Cidades Inteligentes e Sustentáveis e o Direito à Cidade

Coluna Direito à Cidade

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Fonte: Pixabay

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Um país não habituado a debater a si próprio

Como articular a ideia de “cidades inteligentes e sustentáveis” com o conceito de “direito à cidade”? A pergunta não é simples e tampouco a resposta se intui imediatamente, sobretudo no Brasil: não habituado a debater a si próprio, o país ainda não se debruçou de maneira adequada sobre esses dois conceitos.

Mesmo na universidade, essa é uma discussão por acontecer. A tradição da pesquisa em planejamento urbano e em arquitetura e urbanismo no Brasil é fortemente tributária das demandas de planificação do Estado. Pouca ou nenhuma atenção é conferida à inovação. E quando ela aparece, acaba por ser sacrificada no altar da ideologização do pensamento urbanístico, cujo foco é a crítica à relação entre cidade e o modo de produção capitalista.

Se por um lado a investigação acadêmica não pode ser insensível às inovações, de outro ela não se pode fetichizá-las como o lenitivo para os problemas urbanos. As contradições da cidade brasileira remontam às raízes sociais do país. O que, por evidente, não lhes retira a importância: além de lutar contra as contradições, é preciso também tornar a vida das pessoas menos sofrida.

O ponto de partida do debate

Como começar este debate? O ponto de partida é compreender o conteúdo mínimo do conceito de “direito à cidade”. Pode-se não ter clareza acerca do seu alcance, mas não restam dúvidas que ele inclui direitos como moradia e transporte. No conjunto de direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 – o projeto jurídico-político da nação brasileira – eles aparecem na forma de direitos sociais, estruturantes da ideia de Estado de bem-estar social e direitos que o Estado deve assegurar máxima efetividade.

Bondinho de Aparecida- São Paulo Foto: HVL/Wikipedia

Bondinho de Aparecida- São Paulo
Foto: HVL/Wikipedia

Moradia e transporte são direitos que podem ser potencializados pelos elementos “inteligência” e “sustentabilidade”. Como direitos sociais são, por um lado, premidos pelo conceito de “reserva do possível” e, por outro, objeto de prestações positivas por parte do Estado, a união de “inteligência” e “sustentabilidade” apareceria como balizadora de desempenho e eficiência. Dito de outro modo: a prestação dos direitos sociais à moradia e ao transporte deve ser inteligente e sustentável, porque, assim, tais direitos serão capazes de atingir a sua máxima efetividade.

O que se entende por “cidades inteligentes e sustentáveis”

O próximo passo é discutir o que se entende por “cidades inteligentes e sustentáveis”. É preciso fugir dos equívocos mais comuns. Se “cidades inteligentes e sustentáveis” tem a ver com tecnologia e inovação, seu papel é de meio, e não de fim. Portanto, antes de lançar mão soluções cobertas por esse rótulo, é preciso ter clareza de qual a finalidade que se quer atingir, para se identificar qual o meio mais adequado para tanto.

Por “cidades inteligentes e sustentáveis”, pode-se deduzir a ideia de cidades eficientes e adequadas social, ambiental e economicamente. Dito isso, é preciso saber quais são os problemas que precisam ser enfrentados. O programa habitacional não garante condições mínimas de conforto térmico? O ônibus atrasa porque o tempo do semáforo provoca um enfileiramento na faixa exclusiva? É poluente? Barulhento? Pois bem: aqui se tem um campo vasto para o desenvolvimento de soluções de eficiência e de adequação social, ambiental e econômica.

Foto: Pixabay

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O que é uma iluminação eficiente? Um ônibus pouco poluente? A medida da eficiência na mobilidade? Tais dados ou já existem, ou podem ser obtidos sem maior esforço. Com isso, se tem a fundamentação para a adoção de critérios normativos adequados a esse conjunto de elementos. O que demanda, acima de tudo, uma decisão política de lhes conferir normatividade.

Predomínio da apropriação estética de um rótulo vazio

Lamentavelmente, num país que ainda não consolidou a cultura de produzir planos diretores capazes de serem algo a mais do que cartas de boas intenções, as políticas públicas, a cargo do Poder Executivo, e a regulação urbanística, cujo protagonista é o Poder Legislativo, passam em branco sobre essa temática. Predomina a apropriação estética de um rótulo vazio, que onera o contribuinte com soluções de eficácia duvidosa.

Esse é o debate que precisa ser protagonizado pela sociedade, e que está longe de acontecer.

 

 

Wilson LevyWilson Levy é Articulista do Estado de Direito – doutorando em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Graduate Student Fellow do Lincoln Institute of Land Policy. Membro do Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico da Escola Paulista da Magistratura. Professor do Programa de Pós-Graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE.

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