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“Sobre sexualidade, medo e preconceito”
“Qualquer assunto ligado a sexo sempre foi – e ainda é – envolto em uma aura de silêncio, despertando enorme curiosidade e profundas inquietações. Se de sexo nunca foi possível falar abertamente, o que dizer a respeito do exercício da sexualidade e de sua enorme gama de variantes. Encarado por diferentes sociedades como uma torrente impetuosa e cheia de perigos, a repressão sexual ocorre por meio de um conjunto de interdições, permissões, normas, valores e regras estabelecidas histórica e culturalmente”
Maria Berenice Dias.
(Homoafetividade e os Direitos LGBTI, 6ª. edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 35)
Direito das Minorias
Numa Democracia, a vontade da maioria deve prevalecer, sem, no entanto, confrontar o direito das minorias, que merece respeito e deve ser concretizado. Valores como a liberdade e a igualdade, neste contexto, repousam como bases principiológicas do Estado Democrático de Direito. No que se refere às minorias, cabe mencionarmos seção de nosso blog, onde se elencam informações gerais sobre o tema. Veja: < http://blogdoprofessornicholasmerlone.blogspot.com.br/p/minorias.html >.
“A Homossexualidade sempre Existiu”
Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 11ª. edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016) declara: “Não é crime nem pecado, não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de conviver com lésbicas, gays, bissexuais, travestis e intersexuais, identificados pela sigla LGBTI. É simplesmente, nada mais, nada menos, outra forma de viver, diferente do padrão majoritário. Mas nem tudo o que é diferente merece ser discriminado. Muito menos ser alvo de exclusão social. A origem da homossexualidade não se conhece. Aliás, nem interessa, pois, quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal.” (2016, p.270)
Proteção das Relações Homoafetivas no Âmbito Internacional
Vale trazer à tona um caso ocorrido na Corte Interamericana de Direitos Humanos: o caso Atala Riffo e Meninas contra o Chile.
“De acordo com a Comissão, este caso se relaciona com a alegada responsabilidade internacional do Estado pelo tratamento discriminatório e pela interferência arbitrária na vida privada e familiar que teria sofrido a senhora Atala, devido à sua orientação sexual, no processo judicial que resultou na retirada do cuidado e custódia das filhas.”
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em fevereiro de 2012, nesse caso, sentenciou em favor da senhora Atala, uma vez que houve violação dos direitos humanos, tais como igualdade, não discriminação, privacidade, direito de ser ouvido, afronta à imparcialidade, responsabilizando o Estado Chileno pelos atos, de modo a obrigá-lo a ressarcir os danos subjetivos e sociais sofridos pela autora, além de ter de fornecer treinamento educacional adequado para os funcionários públicos. (2012, p. 87-89) (Para saber mais, veja: < http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/04/c0dec043db9e912508531a43ab890efb.pdf >)
Ademais, cumpre lembrar que tais direitos encontram-se protegidos pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Na direção da tutela do Direito Internacional sobre o tema, recorremos a Maria Berenice Dias (Homoafetividade e os Direitos LGBTI, 6ª. edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014).
A autora (DIAS, 2014, p. 81) elenca os tratados e convenções internacionais sobre o assunto.
Pois bem, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2003, firmou que as legislações que proíbem pensão militar a casais homoafetivos afrontam o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Outrossim, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), através da Resolução 2.435/2008 aprovou a Declaração sobre Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, que frisa novamente os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, em particular no que se refere aos atos de violência contra indivíduos por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero.
Além disto, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que os direitos LGBTI são direitos humanos, em 2011.
Ainda neste plano, DIAS (2014, p. 82) lembra que, em 1997, em Valência, Espanha, foi criada a Declaração dos Direitos Sexuais, que foi referendada, em 1999, em Hong Kong, na China.
Casamento Homoafetivo sem Impedimento no Ordenamento Jurídico
DIAS (2016, p. 158) afirma: “Nem a Constituição nem a lei, ao tratarem do casamento, fazem qualquer referência ao sexo dos nubentes. Portanto, não há qualquer impedimento, quer constitucional, quer legal, para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Também, entre os impedimentos para o casamento, não se encontra a diversidade de sexo do par. O que obstaculizava a realização do casamento era somente o preconceito. Aliás, a construção doutrinária sobre casamento inexistente tem como único ponto de sustentação a alegada impossibilidade do casamento homossexual.”
A autora (DIAS, 2014, pp. 116-18) descreve o perfil constitucional no que diz respeito à família e os direitos humanos, segundo ela como princípios fundamentais: i) princípio da igualdade; ii) pluralismo sexual; e iii) diversidade sexual.
Com efeito, as minorias merecem tratamento igualitário, podendo conviver em harmonia com as diferenças de manifestações sexuais, seja em grupos sociais, seja individualmente.
Além disso, vale trazer o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, de modo que qualquer afronta a este princípio é uma discriminação que fere o diploma máximo.
Reconhecimento do Casamento Homoafetivo pelo Judiciário
Nesse sentido, DIAS (2016, pp. 158-59) argumenta que a Lei Maria da Penha (Lei Federal n. 11.340/2006) estendeu a definição de família para abranger as relações homoafetivas. Partindo de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que garantiu às uniões homoafetivas a equivalência da união estável, iniciou-se a conversão de união estável em casamento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a habilitação para o casamento e a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu que fosse negado acesso ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Omissão do Legislador
Por outro lado, DIAS (2016, p. 271) esclarece que o legislador possui medo de desagradar seus eleitores, de modo a não aprovar lei de acordo com os interesses de minoria, isto é, contra sua discriminação. Não há outra razão para tanto sustenta. Porém, como a autora determina: “a ausência de lei não significa inexistência de direito.” Apesar disto, lamentamos a inexistência de lei sobre o tema em pauta.
Relações Homoafetivas no Plano Infraconstitucional
No que se refere às leis que regem as relações em tela, destacamos: i) Lei Maria da Penha (Lei Federal n. 11.340/2006) – que alarga o conceito de família; ii) Estatuto da Juventude (Lei Federal n. 12.852/2013) – que faz referência à nação LGBTI; iii) o Anteprojeto de Lei do Estatuto da Diversidade Sexual (lei por iniciativa popular), parado na Câmara dos Deputados, desde 2011 – criminaliza a homofobia, traz prerrogativas e direitos que vêm sendo reconhecidos pelo Judiciário em prol da comunidade LGBTI.
Concretizando os Direitos LGBTI
Para efetivar os direitos em pauta, é preciso realizar políticas públicas que conscientizem a sociedade. (DIAS, 2014, p. 175) Nesse rumo, é preciso articular tais políticas de modo coordenado entre os três entes federativos (União, Estados, Municípios e DF), em colaboração com a comunidade.
Em busca de valores
O afeto deve ser visto como um princípio que rege as relações homoafetivas. (DIAS, 2014, p. 131) A felicidade, por sua vez, deve ser vista como um fim no panorama do contexto. (DIAS, 2014, p. 132)
Síntese Conclusiva
Na esteira do que foi dito, diante da inércia do Legislativo, o Judiciário toma protagonismo nas relações homoafetivas, conferindo-lhe direitos, que, para se concretizarem, independem de lei, apesar de isso ser positivo. Para a opinião pública se constituir, não basta atender aos desejos somente das maiorias, pelo contrário, é preciso respeitar os direitos das minorias. Isto é, no regime democrático, uma forma de convívio social, a vontade popular deve prevalecer. Os representantes eleitos pelo povo devem antes atender aos anseios de seus eleitores e não aos seus interesses particulares. Ora, alguns dirão que atendem o desejo de seus eleitores, pertencentes a determinados grupos religiosos, que condenam o homossexualismo. Todavia, vale frisar que, no geral, livros religiosos não afrontam diretamente os homossexuais, pelo contrário, em sua maioria, afirmam que deve haver amor ao próximo, sem qualquer discriminação, onde se incluem não apenas os índios, negros e deficientes, mas também os homossexuais. A condenação dos homossexuais por alguns líderes religiosos, na verdade, não passa de um capricho egoísta e preconceituoso desses sujeitos, já que não há fundamento algum em obra religiosa para tal desiderato. O que ocorre são interpretações deturpadas e com má-fé da palavra de Deus.
Desejamos, por fim, um caminho iluminado para todos, com a esperança no horizonte, onde todos possam conviver juntos, de modo plural e diversificado, sem preconceitos e discriminações, em harmonia e paz social.
Nicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Direito Constitucional em Debate – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado. |