Coluna Direito à Cidade
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Um país não habituado a debater a si próprio
Como articular a ideia de “cidades inteligentes e sustentáveis” com o conceito de “direito à cidade”? A pergunta não é simples e tampouco a resposta se intui imediatamente, sobretudo no Brasil: não habituado a debater a si próprio, o país ainda não se debruçou de maneira adequada sobre esses dois conceitos.
Mesmo na universidade, essa é uma discussão por acontecer. A tradição da pesquisa em planejamento urbano e em arquitetura e urbanismo no Brasil é fortemente tributária das demandas de planificação do Estado. Pouca ou nenhuma atenção é conferida à inovação. E quando ela aparece, acaba por ser sacrificada no altar da ideologização do pensamento urbanístico, cujo foco é a crítica à relação entre cidade e o modo de produção capitalista.
Se por um lado a investigação acadêmica não pode ser insensível às inovações, de outro ela não se pode fetichizá-las como o lenitivo para os problemas urbanos. As contradições da cidade brasileira remontam às raízes sociais do país. O que, por evidente, não lhes retira a importância: além de lutar contra as contradições, é preciso também tornar a vida das pessoas menos sofrida.
O ponto de partida do debate
Como começar este debate? O ponto de partida é compreender o conteúdo mínimo do conceito de “direito à cidade”. Pode-se não ter clareza acerca do seu alcance, mas não restam dúvidas que ele inclui direitos como moradia e transporte. No conjunto de direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 – o projeto jurídico-político da nação brasileira – eles aparecem na forma de direitos sociais, estruturantes da ideia de Estado de bem-estar social e direitos que o Estado deve assegurar máxima efetividade.
Moradia e transporte são direitos que podem ser potencializados pelos elementos “inteligência” e “sustentabilidade”. Como direitos sociais são, por um lado, premidos pelo conceito de “reserva do possível” e, por outro, objeto de prestações positivas por parte do Estado, a união de “inteligência” e “sustentabilidade” apareceria como balizadora de desempenho e eficiência. Dito de outro modo: a prestação dos direitos sociais à moradia e ao transporte deve ser inteligente e sustentável, porque, assim, tais direitos serão capazes de atingir a sua máxima efetividade.
O que se entende por “cidades inteligentes e sustentáveis”
O próximo passo é discutir o que se entende por “cidades inteligentes e sustentáveis”. É preciso fugir dos equívocos mais comuns. Se “cidades inteligentes e sustentáveis” tem a ver com tecnologia e inovação, seu papel é de meio, e não de fim. Portanto, antes de lançar mão soluções cobertas por esse rótulo, é preciso ter clareza de qual a finalidade que se quer atingir, para se identificar qual o meio mais adequado para tanto.
Por “cidades inteligentes e sustentáveis”, pode-se deduzir a ideia de cidades eficientes e adequadas social, ambiental e economicamente. Dito isso, é preciso saber quais são os problemas que precisam ser enfrentados. O programa habitacional não garante condições mínimas de conforto térmico? O ônibus atrasa porque o tempo do semáforo provoca um enfileiramento na faixa exclusiva? É poluente? Barulhento? Pois bem: aqui se tem um campo vasto para o desenvolvimento de soluções de eficiência e de adequação social, ambiental e econômica.
O que é uma iluminação eficiente? Um ônibus pouco poluente? A medida da eficiência na mobilidade? Tais dados ou já existem, ou podem ser obtidos sem maior esforço. Com isso, se tem a fundamentação para a adoção de critérios normativos adequados a esse conjunto de elementos. O que demanda, acima de tudo, uma decisão política de lhes conferir normatividade.
Predomínio da apropriação estética de um rótulo vazio
Lamentavelmente, num país que ainda não consolidou a cultura de produzir planos diretores capazes de serem algo a mais do que cartas de boas intenções, as políticas públicas, a cargo do Poder Executivo, e a regulação urbanística, cujo protagonista é o Poder Legislativo, passam em branco sobre essa temática. Predomina a apropriação estética de um rótulo vazio, que onera o contribuinte com soluções de eficácia duvidosa.
Esse é o debate que precisa ser protagonizado pela sociedade, e que está longe de acontecer.