Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Caderno de estudos práticos: Direitos Humanos e Acesso à Terra. Caderno 1: Sistema de justiça e movimentos sociais do campo [livro eletrônico] : um guia prático contra a criminalização de defensores e defensoras do direito humano à terra / Oona de Oliveira Caju…[et al.]. – – 1 . ed. – – Mossoró, RN/CRDH-Centro de Referência em Direitos Humanos Semiárido : Queima-Bucha, 2022. PDF. Outros autores: Vagner de Brito Torres, Antônio de Freitas Freire Júnior , João Paulo Holanda Costa.
Quando da implementação do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional de Direito, cumprindo acordo entre a Universidade de Brasília – UnB e a Universidade Federal do Semiárido – UFERSA, em Mossoró, RN, vivenciei a rica experiência de intercâmbio com os professores em formação, não somente no espaço acadêmico das disciplinas que ali regemos – O Direito Achado na Rua – entre elas, mas nas trocas riquíssimas de vivências de extensão e pesquisa, realizadas em seus centros de estudos e de pesquisa, integrados às dinâmicas de engajamento com temas emancipatórios e agendas construídas como s movimentos sociais.
Assim, por exemplo, o contato com o GEDIC – Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina, com sede na UFERSA e atuação no semiárido potiguar. O GEDIC, tal como encontro em seus registros, surgiu em 2010, concomitante ao nascimento do curso de Direito da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA, com o objetivo de articular ensino, pesquisa e extensão. A partir de lentes marxistas, se debruçou ao longo de sua história sobre o Direito e a América Latina. Na extensão, realizou projetos junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a trabalhadores sindicalizados e terceirizados, associações de catadores de materiais recicláveis e na temática das relações patriarcais de sexo. Em 2018, sediou o III Congresso Internacional Direito e Marxismo, promovendo o encontro de pesquisadores e pesquisadoras marxistas de todo o país e do exterior. Na pesquisa, voltou-se nos últimos anos ao projeto “Marxismo e América Latina: Lutas Políticas e Novos Processos Constituintes”.
Numa das visitas a UFERSA em Mossoró até me integrei aos eventos de celebração de 5 anos do Coletivo, mobilizado pelos contato com os professores Oona Caju, Daniel Valença e Gilmara Medeiros. Ali conheci a estudante Rayane Andrade que anos depois, já professora em Goiás, viria a ser minha aluna no Programa de Pós-Graduação (doutorado) em Direitos Humanos e Cidadania, na UnB.
O encontro acadêmico com Gilmara Medeiros, forte na construção das interlocuções que demarcaram o lugar dos direitos humanos nesse espaço de interseção entre universidade e sociedade, prorrogou-se no acompanhamento como Orientador na elaboração de sua tese, em tudo brilhante, sobretudo no seu duplo arranque teórico e político.
De fato, tal como ela pretendeu, um “aventurar-se no estudo e compreensão dos direitos humanos como um fenômeno histórico, social e jurídico é enveredar num labirinto de diversas teorias e concepções que provocam espanto, encantamento e confusão. De certa maneira, podemos afirmar que a sua investigação requer de nós, nos dias de hoje, sensibilidade e coragem de se posicionar para que não recaiamos no senso comum raso e nas análises limitadas, tão comuns a área. Por esta razão, consideramos que o desafio do presente trabalho é demonstrar qual o conceito de direitos humanos é o adotado e como ele pressupõe uma práxis social (porque dela nasce), isto é, um engajamento na mudança do mundo, sobretudo, no rompimento das diversas relações de exploração, opressão e dominação. E porque buscamos entender como esta práxis modifica, formula e constrói uma nova perspectiva a seu respeito, consideramos o nosso objeto de estudo complexo e em permanente transformação”.
Ofereci uma sugestão para mergulho em seu belo trabalho – OS DIREITOS HUMANOS E AS METAMORFOSES DO TEMPO: COMPREENDENDO A SUA (RE)INVENÇÃO CRÍTICA. Gilmara Joane Macêdo de Medeiros. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília/Faculdade de Direito e Universidade Federal Rural do Semiárido-Mossoró, RN/Faculdade de Direito. Brasília, 2019 – conforme está na Coluna Lido para Você (cf. em http://estadodedireito.com.br/os-direitos-humanos-e-as-metamorfoses-do-tempo-compreendendo-a-sua-reinvencao-critica/).
Agora é Oona de Oliveira Caju quem traz esse Caderno de estudos práticos: Direitos Humanos e Acesso à Terra. Caderno 1: Sistema de justiça e movimentos sociais do campo: um guia prático contra a criminalização de defensores e defensoras do direito humano à terra.
O texto traz o seguinte Sumário:
Apresentação
O “Sistema de Justiça”: um pedaço do Estado Brasileiro
Criminalização dos movimentos sociais e garantias processuais penais
Notas
Referências
Resgato aqui a Apresentação preparada pelo autores e autoras e organizadora.
Caro leitor, cara leitora. Como vai? Temos imensa alegria de apresentar a você este material. Ele é a primeira síntese dos temas estudados durante o II Curso de Educação em Direitos Humanos e Acesso à Terra, realizado em 2019. Ambos são parte do Programa de Extensão Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido: na linha de frente da Educação em Direitos Humanos e da Extensão Popular, da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).
Na discussão sobre essas dificuldades, durante o curso, surge a síntese do que daria a linha de concepção deste material: aqueles e aquelas que lutam pela reforma agrária precisam entender como a burocracia da justiça funciona e como se protegerem contra a criminalização, que, infelizmente, tem sido um método empregado para silenciar defensores e defensoras de direitos humanos.
Nossos trabalhos de escrita (assim como todo o Programa de Extensão) foram interrompidos pela pandemia de COVID-19, em 2020, e, com a retomada das atividades, ajustamos nossa proposta inicial. Em razão da riqueza das discussões surgidas tanto no II Curso, como na comissão organizadora, e da importância dos temas tratados, decidimos elaborar esta obra em dois volumes, que chamamos Caderno 1 e Caderno 2.
Neste primeiro Caderno, tentamos trazer algumas informações importantes e bem embasadas sobre essas questões. Nas próximas páginas, você encontrará orientações jurídicas. Elas foram elaboradas a partir das dúvidas e questionamentos levantados por muitas pessoas que, como você, estão na linha de frente da defesa dos direitos humanos!
O núcleo da publicação, neste Caderno 1 está sustentado nos dois textos que estruturam o volume. O primeiro texto cuida didaticamente do sistema de justiça. Conforme o texto, a partir de uma questão pedagogicamente importante: O que é esse “sistema de justiça”?
Sim, o sistema de justiça é apresentado como um conjunto de órgãos, instituições, funcionários(as) públicos, poderes que são responsáveis pela “aplicação da lei”. O “sistema de justiça” pertence ao Estado e é ele quem dá a solução final dos processos judiciais. Mas com a cautela de reduzir a caracterização a sua estrutura, em si, funcionalmente, não necessariamente, uma abertura para acesso à Justiça.
O segundo texto, está orientado para o tema Criminalização dos movimentos sociais e garantias processuais penais, no que se inclui, de algum modo, como alvo, os próprios defensores de direitos humanos, pois, diz o texto, “Como já vimos, muitos direitos humanos estão reconhecidos na lei, mas não são cumpridos na realidade. Defensoras e defensores de direitos humanos atuam para garantir a realização dos direitos humanos na sociedade”.
Não por outras razões, as Conclusões se concentram nesse aspecto estratégico da publicação:
Como vimos, a criminalização dos movimentos sociais não é algo novo. A luta pelos direitos sempre enfrentou diversas dificuldades, muitas vezes por meio da lei, que impediam grande parte da população de ter acesso a coisas tão básicas e essenciais, como direitos trabalhistas, lazer, casa e vida privada.
A luta por direitos, igualdade e pelas mesmas oportunidades para todos/as ou, pelo menos, pelo acesso dessas oportunidades, levou tempo e custou muitas vidas. A própria ditadura militar, de 1964, foi contra os movimentos sociais, contra todos aqueles que resistiam a um governo autoritário, antidemocrático e injusto.
Com a Constituição de 1988, o Brasil saiu da ditadura formal e deveria construir uma democracia, numa direção onde a sociedade como um todo pudesse crescer, diminuindo a pobreza, dando maiores oportunidades a todos e todas, com garantias de direitos como saúde, educação, moradia, alimentação, entre tantos outros. Mas isso não é feito de forma instantânea, através da lei, mas sim da luta social.
Apesar da previsão constitucional e legal que garante os direitos humanos, o Estado e grupos poderosos na sociedade continuam cometendo abusos, usando leis, que deveriam proteger as pessoas, para atacá-las. Isso é ainda mais sentido quando o Estado age como Estado penal. Quem defende o Estado penal propõe o emprego de mais repressão, castigo e punição para todos os problemas da sociedade. Mas, como a experiência histórica mostra, os problemas da sociedade têm uma raiz profunda, em estruturas que geram fome, desigualdade e violência.
Por isso, é importante que os movimentos sociais não caminhem na direção de se utilizarem apenas da política criminal, para lidar com os desafios da luta por direitos humanos. O sistema de justiça criminal pode ser seletivo e discriminatório, no sentido de não escutar interesses das minorias, como as mulheres, as pessoas negras, os LGBTQIA+, entre outros grupos vulneráveis. Ele é um instrumento que, desde a sua origem, tem reproduzido as desigualdades sociais
Veja o caso das mulheres: embora tenham conquistado, nos últimos anos, muitos direitos importantes, como a Lei Maria da Penha, elas são julgadas, muitas vezes, por sua conduta sexual, mesmo quando são vítimas de violência. Há casos em que a polícia e a justiça tratam de forma diferente pessoas negras e pessoas brancas, pobres e ricas
Lembra do exemplo de Rafael Braga? E dos trabalhadores ocupantes da Usina Santa-Helena? Um problema social não necessariamente é resolvido com a penalização legal, tendo em vista que o sistema criminal pode criar uma relação de violência e poder. Nós queremos a proteção do Estado, mas também somos vítimas dele. É uma contradição difícil. A violência institucional é seletiva: ela pune, mas também deixa de punir. Do mesmo caminho, saem culpados e inocentes, e não pelo devido processo legal e pelo correto julgamento, pois, no final das contas, o/a juiz/a e o Estado podem ser arbitrários. Mesmo sendo impostos a um/a magistrado/a os princípios de imparcialidade, muitas vezes ele/a impõe os seus valores nos julgamentos. Mesmo com a existência das garantias processuais penais, é sempre possível que haja arbitrariedades e abusos.
Essa realidade pode fazer com que você fique desanimado/a ou desestimulado/a a ter que lutar em uma sociedade onde, mesmo quando se conquista um direito, ainda não pode confiar ferrenhamente no Sistema de Justiça. Porém, reconhecer essa contradição e seus perigos não significa que não se deva mais lutar por direitos ou combater os abusos do Estado.
A filósofa Marilena Chauí disse algo muito importante, que nos ajuda a pensar: “Se um dia a democracia for possível neste país, ela nascerá dos movimentos sociais e populares, do contrapoder social e político que transforma a plebe em cidadã e os cidadãos em sujeitos que declaram suas diferenças e manifestam seus conflitos” (CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994).
Ou seja, a transformação do Brasil num país melhor depende do avanço das lutas dos movimentos sociais populares. A conquista de direitos na lei também faz parte da tática dessa luta. A criminalização dos movimentos sociais é uma forma de fragilizar a luta pelos direitos humanos e a mudança do sistema para algo melhor. Muitas vezes, o Estado pune, de várias formas diferentes, quem está manifestando opiniões contra ele, apontando erros e falhas em seu sistema, e reivindicando direitos desprezados.
O sistema penal esconde a real face causadora da violência, da repressão, e não se pode admitir a perda da liberdade, do livre exercício de direito, da manifestação e, principalmente, da democracia. São os protestos populares e as ações dos movimentos sociais que mantém a democracia viva. A criminalização dos movimentos sociais fragiliza os nossos direitos fundamentais.
Se já é difícil lidar com um Estado que não facilita nada a vida da gente, difícil mesmo é se ver calado e parado perante isso. Por isso, mesmo com todas as dificuldades da luta, é preciso que ela exista, para se construir a democracia no nosso país, que precisa constantemente ser provocado pelo poder popular, pelas nossas reivindicações, de tudo pelo o que lutamos.
Constato, com ânimo renovado, que o enquadramento trazido pelo texto cabe na moldura modelada pelo Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia que se realizou agora em abril, de 26 a 30 em Porto Alegre.
Fiz um artigo síntese, cujos termos reproduzo aqui, do que foi o rico debate proporcionado por esse encontro, não apenas reflexivo mas programático, mobilizado para orientar protagonismos (https://www.ihu.unisinos.br/categorias/618520-carta-de-porto-alegre-do-forum-social-mundial-tematico-justica-e-democracia-artigo-de-jose-geraldo-de-sousa-junior).
Desde que iniciadas em 2021, as mobilizações para a realização de um Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia, o conjunto de entidades que o propôs, organizou e realizou agora ao final de abril – mais de uma centena de organizações e movimentos – mantiveram a motivação de sua convocação (disponível aqui), conforme os termos propostos pelas seis entidades que subscreveram o texto original: os coletivos Transforma MP, Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia, Associação Juízes para a Democracia, Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia e Movimento Policiais Antifascismo.
Buscando ampliar contatos e agregar novos movimentos e organizações durante mais de um ano, até a instalação presencial do Fórum, cuidou-se de “promover um espaço de encontros e de compartilhamentos de percepções e informações e, num segundo momento, buscar construir condições para ações concretas e coletivas frente a desafiadora conjuntura atual”, ao acicate de motivos e urgências bem descritos no documento convocatório.
Entre esses motivos e urgências, tratou-se de não se acomodar “ante as milhares de situações de violações de direitos humanos, com destaque especial ao escancarado racismo estrutural que nos assola e à manipulação da democracia através de técnicas cada vez mais sofisticadas de disseminação de notícias falsas”, culminando numa estratégia em que o assim denominado lawfare sequestrou o espaço democrático do sistema de justiça para fazê-lo cúmplice de um processo desconstituinte de assalto ao projeto de sociedade que se organizava em base de uma amplo programa de mais equitativa distribuição da riqueza socialmente realizada e num experimento sem precedente de compartilhamento de poder político, numa modelagem criativa de participação popular democrática.
Cumprindo um rico e denso programa, os dias do Fórum permitiram uma completa interpretação da conjuntura global e local, econômica, política, ética, jurídica e funcional, de nossa realidade.
O Fórum Social Mundial Justiça e Democracia – movimento de arregimentação das forças sociais para permanente de avaliação, de denúncia e de transformação dos sistemas de justiça para a garantia da democracia – identifica, conforme a Carta, “a ação dos sistemas de justiça fragilizados na sua independência, que se prestam a aprofundar o fosso entre a institucionalidade e a cidadania. Denuncia, então, tais sistemas instruídos pelo neoliberalismo, conformados à burocracia e pouco entusiastas da democracia, que se mostram antes propensos a abrir do que fechar as portas para o fascismo”.
Mas com a clareza de que “tal propensão, além de gerar críticas, impõe a autocrítica como necessidade inescapável de quem atua no interior desses sistemas. Ela demanda um agir concentrado para extrair o racismo, o poder patriarcal cis-heteronormativo e o elitismo que contaminam os sistemas de justiça instituídos nos territórios dos países colonizados e que contribuem para sequestrar a democracia”.
Mas o Fórum não foi só diagnóstico, na forma de um seminário que permita a discursividade elegante da crítica acadêmica. Ele se constituiu de urgência, para ser também “uma autocrítica disposta a mirar essas marcas históricas e a comprometer-se com a superação delas”.
Pessoalmente, também participante das mobilizações e da construção do evento, eu já carregava a convicção sobre ser possível estabelecer diálogos com os movimentos sociais e suas assessorias jurídicas para extrair dessa interlocução, a visão negativa dos modelos adjudicatórios do sistema legal e judiciário, presos às normas constituídas como unidade de análise das relações de conflito e incapazes de realizar até mesmo as promessas constitucionais de realização da Justiça, entre outros fatores, pela “resistência a trabalhar com o direito da rua”, pela “baixa sensibilidade para as demandas da comunidade”, pelos “limites culturais para a percepção de sujeitos e demandas inscritas nos conflitos sociais”, pela manutenção de “corpo com formação técnica desvinculada das experiências do mundo da vida”, pela “postura institucional burocrática” e pela “pouca permeabilidade ao controle social”.
E, em contrapartida, desafiar os sistemas à luz das agendas assim construídas, para traduzir como reivindicação, uma Justiça atualizada e modernizada para além do simplesmente funcional-burocrático-legal: “respeito às temporalidades democráticas”, “fortalecimento comunitário”, “educação em Direitos Humanos”, “uso dos meios de comunicação”, “conscientização e sensibilização” e, em síntese, “reconhecimento e acreditamento do protagonismo das experiências de mediação social realizadas fora das instâncias estatais”.
A Carta é, pois, forte na afirmação de que o Fórum “oferece e ressalta a importância de ‘vencermos o obstáculo epistemológico dos paradigmas que isolam o jurídico na forma e na lei’, distanciando o Direito da vida concreta. Ele nos lembra que ‘a função do Direito é contribuir para a obra da humanização’ e que ‘a humanidade é uma experiência histórica e social’.
E mais, que “ao desvelar as falhas dos sistemas de justiça por meio de depoimentos de pessoas que foram afetadas por eles ou por meio de estudos bem sistematizados, este Fórum presencial contribui para mensurar a extensão dos danos para a democracia que um sistema de justiça corroído acarreta. Também permite dimensionar os desafios com os quais nos deparamos para reafirmar a opção por um modelo de sociedade que seja alicerçado no princípio da igualdade, organizado em torno da ideia de emancipação política dos seus membros e, ainda, combativo quanto ao avanço do neoliberalismo econômico que leva ao exaurimento dos recursos naturais e objetifica as pessoas, automatizando-as. Isso sem contar que o neoliberalismo tenta apagar os saberes de povos originários (ainda resistentes) e solapa qualquer ideia de implantação do bem-viver para a maioria da população, consagrando o poder absoluto de alguns indivíduos ou corporações, pretensamente onipresentes por meio de plataformas digitais”.
A Carta termina com uma constatação: “Com nossas atividades, alcançamos o discernimento de que Democracia e Justiça não são resultado de lei ou regimento, mas estão inscritas no seio da sociedade e são impulsionadas pela avaliação e pela injunção crítica e contínua dos sujeitos coletivos que fazem a mediação entre sociedade e direito. São eles que constroem coletivamente a sua independência social com base nas interações permanentes no sentido de fazer a temática do nosso fórum: democracia e justiça, a nossa vida”.
Mas termina também com uma disposição sensível não fosse Porto Alegre a terra de Mário Quintana, prorrogada pela voz do artista gaúcho, teórica, política e culturalmente atuante no FSMTJD, Mauro Moura:
“Hoje se renova, no nosso coração de estudante, ‘a aurora de cada dia’: a esperança de uma utopia que ‘pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos’. ‘Se o poeta é o que o sonha o que vai ser real, sejamos poetas’! Tenhamos em mente ‘a presença distante das estrelas’! Encorajando a revoada do eu passarinho, sejamos nós passarada! ‘Sob o sol da justiça social, nossa voz a resistir / ocupa-se de marginal, o bloco que ousa colorir / Lutando por direitos na rua, atravessando a alma minha e tua / São as procissões que se encrustam na via, multidões, utopia / Tivera a coragem das flores, que no temporal embelezam o dia / Tendo a sorte breve como os amores, mesmo despetaladas são valentia / Se eu cair, vou cair lutando / Se o fim chegar, não há de me encontrar chorando / Mas isso é coisa de quem não negocia a humanidade, a democracia”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |
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