cumpra a promessa de resgatar as políticas de proteção territorial e de reforma agrária, que demanda orçamento e pessoal. Ela também cobra a reforma e ampliação do programa de defensores de direitos humanos, para enfrentar as graves ameaças e impedir o assassinato recorrente de lideranças comunitárias no campo.

O relatório anual da CPT referente a 2022 apontou um total de 2.018 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas.

Chamou-me a atenção matéria do sítio do IHU – Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mural que sigo cotidianamente por ser para mim um dos mais qualificados e seletivos sobre os temas que coleciona. Com a chamada Lançado Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2022: memória, histórias, análises, resistências (https://www.ihu.unisinos.br/627988-lancado-caderno-de-conflitos-no-campo-brasil-2022-memoria-historias-analises-resistencias), expôs o IHU, com reportagem de Luis Miguel Modino:

Sobre a violência, algo contrário à vontade de Deus, o vice-presidente da CPT destacou, seguindo a Doutrina Social da Igreja, que “a violência nunca constitui uma resposta justa, a Igreja proclama, com a convicção de sua fé em Cristo e com a consciência de sua opção, que a violência é má, que a violência como solução para os problemas é inaceitável, que a violência é indigna do homem. A violência é uma mentira, pois é contrária à verdade da nossa fé, à verdade da nossa humanidade”, fazendo ver a necessidade no mundo atual dos profetas não armados.

A Comissão Pastoral da Terra lançou nesta segunda-feira 17 de abril na Universidade de Brasília o “Caderno de Conflitos Brasil 2022”, que já está na 38ª edição, dentro de um dia de seminários em que tem sido discutido a partir das propostas dos povos, como ter vida digna. Um caderno que mais do que um relato sobre a violência no campo, “ele traz memória, ele traz histórias, e muito além dos dados inúmeros que são apresentados aqui, ele traz análises das realidades do campo, e ele traz também as resistências e ele traz a identidade desses povos”, um caderno que “simboliza muito mais do que simplesmente números”.

Em 2022 foram 47, 6 mulheres, os assassinatos no campo, o que faz ver que essa realidade tem que ser mudada, ainda mais no dia em que o Brasil faz memória do Massacre de Eldorado dos Carajás. Um caderno que quer fazer também memória de Dom Tomás Balduino, no ano do centenário de seu nascimento.

“Com amor e com temor”, disse estar presente no lançamento pela primeira vez Dom Silvio Dutra, amor pela causa e temor por não ter muita familiaridade com esse tipo de encontros. O Bispo da Diocese de Vacaria/RS ressaltou “aquilo que está sendo feito aqui baseado, sedimentado em aquilo que cremos, nas verdades que cremos, nos valores que cremos, nas lutas que cremos”. Algo que o Bispo fundamentou no relato do Livro do Êxodo, na Gaudium et Spes e na Doutrina Social da Igreja, que anuncia e denúncia realidades que existem. Dom Silvio Dutra chamou a não ser sentinelas mudas e sim alguém que como Deus está sensível, desce e vai libertar o seu povo.

Sobre a violência, algo contrário à vontade de Deus, o vice-presidente da CPT destacou, seguindo a Doutrina Social da Igreja, que “a violência nunca constitui uma resposta justa, a Igreja proclama, com a convicção de sua fé em Cristo e com a consciência de sua opção, que a violência é má, que a violência como solução para os problemas é inaceitável, que a violência é indigna do homem. A violência é uma mentira, pois é contrária à verdade da nossa fé, à verdade da nossa humanidade”, fazendo ver a necessidade no mundo atual dos profetas não armados.

Antes de apresentar os dados recolhidos no Caderno de Conflitos, José Geraldo de Souza Junior, professor da Universidade de Brasília, fez uma reflexão em torno a essas temáticas, desde uma perspectiva histórica e antropológica, recolhendo histórias de luta no Brasil.

O Caderno é fruto de um trabalho conjunto, segundo lembrou Tales Pinto, do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, que começou mostrando um aumento de 10,39 por cento nos conflitos no campo em relação a 2021, superando os dois mil, que vem acontecendo em diferentes modos, como foi relatado, mostrando onde se localizam esses conflitos no país. Uma violência que é contra as pessoas, vítimas de assassinatos e ameaças, o que o levou a reclamar a necessidade de políticas de proteção. São conflitos por terra, por água, conflitos trabalhistas, que se fazem presentes na vida dos povos do campo no Brasil.

Uma violência presente no Vale do Javari, na fronteira entre o Brasil e o Peru, uma região com maior número de povos isolados no mundo, segundo relatou Beto Marubo, liderança Univaja. Ele foi detalhando o que acontece na região e o trabalho realizado por Bruno Pereira, sobretudo empoderando os indígenas, assassinado naquela região em 2022. Por isso foi destacado a necessidade de o Governo Brasileiro fazer a proteção desses indígenas. Um Caderno de Conflitos que tem uma enorme importância para os trabalhos de pesquisa nas universidades brasileiras, como foi mostrado no lançamento.

Vale também conferir a matéria do próprio sítio da CPT: CPT divulga dados inéditos sobre conflitos no campo em seminário na UnB (https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/6356-cpt-divulga-dados-ineditos-sobre-conflitos-no-campo-em-seminario-na-unb):

Além da divulgação de dados e análises sobre a realidade dos territórios, atividade de lançamento da 38ª edição do Caderno Conflitos no Campo Brasil traz depoimentos dos povos do campo, das águas e das florestas.

Na manhã desta segunda-feira, 17, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a publicação Conflitos no Campo Brasil 2022, em seminário realizado no Auditório Esperança Garcia, na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O livro apresenta dados dos conflitos no campo registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, no último ano, além de artigos de pesquisadores(as) convidados(as).

Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT, abriu a atividade dizendo que a publicação, em sua 38ª edição, não apresenta apenas dados de conflitos e violência no campo, mas também traz memórias e histórias dos territórios, das resistências e da identidade desses povos e comunidades. “Esse Caderno traz muito mais que números. É fundamental nós conhecermos quem são esses povos, onde estão, o que sofrem, aquilo que trazem em seus modos de vida,” destacou Isolete.

A atividade é realizada no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, Dia Internacional da Luta Camponesa e na data em que se completam 27 anos do massacre do Eldorado dos Carajás. “Hoje é dia de fazermos memória dos 19 trabalhadores que foram assassinados na Curva do S, em Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, e de tantos outros camponeses e camponesas que foram mortos. No ano passado, foram 47 assassinatos no campo, seis foram mulheres. Para muitos, pode parecer pouco. Mas, para nós, significa muito. Enquanto uma pessoa estiver sendo violentada, enquanto estiver ocorrendo violência e morte no campo, é nossa tarefa enquanto Igreja denunciar e dizer que essa realidade precisa ser mudada”, reafirmou Isolete.

O bispo da Diocese de Vacaria e vice-presidente da CPT, Dom Sílvio Guterres, relembrou que, de acordo com a Doutrina Social da Igreja, é necessário denunciar o pecado da injustiça e da violência, que atravessam a sociedade e nela tomam corpo, em defesa dos direitos ignorados e violados dos mais pobres. “O mundo atual precisa do testemunho dos profetas não armados. Devemos repetir isso nos nossos encontros, em nossas igrejas, neste tempo em que o armamento foi proclamado, patrocinado, incentivado e defendido em nome de Deus”, disse Dom Silvio.

Representando a Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Júnior, professor da Faculdade de Direito, relembrou que a UnB, sem perder a laicidade, sempre esteve aberta ao diálogo com os movimentos populares, construindo o pensamento acadêmico junto com os povos em sua lida com a realidade.

 

 

 

Ao apresentar tabelas e gráficos comparativos das ocorrências de conflitos e das violências no campo, Tales Pinto, coordenador do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC – CPT), afirmou que os assassinatos no campo não ocorrem de maneira isolada, mas sim como resultado de uma escalada de violência que atinge as comunidades e os territórios. Ele apontou ainda que,  entre 2016 e 2022, período que vai do golpe que deu início ao governo de Michel Temer ao final governo Bolsonaro, 27,36% dos territórios onde ocorreram os assassinatos também sofreram pelo menos uma ação de pistolagem, 15% sofreu pelo menos uma ameaça de expulsão, 9% sofreu pelo menos uma ação de invasão e 13% uma ação de grilagem.

No mesmo período, em 59% dos territórios onde ocorreram assassinatos, houve também pelo menos uma tentativa de assassinato e, em 52%, houve registro de ameaça de morte. “Isso mostra que são necessárias políticas de proteção às pessoas ameaçadas nos territórios”, apontou o coordenador do CEDOC.

Adriano Rodrigues de Oliveira, professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), que contribuiu na análise dos dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, ressaltou a importância da publicação para pesquisadores e pesquisadoras da Universidade. “Eu sempre tenho destacado a importância desse Relatório, tão brilhantemente elaborado pelo CEDOC-CPT. É instrumento vital para as nossas pesquisas”, considerou Adriano.

O professor falou sobre a intensificação dos processos de apropriação dos territórios indígenas, comunidades camponesas e áreas legalmente protegidas. “As corporações de commodities influenciam o Estado e conflitam com as pautas ambientais, sócio-trabalhistas, culturais, agrárias, acadêmicas, dos povos tradicionais, da relação campo-cidade”, afirmou.

A mesa de abertura também contou com depoimento de Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que falou sobre a importância do trabalho de capacitação técnica realizado pelo indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinado em 2022, para que os indígenas da região pudessem ter mais respaldo em suas denúncias sobre invasões aos territórios.

“Bruno ensinou mapas, programação de computadores, georreferenciamento e pilotagem de drones para termos relatórios técnicos. Antes, o que acontecia? A gente chegava no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, e nossas mensagens eram inócuas. Diziam: precisamos de provas, vocês têm que comprovar”, relembrou. A partir dessa capacitação, houve o empoderamento dos indígenas na região. Segundo Beto, cerca de 30 indígenas foram capacitados para fazer a vigilância do território e elaborar subsídios e relatórios técnicos das violações contra as invasões no território. Hoje, outras lideranças são capacitadas para levarem adiante o trabalho deixado por Bruno, contou Beto.

 

 

 

Ao encerrar a mesa, Isolete Wichinieski convocou os representantes do governo e das instituições de justiça presentes a olharem para o livro Conflitos no Campo Brasil 2022 como instrumento de análise da realidade dos povos e comunidades do Brasil, para elaboração de políticas de garantia de seus direitos, incluindo o Plano Nacional de Reforma Agrária. “Para aqueles e aquelas que estão ao lado desses povos e comunidades, e que ainda não olharam para esta realidade, que a publicação seja instrumento para auxiliá-los a cumprirem seu papel de profeta”, disse a Coordenadora Nacional da CPT.

Na Apresentação, do Caderno, assinada por toda a Comissão Pastoral da Terra, dizem os Organizadores que a edição do caderno “traz análises sobre os dados que indicam esse acirramento da violência”, enquanto expõe a metodologia do levantamento realizado e sintetiza as contribuições trazidas por analistas que com seus textos explicam os números, os quadros, as tabelas, desde a abertura com o tema Conflitos no Campo, assinado por Julianna Malerba, seguindo-se pelos eixos temáticos – terra, água, trabalho, violência contra a pessoa, manifestações – os tópicos e seus desdobramentos.

No eixo terra, Jéssyca Tomaz de Carvalho e Adriano Rodrigues de Oliveira balizam a discussão com o tema A Marcha de Apropriação dos Territórios Bloqueados e os Novos Componentes da Questão Agrária, enquanto Luis Ventura Fernández o recorta problematizando O Papel do Estado na Violência nos Territórios.

No eixo água, Joice Silva Bonfim formula o tema Privatização das águas, produção da escassez e violência: intensificação e agravamento dos conflitos por água. As tabelas e mapas contidos nesse tópico exibem os números críticos que exibem os conflitos pela água.

No eixo trabalho o texto de elucidação – De 1995 a 2022: o trabalho escravo contemporâneo a partir dos dados sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra – escrito por Carolina Motoki, Brígida Rocha dos Santos e Waldeci Campos de Souza, é uma mostra do enorme de trabalho de equipe que ainda se organiza para conferir em tabela os conflitos trabalhistas e em mapa o número de pessoas libertadas.

No eixo violência contra a pessoa, o tema gerador é violência contra a pessoa em conflitos no campo na Amazônia Legal: breves considerações, propostas por Igor Rolemberg e Paula Lacerda. As tabelas e mapas registram as situações de violência contra a pessoa, violência contra a pessoa no Brasil e assassinatos. Antônio Canuto discorre sobre comemorações [que] mantêm acesa a luz na escuridão. Enquanto, finalizando a obra, Flávio Marcos Gonçalves de Araújo e Marcelo Rodrigues Mendonça organizam registros de várias manifestações que organizam sob a chave de Mutações na Forma de Existir e (Re)existir: a Natureza das Resistências no Brasil Contemporâneo e as Perspectivas Políticas.

A publicação, com a metodologia que aplica, oferece um material valioso para o conhecimento de uma situação que é gravíssima e que se constitui num dos principais desafios para o Brasil recuperar seu curso de democratização. A violência, não só a que se revela nos conflitos do campo, a violência como experiência de uma sociedade desigual que busca superar as reduções segregadoras de um processo colonial racista, patriarcal, espoliativo, impregna as relações políticas, sociais e interpessoais no contexto de nossas sociabilidade.

O Relatório não trata como eixo mas penso que teria sido importante incluir esse tema em novos estudos. Me refiro ao que já está sendo identificado, por exemplo, na Amazônia, como “agromilicianismo”, ancorado na situação flexibilizadora do armamentismo sob o disfarce “legal” de clubes de tiro.

Tratei desse tema em coluna que mantenho no Jornal Brasil Popular (https://www.brasilpopular.com/agrobanditismo-que-mata-e-fere/). Acrescento, a propósito, ao que mostra a bem desenvolvida e documentada matéria de Carol Castro (https://theintercept.com/2022/11/16/clubes-de-tiro-cercam-indigenas-e-municiam-agromilicias-na-amazonia/) Clubes de Tiro Cercam Indígenas e Facilitam Agromilícias na Amazônia, com mapas que revelam todos os pontos de localização caracterizando esse cerco.

 

 

 

Ela mostra, além disso, como a “flexibilização torna mais fácil a atuação de empresas de vigilância armada em regiões já marcadas pela violência rural”. Agora, “as agromilícias se formam no mesmo modus operandi, mas com dois facilitadores: os CACs e os clubes de tiro. ‘Você não precisa mais abrir uma empresa, basta ir lá e tirar um registro de caçador’.A lei mudou mesmo o cenário no campo. Em 2019, Bolsonaro aprovou uma lei de posse de arma estendida no campo. Ou seja, desde então, os fazendeiros podem andar armados por toda sua propriedade – e não apenas na sede, como era antes. “Essas propriedades na Amazônia são do tamanho da região metropolitana de São Paulo. Então essa pessoa pode andar por milhares de quilômetros armada. Ela agora pode botar um fuzil legal dentro da sua propriedade”. Ver ainda, no mesmo jornal, o meu artigo https://www.brasilpopular.com/artigo-armamentismo-uma-estrategia-miliciana-assumida-como-metodo-de-governo/.

Conflitos no Campo Brasil 2022 vem se juntar a outros estudos importantes sobre a violência nessa que é a mais crítica faixa de agressividade da expansão capitalista e da ganância acumuladora no mundo e em nosso país. Há poucos meses, também na UnB, tivemos o lançamento de relatório semelhante, do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, sobre violência contra os povos indígenas. A propósito, meu artigo na coluna O Direito Achado na Rua do Jornal Brasil Popular:  https://www.brasilpopular.com/as-chamas-do-odio-e-a-continuidade-da-devastacao-relatorio-do-cimi-sobre-violencia-contra-os-povos-indigenas/. O Relatório pode ser consultado e copiado na página do CIMI (https://cimi.org.br/2022/08/relatorioviolencia2021/).

Todos esses documentos são divulgados num momento de agravamento da violência contra os povos indígenas e seus territórios e sobre os conflitos no campo. Mas também quando uma virada democrática acontece no Brasil, com a volta de uma governança de base popular, participativa e radicalmente democrática que se abre à elaboração de políticas sociais e públicas que podem se valer desses estudos para orientar essas políticas.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

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