Casamento nulo para a Igreja e para o Estado

Artigo publicado na 45ª edição do Jornal Estado de Direito – http://issuu.com/estadodedireito/docs/ed_45_jed

            Em 2014 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) convalidou uma sentença canônica de nulidade de casamento. O relator do processo estribou-se no artigo 12 do Acordo Brasil-Santa Sé (promulgado em 2010). Reza o parágrafo primeiro do mencionado artigo: “A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas por órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.”

Sabemos que o casamento religioso ou canônico“válido”é indissolúvel, ou seja, não pode ser rompido. Para a Igreja, então, duas pessoas, um homem e uma mulher, unidas em matrimônio (sinônimo de casamento) devem permanecer juntas até a morte. Foi o próprio Jesus Cristo, o divino fundador da Igreja católica, que preceituou a indissolubilidade do vínculo conjugal: “O que Deus uniu o homem não separe” (Mc 10, 9). O código canônico apresenta uma definição muito bonita do matrimônio e confirma a regra da indissolubilidade. Vamos ver a tradução do cânon:

“Cânon 1055. Parágrafo 1.º. O pacto matrimonial, mediante o qual um homem e uma mulher constituem uma comunhão de vida toda, é ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e à educação da prole e, entre batizados, foi elevado à dignidade de sacramento. Parágrafo 2.º. Portanto, entre batizados, não pode haver contrato matrimonial válido, que não seja ao mesmo tempo sacramento.”

            Repetimos: somente o casamento “válido” é indissolúvel! Sob o influxo da concordata pactuada entre o Brasil e a Santa Sé, provavelmente haverá muitos requerimentos de homologação de sentenças judiciais oriundas do poder judiciário da Igreja. Pelo pacto internacional acordado com a Igreja católica, o Brasil se compromete a dar substância jurídica às decisões relativas a matrimônios.A Igreja sempre reivindicou sua competência concorrente para estatuir as normas que digam respeito ao casamento. A Igreja e o Estado têm graves responsabilidades em tutelar os valores da família.

            Resta saber se a justiça brasileira homologará somente as sentenças em que a nulidade provier de causa concomitantemente relevante para o direito civil e para o direito canônico ou de causa de nulidade exclusivamente canônica. Por exemplo, a coação irresistível, como uma ameaça de morte, torna nulo o casamento tanto no aspecto cível quanto no canônico. Ora, se o noivo foi compelido a se casar sob o prenúncio de um mal terrível, irrogado pelo pai da noiva, cuida-se de um casamento nulo. Outro exemplo: é nulo para a Igreja e para o Estado um casamento em que o noivo contar com 11 anos de vida. Sem embargo, existem causas de nulidade exclusivamente canônicas, não referendadas pelo direito civil. Uma hipótese, bastante comum nos tribunais eclesiásticos, é a chamada “exclusão do bem da fidelidade”. Um dos nubentes, ou ambos, foi sempre infiel, privando com outros parceiros sexuais desde o namoro. Este casamento é írrito só para a Igreja. Outra possibilidade, uma das mais ocorrentes nas cortes canônicas, é a “falta de discrição de juízo”, ou seja, uma imaturidade grave que impede aos nubentes coexistirem sob o mesmo teto, com o cumprimento das obrigações inerentes ao conúbio. Isto é nulidade para o direito canônico, mas não para o direito civil.

            A tendência é que a justiça brasileira homologue qualquer sentença canônica de nulidade matrimonial, desde que confirmada pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Éo que se depreende do resumo da primeira homologação deste tipo, postado no site do STJ. As premissas para a primeira homologação foram o fato de o casamento haver sido celebrado em conformidade com o direito civil, bem como a previsão do ato homologatório no acordo. Não há referência à causa de nulidade contemplada simultaneamente pelo direito civil e pelo direito canônico.

            Os envolvidos nestes feitos judiciais passarão a ostentar o estado civil de solteiro. Isto é revolucionário! O veredicto do Estado coincide, agora, com a sentença canônica.

Edson Luiz Sampel

Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano.

Professor nomeado da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo.

Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp).

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