Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor
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Desenvolvimento tecnológico e o cartão de crédito
Todos sabem que no século XX, houve um grande desenvolvimento tecnológico acarretando grande evolução em todas as áreas, transformando a vida das pessoas, ocorrendo uma explosão demográfica e tornando o comércio mais extenso e complexo.
Dessa intensificação da relação de consumo surge o cartão de crédito, para flexibilizar o pagamento, agilizando as transações comerciais e possibilitando o aumento de riquezas.
Diante da importância que o cartão de crédito vem adquirindo nos últimos anos, discute-se cada vez mais sobre sua natureza e funcionalidade.
Sabe-se que a relação jurídica derivada do uso do cartão de crédito engloba três ou quatro partes: o usuário, o estabelecimento comercial, a administradora, e na maioria dos casos, também a instituição financeira. Em função disso, pode-se inferir que ela não é uma operação econômica unitária e sim um sistema contratual que engloba os acordos individuais celebrados entre usuário e administradora; usuário e estabelecimento comercial; e também instituição financeira e administradora.
Soma-se a essa peculiaridade, o fato do referido instituto ser uma relação jurídica por adesão cuja principal característica é a impossibilidade de se pactuar ou transigir a respeito das cláusulas insertas no texto contratual.
Os frequentes litígios que envolvem o cartão de crédito são em sua maioria consequências dessas particularidades, porém, para resolvê-los, o aplicador do direito não deve buscar uma legislação específica sobre a matéria, pois se trata de um instrumento atípico ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo que, o seu embasamento legal encontra-se somente em construções doutrinárias e jurisprudenciais, com auxílio de legislações esparsas sobre o assunto, sobretudo no que tange ao Código de Defesa do Consumidor.
Atualmente o cartão de crédito é uma das formas de pagamento mais escolhidas pelas pessoas, por sua praticidade e versatilidade de pagamento, porém, algumas empresas ainda realizam práticas abusivas na sua cobrança lesando assim o consumidor e gerando inúmeros litígios.
Juros, multa e encargos contratuais
Grandes discussões acontecem em torno dos juros, multa e encargos contratuais aplicados ao consumidor quando do atraso ou do pagamento não integral da fatura.
Assim, considera-se juro a remuneração cobrada pelo empréstimo de dinheiro, e pode ser compreendido como uma espécie de aluguel sobre o dinheiro. A taxa seria uma compensação paga pelo tomador do empréstimo para ter o direito de usar o dinheiro até o dia do pagamento. O credor, por outro lado, recebe uma compensação por não poder usar esse dinheiro até o dia do pagamento e por correr o risco de não receber o dinheiro de volta (risco de inadimplência).
Os juros são frutos do capital empregado e representam a compensação do capital, o tempo e o risco do reembolso. Os juros moratórios decorrem da mora, são impostos pela lei e indeniza o credor pelo não cumprimento da obrigação no tempo e lugar convencionado.
No que tange a multa moratória, ensina De Plácido e Silva que “Também dita de pena moratória é a que se fixa para pagamento, quando ocorre retardamento na execução da obrigação contratada.” ( SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 933)
Logo, entende-se que juros e multa moratória no sistema contratual do cartão de crédito são os débitos lançados pela administradora na fatura mensal, em decorrência do atraso, da falta de pagamento, ou de pagamento inferior ao valor mínimo na data de vencimento.
Os juros seriam frutos dos débitos que os consumidores contraíram com as administradoras, aumentando o valor da dívida, à medida que a mora persiste, já que a obrigação não foi cumprida conforme convencionado entre as partes. E a multa, seria a pena pelo atraso ou não pagamento de, pelo menos o valor mínimo da fatura. Geralmente este valor corresponde a 20% (vinte por cento) do total da fatura, e quando paga pelo consumidor, a administradora entende que foi financiamento do débito da fatura. Os juros e multas foram limitados para que não ocorresse abuso por parte das administradoras, evitando-se a usura.
Segundo a doutrina e a jurisprudência, não ocorre abusividade em relação aos juros moratórios no cartão de crédito, porque são convencionados em 1% (um por cento) ao mês, sobre o saldo devedor, pro rata dia. O mesmo acontece com as multas moratórias, que foram estabelecidas a 2% (dois por cento), estando de acordo com o § 1º do artigo 52 do Código do Consumidor.
Porém, haverá abusividade se os contratos além dos juros e das multas moratórias incluírem, a multa convencional e os honorários advocatícios na fase amigável, contrariando, assim, o § 1º do artigo 52 do Código do Consumidor quanto à multa e o § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015, por cobrar honorários que não prestados em juízo.
No entanto, a prestação mais onerosa e abusiva para o usuário são os encargos contratuais elevadíssimos, girando em torno de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito.
Limite de utilização do rotativo
Recentemente uma determinada publicação realizada no Diário Oficial da União, relatou a decisão do Banco Central em limitar a utilização do rotativo do cartão de crédito para 30 (trinta) dias. Atualmente, a pessoa pode fazer o pagamento da parcela mínima, sem prazos acordados. Porém, segundo a publicação, o cliente que não quitar toda a fatura no dia do vencimento, deverá necessariamente liquidá-la na fatura seguinte. Contudo, caso isso não seja possível, os bancos deverão proporcionar condições de parcelamento em até 24 (vinte e quatro) vezes.
Segundo informações divulgadas pelo Banco Central, esta medida tem o objetivo de tornar a utilização do cartão de crédito mais eficiente, além de contribuir para a diminuição da taxa de juros do crédito, visto que no mês de dezembro de 2016, os juros terminaram em mais de 480% ao ano, os mais expressivos praticados no mercado do crédito.
A publicação no DOU afirma que “O saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos, quando não liquidado integralmente no vencimento, somente pode ser objeto de financiamento na modalidade de crédito rotativo até o vencimento da fatura subsequente”.
Sendo assim, o devedor poderá organizar o financiamento do saldo que está em débito, a partir de uma negociação com o banco. Vale lembrar que ainda será possível buscar as melhores soluções quanto à cobrança de encargos financeiros.
Por outro lado, caso o banco não ofereça a opção de parcelamento da dívida, o devedor terá que buscar outra solução para quitar a fatura atrasada, caso contrário poderá ficar inadimplente.
Outras medidas
Outras medidas que impactam diretamente a utilização do cartão de crédito também foram anunciadas pelo Banco Central. Uma delas, que deve entrar em vigor até março de 2017, é a proibição da exclusividade de bandeiras de cartões de crédito. Com a mudança, todas as maquininhas deverão ser compatíveis, com todas as bandeiras, o que “aumenta a competição no mercado de cartões e beneficia o consumidor”.
Além disso, o Banco Central regularizou a diferenciação de preço, permitindo que os comerciantes possam cobrar diferentes valores dependendo do meio de pagamento. Na prática, a medida pode tornar as compras em dinheiro mais baratas e as compras no cartão de crédito mais caras. A autorização será dada por meio de medida provisória, que será publicada e deverá entrar em vigor nos próximos 12 a 24 meses.
A opção para parcelar a fatura do cartão de crédito fica por conta da instituição financeira, o Banco Central acredita que isso acontecerá de maneira natural, ou seja, como uma ferramenta que tem por objetivo evitar a inadimplência.
Dessa forma e em poucas palavras, procurou-se demonstrar que o cartão de crédito surgiu em decorrência do desenvolvimento do comércio, resultado da intensificação do consumo, da flexibilização quanto ao pagamento na aquisição de produtos e serviços e do aumento na qualidade e segurança das instituições.
Sistema contratual
Trata-se de um sistema contratual que reúne diversos fatores, dentre eles, destaca-se: o uso nas relações de consumo, utilização como meio de pagamento, destacando sua funcionalidade para o usuário, as vantagens para o estabelecimento que amplia sua clientela e tem a garantia do recebimento, e, para a administradora um ganho com a cobrança da anuidade, paga pelo usuário e no percentual sobre as vendas de produtos e serviços repassados pelo estabelecimento.
Pelo exposto, verifica-se que o cartão de crédito não é apenas um contrato, sua estrutura envolve um sistema, formado por diferentes contratos que se interagem, constituindo um corpo próprio, com características típicas e peculiares.
Foi visto que não há legislação específica que regule o sistema contratual do cartão de crédito, devendo o magistrado, no caso concreto se orientar pelos costumes, doutrina, jurisprudência e das condições gerais do contrato, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, quando necessário, por se tratar de relação de consumo.
Certamente há vinculação da administradora e do fornecedor ao cumprimento da oferta, da publicidade e das condições gerais do contrato, apontando-se as abusividades que transferem riscos aos usuários, por serem contrárias à boa-fé e equilíbrio dos contratos.
Conclusão
Conclui-se que de todas as cláusulas do contrato, a mais abusiva, cometida pela própria administradora de cartão de crédito, é a cláusula mandato. É a que mais gera transtornos ao consumidor e dela decorrem todos os juros e encargos contratuais ilícitos, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal.
Indiscutivelmente há a necessidade de que seja elaborada uma legislação pormenorizada que regule o instituto e que observe suas características individuais e peculiares, procurando, dessa forma, uma tutela específica sobre tal sistema contratual, garantindo-se o equilíbrio e a autonomia da vontade entre as partes, a boa-fé e a proteção ao consumidor, parte hipossuficiente na relação de consumo.
Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada. |
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