“Disse Paulo o que pensava. Não tinha dolo de imputar, falsamente, nenhum fato desabonatório a ninguém. (…) Agora, mesmo que a opinião de Paulo fosse equivocada, não vejo como não ser dado a ele o direito de expô-la”. Com esse entendimento, o Juiz de Direito Leandro Augusto Sassi, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, absolveu Paulo Tadeu Nunes de Carvalho das acusações de calúnia e difamação supostamente cometidas contra os Promotores de Justiça Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, em processo ajuizado pelo Ministério Público. Pai de uma das 242 vítimas fatais do incêndio na boate Kiss, o réu respondia por declarações feitas em um artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria.
“Quantas vezes dizemos o que pensamos e vemos ao fim o quão errado estávamos, mas mesmo assim, deve sempre nos ser resguardado o sagrado direito de dizer. Sombrios os tempos em que as liberdades eram tolhidas, os textos censurados, os pensadores exilados, os corajosos torturados e ‘desaparecidos’. Oxalá esse tempo nunca mais volte!”, concluiu o magistrado, em decisão proferida na tarde desta terça-feira (18/7).
Caso
De acordo com o Ministério Público, Paulo tentou macular a reputação dos Promotores de Justiça Joel e Maurício, ao publicar artigo no jornal Diário de Santa Maria (em 24/4/15). No texto, entre outras afirmações, o denunciado disse: “O absurdo é observar o silêncio (esclarecedor) dos promotores responsáveis pelo caso Maurício Trevisan e Joel Dutra e saber que os promotores do Ministério Público de Santa Maria, mesmo com todos os indícios de envolvimento do prefeito e de seus secretários, pediram o arquivamento do processo de improbidade administrativa”. E também: “Temos o cheiro podre do protecionismo entre os poderes, tão relatado nas esferas federais dos grandes escândalos”. Ainda, de acordo com a acusação, criou evento público intitulado “Audiência delegado Sandro Meinerz Tragédia Santa Maria”, no qual estimulava as pessoas a acompanhar a audiência de instrução.
Entre outros argumentos, a defesa do réu alegou que em nenhum momento o réu imputou aos Promotores a prática de crime, se limitando a questionar o porquê de existirem provas e nada ser feito contra os fiscais. E que, no seu ponto de vista, apenas externou seu sofrimento e indignação, falando em âmbito nacional.
Promotores
Em depoimento, o Promotor de Justiça Joel de Oliveira Dutra disse que acabou ficando magoado quando suas filhas (uma de 32 anos, outra de 24 e a terceira de 18 anos) chegaram em casa (um ou dois dias após o artigo escrito pelo réu), o questionando sobre o que “ele tinha feito”, porque as pessoas estavam lhe acusando de ser corrupto. Disse que ficou sabendo que falavam que, de algum modo, ele favorecia entes Públicos, que ele teria deixado as pessoas da Prefeitura livres de qualquer procedimento. Reiterou que se sentiu bastante ofendido e atacado porque é Promotor de Justiça há 20 anos e nunca se portou de modo que fosse contra sua consciência. E que não poderia suportar, em nome de uma dor, que espalhem inverdades a respeito de sua honra.
Os Promotores disseram que durante todo o tempo, sempre se reuniam com os pais da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria (AVTSM), da qual o réu é diretor jurídico, para manter clareza em relação ao caso. Que as inconformidades dos pais eram manifestadas nesses encontros, mas que todas eram compreensíveis. De acordo com o Promotor Mauricio Trevisan, a partir de um determinado período, as manifestações começaram a mudar e ficaram mais enfáticas, levando para audiência fotos de cartazes e manifestações. Asseverou que o ponto de tolerância chegou ao final com a publicação do artigo em 24/4/15 e com as manifestações feitas na internet e, com isso, decidiram formalizar a representação.
Decisão
O Juiz Leandro Sassi considerou que, embora a acusação alegue que Paulo caluniou os Promotores, apontando que teriam praticado delito de prevaricação, se trata apenas de uma mera crítica quanto à atuação dos membros do MP. “Aliás, trazida apenas nos dois primeiros parágrafos do texto publicado no jornal, o acusado Paulo limitou-se a questionar suas atuações no processo, referindo que, em seu entender, deveriam ter os Promotores maior determinação na produção da prova e apuração das responsabilidades pela tragédia, mas em nenhum momento indica que tenham feito isto para satisfazer qualquer interesse pessoal escuso”, asseverou.
Na avaliação do magistrado, o delito de calúnia não se satisfaz com declaração infeliz, colérica ou leviana, sendo aceita somente a declaração conscientemente falsa. Aquela que deriva da mente do autor, que lhe sabendo inverídica, mesmo assim lhe traz às luzes, para prejudicar dolosamente o ofendido. “Não há a mínima prova da consciência da falsidade da declaração. Ao contrário, toda prova aponta no sentido inverso, qual seja de que Paulo, ao publicar o texto objeto desta lide, o fez acreditando sinceramente que tudo aquilo que dizia correspondia à verdade”, afirmou. “Veja-se que se trata de pessoa gravemente ferida por uma indescritível tragédia e que não possuía qualquer formação jurídica ou capacidade de compreender os atos processuais e suas motivações”, completou Sassi.
No mesmo sentido, o magistrado também absolveu o réu da acusação da prática de difamação. “Percebe-se que a crítica contida nos textos do réu Paulo não traz uma ofensa dirigida à pessoa determinada, mas sim uma crítica a atuação institucional do Ministério Público, o que obsta a punição pelo tipo penal da difamação. Queria o réu, assim como a maioria dos familiares que todos fossem responsabilizados, pois aos olhos desses pais, mães e de boa parte da população, a responsabilidade não se restringiria a três ou quatro pessoas”.
Processo n° 027/2.15.0012854-3
Fonte: TJRS