Com o divórcio o que acontece com os embriões de fertilização in vitro?

Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

A fertilização in vitro na medicina não e uma novidade, afinal, já se vão mais de 40 anos. A notícia que se tem é que em 25 de julho de 1978 nasceu o primeiro bebê do mundo concebido mediante fertilização in vitro, e no Brasil isso ocorreu em 1984. E de lá para cá as técnicas foram sendo aperfeiçoadas.

Mas, no campo do direito ainda temos muito o que discutir, legislar e até mesmo aprender com os resultados da fertilização in vitro.

E nesse início de 2022 nos deparamos com uma decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em que se analisava a possibilidade descarte ou não de embriões criopreservados.

Vamos entender o que aconteceu.

Na constância do casamento, o casal foi até uma clínica de fertilização e por meio da fertilização in vitro ocorreu a produção de embriões que ficaram criopreservados.

Com o término do casamento, o ex-marido manifestou-se no sentido de que não autorizava mais a implantação dos embriões excedentários. A ex-esposa apresentou um documento em que ele, ex-marido, tinha consentido – quando do preenchimento da documentação inicial – que diante de divórcio a ex-esposa é quem ficaria com os embriões.

Se na constância do casamento eles tinham um projeto parental em comum, com o divórcio o ex-marido não queria mais participar desse projeto.

Lembrando que no caso de fecundação artificial homóloga, os filhos dali havidos seriam considerados filhos do ex-marido – mesmo que ele tivesse falecido. Previsão essa contida no art. 1.597, III do CC.

E sendo eles considerados filhos do ex-marido, este teria toda a obrigação legal perante essas crianças, como por exemplo assumir a paternidade e manter as crianças, além de criar e dar educação. Nesse caso, o ex-marido não tinha mais interesse em ter filhos com a sua ex-esposa.

O E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que com o divórcio o ex-marido poderia mudar de ideia com relação a possibilidade da ex-esposa implantar os embriões. E isso dentro da ótica constitucional, na qual preza o princípio da paternidade responsável e da autodeterminação, cabe ao casal optar ou não por ter uma família na qual os filhos estão ou não presentes.

Se um dos cônjuges não tem interesse em continuar com o projeto parental que foi traçado anteriormente, ele pode mudar de ideia e requerer o descarte dos embriões.

Vejamos a ementa do processo que tramitou perante o E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL. BIOÉTICA. BIODIREITO. DIVÓRCIO. FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA. EMBRIÕES EXCENDENTÁRIOS. DESTINAÇÃO. DESCARTE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL E DA AUTODETERMINAÇÃO NO PLANEJAMENTO FAMILIAR. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

  1. Nos termos do § 7º do artigo 226 da Constituição Federal, o planejamento familiar é livre decisão do casal, observado o princípio da paternidade responsável, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de entidades públicas ou privadas.
  2. A paternidade, que deve ser sempre responsável, encerra um complexo feixe de direitos e deveres jurídicos, sociais e morais dos genitores, biológicos ou afetivos.
  3. O princípio da autodeterminação também no planejamento familiar assegura que a  decisão de ter filho, de como tê-los, a quantidade, é uma decisão livre do casal, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
  4. Com o desenvolvimento tecnológico, mormente nas ciências biológicas, foram desenvolvidas e aperfeiçoadas técnicas de reprodução assistida, as quais permitiram que reprodução humana se dissociasse da sexualidade, o que exigiu e ainda exige a modificação das estruturas jurídicas com vistas ao acolhimento e normatização desta nova realidade.

 4.1. No manejo das técnicas de reprodução assistida se verifica a cisão temporal entre formação do embrião e a implantação no útero da pessoa que gestará o feto. Desse modo, em atendimento ao princípio da autodeterminação e do livre planejamento familiar como decisão do casal, a vontade procriacional daqueles que optem por essa técnica – fertilização in vitro homóloga -, caso queiram exercer a paternidade a partir do embriões excedentários criopreservados, deve se manter perene até a implantação na pessoa que gestará a criança.

4.2. Porém, ante os princípios da paternidade responsável e da autodeterminação, um ou ambos os cônjuges/companheiros, durante o casamento, ou os ex-cônjuges/companheiros que se valeram da fertilização in vitro homóloga, podem, no livre exercício daqueles princípios, individual ou conjuntamente, decidirem não mais seguir adiante com o projeto parental antes iniciado, o que enseja o descarte do embriões criopreservados.

  1. “8. O Planejamento Familiar, de origem governamental, constitucionalmente previsto (art. 196, § 7º e art. 226), possui natureza promocional, e não coercitiva, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, e consiste na viabilização de utilização de recursos educacionais e científicos, bem como na garantia de acesso igualitário a informações, métodos e técnicas de regulação da fecundidade.
  2. O princípio da autonomia da vontade, corolário do direito de liberdade, é preceito orientador da execução do Planejamento Familiar, revelando-se, em uma de suas vertentes, um ato consciente do casal e do indivíduo de escolher entre ter ou não filhos, o número, o espaçamento e a oportunidade de tê-los, de acordo com seus planos e expectativas.
  3. Na reprodução assistida, a liberdade pessoal é valor fundamental e a faculdade que toda pessoa possui de autodeterminar-se fisicamente, sem nenhuma subserviência à vontade de outro sujeito de direito” (STJ – (REsp 1918421/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 26/08/2021).
  4. A manifestação de vontade dos genitores quanto à destinação dos embriões excedentários criopreservados decorrentes da utilização das técnicas de reprodução assistida é uma exigência do Conselho Federal de Medicina no momento de se colher o consentimento informado. Contudo, o consentimento ali externado pode ser modificado ou revogado a qualquer momento, em homenagem ao princípio da autodeterminação no planejamento familiar e da paternidade responsável. 7. Recurso conhecido e desprovido.    
    (Acórdão 1390652, 07025011720198070011, Relator: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 1/12/2021, publicado no PJe: 13/12/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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